Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


4 comentários

Crónicas de África – Carrinhos de Choque

Crónicas de África – Carrinhos de Choque


Maputo, 8 de dezembro de 2012


Desde que estou em Maputo já tive dois acidentes. Parecidos, consequências semelhantes.


Como já tive oportunidade de escrever, o trânsito por aqui é caótico, mas há poucos acidentes e os que há, normalmente, não são graves. A mim calharam-me dois em quinze dias. No primeiro, ia descansadinho na avenida Julius Nyerere, parei num semáforo a uns metros do tipo da frente e, ainda mal não tinha parado, um estrondo invadiu o carro, andei uns três metros para a frente e pensei, Pronto, já tenho o carro todo desfeito. Quando saí do carro, a primeira visão que tive foi a do carro que embateu no meu. Tinha o capô todo arreganhado e a grelha da frente com severos maus tratos. Olho para a traseira do meu carro e nada. Para choques ok, porta ok, abri e fechei, não estava empenada, espreitei por baixo do carro e tudo me pareceu ok, inclusive o tubo de escape. O outro condutor a pedir-me desculpa, que a culpa era dele porque tinha batido por trás, que eu visse se tinha alguma coisa. Eu não tenho nada, mas o senhor parece que tem. Ele não me respondeu. Fez peso com o corpo no capô para o endireitar, deu-lhe uns murros até ele voltar a fechar, agradeceu-me e foi à vida dele.

Ontem foi diferente. Era uma descida e reparei, pelo retrovisor, que atrás vinha uma carrinha LiteAce, é uma Hiace mas mais pequena. Tem a frente direita. Guardei distância do da frente porque era uma carrinha de caixa aberta carregada de materiais e com dois homens em cima da carga. A meio da descida e por causa da fila, parei. Não tem nada que saber. Um estrondo enorme a ecoar dentro do carro, três metros de rojo, e claro que percebi que tínhamos levado nova cacetada só que esta fora com mais força. Pensei que escapar sem mazelas, nem polícia, nem papelada, duas vezes seguidas, seria muita sorte e tinha a certeza de que a minha traseira estaria severamente danificada. Quando olhei para a carrinha ainda tive mais certeza de que haveria danos. O tipo tinha a frente toda amarrotada. O ritual repetiu-se. Olho para a traseira do meu carro e nada. Para choques ok, porta ok, abri e fechei, não estava empenada, espreitei por baixo do carro e tudo me pareceu ok, inclusive o tubo de escape.

Sem sair de dentro da carrinha, o outro condutor, disse-me a medo:
– Está alguma coisa estragado, papá?
– Está! Tens a frente toda amarrotada.
– E no teu?
– O meu está ok. Por mim, podemos seguir. Mas tens de ter cuidado.
– Eu vou ter cuidado, papá.

Entrei para o carro, olhei pelo retrovisor e vi que ele nem sequer saiu. Seguiu no seu ritmo sonolento. Fixei melhor a vista na frente da carrinha dele e reparei que o amarrotado era o desenho de um pneu. O meu! Mas com vincos!

Assim, caros leitores, se estão em Moçambique ou a pensar vir para Moçambique e vão precisar de carro, aqui toda a gente precisa de carro, dou-vos um conselho. Não interessa nada se é a gasolina ou a gasóleo, se tem muita ou pouca cilindrada, se gasta muito ou pouco, se é grande ou pequeno, se é bonito ou feio, o que interessa é que tenha um pneu bem cheio de ar na porta de trás. Assim, faz o efeito “Carrinhos de Choque em Ambiente Urbano” e o meu amigo livra-se de boa.

Em todo o caso, para as estradas de Maputo e areais de Moçambique, aconselha-se um carro com tração às quatro rodas, não muito grande, com ar condicionado e… japonês! O resto é… boa sorte e boa viagem.

– Adeus!
– Adeus, papá!

jpv


Deixe um comentário

Curtas Do Metro – Violência

Violência

Foi um dos episódios mais violentos a que assisti no Metro e envolve uma só pessoa. Final da tarde. Dia de chuva. Cais do Sodré. Descemos as escadas de cimento que dão acesso à plataforma. À minha frente segue um homem com mais de sessenta anos, fato e gravata, pasta numa mão, chapéu de chuva, dos compridos, na outra. Óculos na cara.

Ao descer, o chapéu de chuva bate num degrau, ressalta para as pernas dele, ele tropeça. Tem à sua frente seis degraus. O primeiro impacto com o chão é feito com os joelhos, três degraus mais abaixo. Não larga a pasta nem o chapéu. O segundo impacto é feito já na plataforma onde bate com estrondo e completamente desamparado com a cara. Neste momento arrepiei-me porque todo o peso do seu corpo ficou, por instantes, suportado pelo rosto! Os óculos resvalam para a testa. Uma daquelas pecinhas que apoiam no nariz esbarra numa ruga da testa e corta. Quando, após uns momentos, o senhor se levanta com a ajuda de alguns de nós, está tonto, não sabe onde está nem como aconteceu aquela queda. Tem os óculos cravados na testa. Tira-os por instinto e o sangue, que já jorrava por cima de uma vista, invade-lhe a cara. Chega apoio qualificado. Devo assinalar que os seguranças foram rapidíssimos a vir ajudar. Chamam uma ambulância e o senhor começa a voltar a si.

Um acidente violento e desnecessário a marcar um fim de tarde chuvoso. O dia seguinte amanheceu alegre e solarengo. Espero que para ele também. Espero que o acidente seja só a memória de um susto.

jpv