Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Vermelho Direto – Não Há Ficção que Resista

Vermelho Direto – Não Há Ficção que Resista

Amigos benfiquistas e outros amigos também, caros leitores, família, mãezinha, mana e avô Velez lá onde estejas no céu, venho dizer-vos que ao cabo de 46 anos de benfiquismo estou vai-não-vai para me passar para o outro lado da segunda circular, isso mesmo, tornar-me sportinguista, só falta isto assim, uma coisinha de nada…

Eu gosto de coisas interessantes, gosto que a vida, ela própria, seja interessante, que cada minuto conte, até aqui tudo bem. Mas a verdade, verdadinha, é que a vida de sportinguista está muito mais interessante do que qualquer outra coisa. Os resultados desportivos? Não. Isso continua normal. Já saíram da Taça de Portugal, da Taça da Liga e já perderam o primeiro lugar para o nosso Glorioso. O que anda mesmo interessante é a vida de sportinguista. O reino do leão anda uma polvorosa, um notícia cá, notícia lá, ele é prostitutas, telefones caros, bicicletas, travestis, desertores, enfim, há de tudo e tudo muito interessante. Ali da Luz não chega nada a não ser o tédio das vitórias normais. Agora em Alvalade… isso é que é vida, interesse e pujança! Vamos a factos.

Tempo Psicológico
O senhor presidente do Sporting conseguiu os dois minutos e quarenta segundos mais longos da história. Duraram quase uma semana e só não se continuou a falar desses dois minutos e quarenta durante o resto da semana por causa da prostituta e do travesti, caso contrário, ainda agora estávamos a debater o assunto. Enfim, parece que para o ano o SCP vai inovar e vai mandar os putos da creche para dentro do relvado! Temos de admitir a pujança do seu presidente, conseguiu transformar os dois minutos e quarenta de atraso no começo do jogo Porto-Marítimo em vários dias de conversa. Da treta, mas conversa.

A Prostituta e o Travesti
Eu cá respeito toda a gente e como toda a gente é toda a gente, também respeito as prostitutas. A mais recente aquisição do Sporting é que parece ter uma visão diferente. O rapaz, jogador de boa estampa e afamado lá na rua dele, de sua graça Ousmane Dramé, requisitou os serviços de uma prostituta mas derivado da crise não tinha dinheiro, aliás, percebe-se assim porque vem para o SCP, e pagou à senhora, antes de ser servido, com o seu telemóvel. Tipo troca por troca. Tu dás-me a tua gerigonça, eu ofereço-te o meu telemóvel. Acontece que, assim que se viu servido, rapou do telemóvel com que pagara os serviços da moça e, não satisfeito, porque a vida está cara e um dinheiro de bolso faz sempre jeito, roubou-lhe a carteira. Como se tudo isto não fosse já digno de um filme de Hollywood, o rapaz pôs-se em fuga a cavalo numa bicicleta. Pois, quem tem de roubar uma carteira a uma prostituta, é natural que não ande de Lamborghini. O Pior é que a prostituta tinha um amigo que era travesti e toda a gente sabe que os travestis são danados. Ora, o amigo dela dá em perseguir o pobre do Ousmane e captura-o! Eu sei, parece que estou a regar. Eh pá, mas não. Está tudo confirmadinho. Esta realidade do Sporting é muito melhor que a ficção mais bem acabada que tenho visto. Mas a coisa não fica aqui!

Ao Pré e ao Rancho… Faltarei!
Também esta semana, o clube do leão, anda em negociações com um moço de nome sonante: Shikabala. Quando eu era miúdo e a malta ia ao cinema ver o Trinitá, o Cobói Insolente, por acaso dizíamos o nome deste senhor. Era só o Trinitá disparar um fogacho e a malta largava-se a gritar: Xiii ca bala ele disparou… Bem, mas isso agora não interessa nada. Hoje, na capa de um jornal desportivo, onde vêm escarrapachadas, a letras gordas, as grandes virtudes desta promessa do futebol internacional com 27 anos (!), que só não é chinês por acaso, gozem lá agora com o Futre, mas que é egípcio, essa Meca do futebol mundial, vinha também uma outra virtude deste jovem e cito “Foi preso por não ter cumprido serviço militar…” Eu não sou de me meter na vida dos outros, mas já agora não custa nada dar ideias, se o contratarem mesmo, assim que lhe pagarem, talvez não seja pior atarem uma daquelas bolas de ferro à canela do moço. É que, pelos vistos, ele tem jeito para o piranço!

Eh pá, como escritor, há uma parte de mim que vive da ficção e esta semana sinto-me em baixo, derreado, derrotado, derrocado, enfim… desanimado. É que, com a realidade do Sportém, não há ficção que resista!

Tenho dito.
jpv


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Onde Adquirir "De Negro Vestida"

Caros Amigos e Leitores,

A fase de apresentação e distribuição do romance “De Negro Vestida” está em curso e não está a correr mal, felizmente, pelo que podem encontrar o livro nos seguintes pontos de venda:


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Portugal – Online
(Ligações Diretas para o Livro)


Chiado Editora
FNAC
Wook
Bertrand Online

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Portugal – Livrarias
(Compra Direta)


Livraria Les Enfants Terribles
Cinema Nimas
Av. 5 de Outubro, 42B
1050 Lisboa

Livraria Nun’Álvares
Rua 5 de Outubro, n.º 59
7300-133 Portalegre

Livraria Papelaria 115
Praça 8 de Maio, n.º 29
3000-300 Coimbra

Livraria Branco
Rua Dr. Roque Silveira, n.º 95
5000-630 Vila Real

Livraria Caminho
Rua Pedro Santarém, n.º 41
2000-223 Santarém

Representações Online
Praça do Comércio, n.º 108
4720-337 Ferreiros AMR

Livraria Brinco Livro
Rua Alexandre Herculano, 301
3510-038 Viseu

Livraria Universo
Rua do Concelho, n.º 13
2900-331 Setúbal
  
Livraria de José Alves
Rua da Fábrica, n.º 74
4050-246 Porto

Livraria Esperança
Rua dos Ferreiros, 119
9000-082 Funchal

Nazareth e Filho
Praça do Giraldo, 46
7000-406 Évora

Livraria Graça
Rua da Junqueira, n.º 46
4490-519 Póvoa do Varzim

Aliete S Clara Brito
Avenida 25 de Abril, lote 24 R/C
8500-511 Portimão

Livraria Caravana 
Morada Sede: Av. 25 de Abril, Edf. Vila Flôr 6º 
 8100-596 Loulé 

Livraria Papelaria Meneses                             
Rua da Sobreira, n.º 206 Paços de Brandão
4535- 297 Aveiro     

Pode ainda ser comprado em algumas lojas Continente e na Book It de Torres Novas.

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Portugal – Livrarias
(Compra por Encomenda)

É possível, também, encomendar “De Negro Vestida” em qualquer balcão Fnac, Book It e Bertrand.

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Brasil – Online
(Dentro de Dias)




Boas Leituras!
jpv


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Apetecia-me Falar de Praxes Académicas

Apetecia-me tanto falar de praxes académicas… mas não vou fazê-lo.
Por duas razões:

1) Já toda a gente o fez. Enfim, quase toda a gente.

2) Não me apetece perder amigos… hehe… nem uns, nem outros…

jpv


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O Lobo de Wall Street

O Lobo de Wall Street

O Filme é muito bom. DiCaprio está no seu melhor.

Excelente ritmo narrativo, muito boas interpretações, muito boa produção, grande fidelidade ao livro e aos factos verídicos.

Um senão? Sim. A narrativa em torno de Jordan Belfort está tão entusiasmante que se corre o risco de passar a mensagem errada, ou seja, o vigarista conquistar a simpatia do público, o seu estilo de vida, perfeitamente desonesto, ficar mais apelativo do que uma vida honesta.

Gosta de um bom filme, puro entretenimento? Não perca este.


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Citação do Tempo


[Clique na imagem para aceder ao sítio do filme]

“And in the end I think I’ve learned the final lesson from my travels in time; and I’ve even gone one step further than my father did: The truth is I now don’t travel back at all, not even for the day, I just try to live every day as if I’ve deliberately come back to this one day, to enjoy it, as if it was the full final day of my extraordinary, ordinary life.”

Tim, personagem principal em “About Time”

[E por fim, penso que aprendi a lição com as minhas viagens no tempo; e fui mesmo mais longe do que o meu pai: a verdade é que não volto mais atrás no tempo, nem mesmo por um dia, tento viver cada dia como se tivesse voltado para este dia em particular para o desfrutar como se fosse o último dia da minha extraordinária e simples vida.]


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E, então, Madalena.

E, então, Madalena.

Na distância,
A luz.
No silêncio,
A dor amansada.
Nos teus olhos,
A alvorada da vida.
Nas tuas mãos
A estrada certa
E definida
De amanhã.
No teu sorriso,
um jardim de flores,
Borboletas de todas as cores
Cortando o ar frágil
E incerto.
Na tua recordação,
O longe
Se faz perto.

A vida toda
Podias ser tu.
As alegrias,
As incertezas,
A comoção
De ver-te
Perseguir
Uma bola que rola pelo chão.

Hoje,
Não podes ler estas palavras,
São longas
E complexas
E não rimam
Com a simplicidade ingénua
Da tua idade.

Ainda és frágil
E pequena
Mas, em breve,
Todo o mundo será teu.
E, então, Madalena,
Virás explorar
O peito de um homem que morreu.

Nas palavras
Que se farão curtas
E óbvias.

jpv


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Crónicas de África – O Conselheiro Matrimonial

O Conselheiro Matrimonial

Maputo, 16 de janeiro de 2014

Podia começar a história pelo fim e contar já o telefonema, mas a coisa perdia a graça. A história só tem corpo porque existe a naturalidade desconcertante dos moçambicanos, a forma como atacam os assuntos sem preparação nem grandes introduções, e há também o seu sorriso, a sua alegria, a sua tão afamada, e tão verdadeira, boa disposição.

Esta é a história do I e do dia em que me tornei seu conselheiro matrimonial.

O I foi-me recomendado pelo célebre M sobre quem já aqui escrevi. Está com um problema senhor Paulo? Vai aí o I. E veio. Atrasado. Não muito. Não estranhei. Já estranhei o facto de ter ferramentas próprias, de começar e acabar um trabalho sem interrupções, de sacrificar-se para que tudo ficasse pronto no mais curto espaço de tempo possível. Percebi que ele valorizava o negócio que tinha e, como tal, dei-lhe atenção e continuei a dar-lhe trabalho.

Eu trato-o por I, ele trata-me por boss. Tudo normal, portanto. Mas um dia surpreendeu-me. Fora um trabalho complexo. Dois dias de volta daquilo até deslindar o problema, encontrar a solução e aplicá-la. E nesse dia eu notava-o mais calado. Ele gosta de trabalhar e ir explicando o que está a fazer, mas naquele dia estava apreensivo. Olhava para as coisas demoradamente, olhava para mim, e parecia engolir. Foi depois de ter terminado que o I explodiu:

– Boss… preciso da tua ajuda.
– Como assim?
– Eh boss vou-me casar.
– Eh pá, grande notícia. E para quando é isso?
– No sábado, boss…
– No sábado? Mas já hoje é quarta!
– É boss, mas ela não quer aquela pessoa que eu arranjei para cozinhar e tenho de ir buscar outra e preciso ir comprar… xiii boss, ’tá complicado.
– E precisas de ajuda?
– Preciso, boss…
– Diz lá…
– Como é isto do casamento boss? Eu não sei estar casado. É, nós namoramos faz um tempo, mas deve ser diferente de estar casado, não sei bem como fazer… tu estás casado há muito tempo, podias dar-me aí umas dicas, uns conselhos… mulher não é fácil boss…

Tremi! Não estava à espera e a responsabilidade do que dizemos numa altura destas, a partir de uma pergunta colocada com tanta naturalidade e tanta necessidade, assustou-me, mas o I estava aflito e não me apeteceu vacilar nem mostrar-lhe complexidades. A vida ensina, pensei, agora é só dar umas orientações.

– Ouve, I, não há receitas. O que te vou dizer pode resultar com uns e não resultar com outros. Cada situação tem de ser avaliada. A primeira coisa que te vou dizer é para não te assustares quando surgirem problemas, os problemas são normais. Não podes desistir ao primeiro problema porque é a superação deles que fortalece uma relação.
– Mas os problemas doem, boss.
– Claro, mas a dor é uma força. A segunda coisa que te digo é para falarem sempre e de tudo. Nunca guardes uma conversa, não deixes azedar um assunto, um desentendimento, nunca te vás deitar zangado com ela.
– Eh boss, não dá…
– Dá, dá, basta que seja a tua vontade, a tua prioridade.
– Eh boss, mas ela às vezes não me quer ouvir.
– Quer pois.
– Quer?
– Quer. Ela diz-te que não te quer ouvir, mas quer. É como quando lhe dizes que vais sair com os amigos sem ela. Ela diz-te que está bem, mas não está.
– Eh boss, não dá, tá mal… ela diz ao contrário.
– Claro!
– Para quê?
– Para ver se tu descobres por ti o que ela quer… se vais ao encontro dela…
– Como fazer boss?
– Simples… sempre que começas a falar com ela, dás-lhe razão e pedes desculpa. Como princípio genérico, entendes? Não interessa sobre o que é a conversa, dá-lhe logo razão. Ouve lá, quando têm uma discussão, quem é que acaba a ter razão?
– Ela.
– Pronto. Aí tens. Se lhe tivesses dado razão à partida, não tinhas discussão.
– Mas e o que eu penso? Eu posso ter razão, não é boss?
– Podes, mas ela vai-te reconhecer essa razão mais rapidamente se primeiro lhe deres razão a ela!
– Não pode!
– Pode, pode… experimenta… Por exemplo, para que é que tu queres um sofá?
– Para sentar.
– Certo. Então o que é te interessa a cor do sofá?
– Nada.
– Pois, mas a ela interessa! Logo, quando forem comprar um sofá para que é que hás de estar a discutir a cor do sofá se tu só o queres para te sentar e beber uma geladinha?
– Tá certo, boss… e o dinheiro?
– Partilha tudo! Ou são um casal ou não são. É como sair com os amigos… se ela é a tua dama porque não há de ir… A única coisa que te posso dizer é para não gastares tudo de uma vez… ires poupando porque podes precisar ao longo do mês…
– Pois é boss, ela pode entrar aí num supermercado ou numa loja e de repente foi-se tudo e depois como é amanhã?
– Lá está… sei lá, se tiveres 8 para gastar, combina gastarem 4.
– E resulta?
– Mais ou menos.
– Ai…
– Pois… ela vai gastar os 8 na mesma só que vai levar mais tempo. Tempo que tu precisas…
– Xiii boss, é isso mesmo, como não lembrei disso…
– Olha, e não te esqueças que o sexo é muito importante.
– Claro…
– Mas não é só para ti…  tens de… como dizer… tens de ter a certeza de que não és egoísta, também pensas nela, és carinhoso com ela. E falem, falem sobre o que gostam e o que não gostam… comuniquem… Queres ter filhos?
– Claro.
– Já pensaste quando?
– Não…
– Lá está… já pensaste que uma criança dá muito trabalho e é muito absorvente e tu ainda agora estás a casar… talvez fosse melhor dares um tempo para a conheceres e criares intimidade e depois pensas em filhos, mas isso são vocês que avaliam…
– Eh boss e há assim alguma coisa proibida, que a não se pode fazer?
– Há.
– O quê?
– Violência. Nunca podes ser violento. Nem com os gestos nem com as palavras. As mulheres são sensíveis a isso e tu deves ser o primeiro a respeitar a tua mulher, afinal de contas escolheste-a…
– Ou fui escolhido!
– Tens razão! Mesmo assim…
– Tens razão boss. Violência é má onda…

A conversa foi assim, crua, pura, sem preconceitos, sem rodeios, direta, positiva… E o I lá foi à vida dele um pouco mais seguro. O tempo passou. Já lá vão mais de dois meses e, ontem, à hora do jantar, o telefone tocou, vi o nome do I no visor e voltei a estremecer, Ai meu Deus, se ele me está a ligar… o que se terá passado…

– Sim… Estás bem I?
– Tudo bem boss. Tinha dado um sinal, mas o teu telefone estava morto. Pensei que tinhas viajado.
– E viajei, mas já estou de volta.
– E correu tudo bem por lá?
– Sim, graças a Deus. Tudo fantástico. Estive com o meu filho, família, amigos…
– Boss estou-te a ligar para desejar um bom ano e para te agradecer…
– Então? A vida de casado é boa? Está tudo a correr bem?
– Muito boa boss! E as tuas dicas foram muito eficazes, boss, resultam na perfeição… está tudo tranquilo… então aquela de dar razão para começar a conversa… eh boss, comecei a ter razão mais vezes…

E largámo-nos os dois a rir e percebi que o I está numa fase feliz da sua vida. Uma fase de crescimento. Uma fase de aprendizagem. E assume isso com naturalidade, receios, poucas expectativas, mas a mesma esperança e a mesma alegria que inundam o olhar, o sorriso e os gestos das gentes moçambicanas. Há menos conceitos por aqui. E isso faz com que haja menos pré-conceitos… E as coisas que dizemos, se vierem do coração, são assim interpretadas e são intuídas e postas em prática como se a vida fosse fácil. E talvez seja, nós é que, por um sinuoso processo mental de justificação da nossa própria existência, andamos a inventar que é complexa. Mas não é. Os moçambicanos não inventam nada disso. Eles sabem que a vida é simples. É só para viver. E têm essa verdade mais segura do que qualquer outra.

jpv


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Crónicas de África – O Terceiro Pesadelo

O Terceiro Pesadelo

Maputo, 14 de janeiro de 2014

Quem faz viagens intercontinentais de avião, sobretudo se houver escalas em África, tem três pesadelos. A descolagem, a aterragem e a recolha da bagagem!

Por incrível que pareça, o mais terrível dos pesadelos é o terceiro. E, de certa forma, é o único que realmente existe. Isto parece complicado, mas explica-se rápido. Se houver problemas com a descolagem ou com a aterragem, não só não podemos fazer nada, como ninguém pode fazer nada. São problemas resolvidos à partida. Encomendam-se as almas ao Criador, missa do sétimo dia e siga a vida. Já o terceiro é um verdadeiro pesadelo. Em primeiro lugar, significa que sobrevivemos aos outros dois, em segundo lugar, estando vivos temos direito àquilo que nos pertence, ganho com o suor do nosso trabalho. Ou melhor, achamos que temos direito.

Desta vez a viagem foi Lisboa – Acra – Joanesburgo. Saída de Portugal, escala no Gana e destino final na África do Sul. O voo era rapidinho. Quase parecia um direto e, por isso mesmo, a transição em Acra demoraria somente 55 minutos. A malta da TAP fez um serviço limpinho e lá descolámos, voámos e aterrámos em segurança. Correu tudo bem, exceto ter de levar vista adentro com os sapatos do ganês que ia na fila do lado. Era, sem exagero, meio metro de sapato em tons de encarnado vivo misturado com pérola e uma ponteira em cabedal preto aí com uns quinze centímetros. Para se recostar, teve de tirar os sapatos porque eles empeçavam no fundo do banco da frente. O aeroporto de Acra é um barracão com portas de alumínio cinzento em mau estado como há naqueles escritórios em apartamentos que cheiram muito a tabaco. Saímos do avião, subimos por uma escada de incêndio, passámos num detetor de metais desligado e, como estávamos em trânsito, logo, sempre dentro do aeroporto, não podíamos ser revistados. Mas fomos! Quais normas, quais quê! Foi só passar o detetor morto e ei-los a apalpar-nos muito bem apalpadinhos e malas esventradas, computadores, livros, cuecas, pasta dos dentes, tudo ali revelado à luz do barracão. Houve um tipo que se armou em engraçadinho. Disse ele, A mim não me podem abrir a mala porque eu tenho passaporte diplomático. O outro olhou para ele, nós percebemos que aquela jogada, ali, estava votada ao fracasso, um passaporte contra um colete verde pirilim, no Gana, está visto que ganha o colete, sorriu e disse, Pois, tem razão, mas nesse caso não é por aqui, tem de ir ao fundo do aeroporto, identificar-se, fazer prova da validade do passaporte, preencher a papelada e voltar para aqui, mas entretanto nós já fomos, deixe lá se não apanhar este, vai no próximo. Abriu a mala! Havia uma gift shop. Era assim uma barraquinha em madeira como aquelas das feiras comerciais e industriais, só que não dizia “Morcelas Ermelinda”, dizia “Gift Shop”. Neste aspeto, Maputo dá cartas. Tem um aeroporto que é bonito, moderno e funcional. Ora toma!

Lá seguimos para o avião da South African Airways, uma companhia com um serviço excecional e tudo correu às mil maravilhas, descolagem, voo e aterragem. Mostrámos os passaportes e lá fomos para a pista nove recolher a bagagem mas malas viste-las, ’tá quieto ó mau, não mora cá ninguém. O mais engraçado é que, enquanto uns partiam contentes, desta já me safei, fomos vários os que ficámos para trás a olhar desconsolados o tapete abandonado. Lá fui a um guiché e a menina disse-me toda sorridente que andava a aprender a falar português e só queria falar português, mas não se percebia nada do que ela dizia e sorria despreocupada como se as nossas malas não andassem em parte incerta. Não se preocupe, as malas vem amanhã. Mas eu amanhã estou em Maputo. Não se preocupe, nós metemo-las num avião e dentro de dias estão lá, talvez mesmo amanhã ou no outro dia ou no final da semana… E eu a pensar na roupinha que lá ia, nos livros e, sobretudo, em certo queijinho da serra… ai o meu queijinho da serra… Olhe, dizia ela, entretanto se ninguém do aeroporto de Maputo entrar em contacto consigo, telefone para nós. Tudo aquilo me soava a suspeito. Cá para mim, àquela hora, o ganês dos sapatos vermelhos estava a morfar queijo da serra e a rir-se de mim.

As malas apareceram em Maputo. Mas tive de ser eu a dar com elas. Não telefonei para a África do Sul coisa nenhuma. Meti-me no carro, dirigi-me ao aeroporto, indicaram-me um guarda que me indicou um segurança que me indicou uma menina que me indicou um responsável de armazém. A sua bagagem ainda não chegou, senhor Videira. E tem ideia de quando chega? Há de chegar, logo, logo, está aí. Logo, logo, quando? Eh, um dia, dois, na semana que vem. Não me deixei abater. Entrei armazém dentro e ainda não tinha dado o segundo passo quando vi um celofane rosado no chão por baixo das prateleiras. Olhe, aquela ali é minha. Não pode. Pode, pode, veja lá o nome. Ele baixou-se e leu: Videira. Ué, como é que isso veio parar aqui? Para aquela pergunta, eu não tinha resposta. Talvez a bagagem tenha vindo pelos seus próprios meios. Senhor Videira, o senhor é um homem de sorte. Pois sou. Assinaturas, muitas assinaturas, um senhor da alfândega a fazer perguntas e a dizer que tinha de abrir as malas, um breve namoro, um nkombela* açucarado, as malas no carro, o queijo na mesa, huummmm… Vinham lá valores, mas quem é que, no seu perfeito juízo, prefere um fato de treino, um romance do Dan Brown, Os Maias do Eça, a um bom queijinho da serra…

E pronto. Valeu como experiência. A viagem pelo Gana é rapidinha, mas dá o seu trabalho. Para a próxima, queijos na mala e Frankfurt com ele. Sempre se evitam os sapatos vermelho vivo. Então se aquilo brilhava…
jpv

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PS: respondendo aos muitos que perguntaram: regressar a Maputo foi espetacular. Esta terra tem magia. Estas gentes são formidáveis.

* Nkombela: Changana. À letra, “estou a pedir”, equivalente ao português “por favor”.


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De Negro Vestida – Primeiros Pontos de Venda

Caros leitores e amigos,

Embora ainda esteja a decorrer a fase de distribuição, o romance “De Negro Vestida” já está disponível em alguns pontos de venda online, sendo que, de acordo com as promoções, cartões e outros que tais, o preço pode variar.

Até ao momento pode encontrar-se nos locais listados abaixo a que pode aceder diretamente clicando nos nomes ou logótipos.


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Boas Leituras
jpv


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Lamento do Viajante Solitário

Lamento do Viajante Solitário

Já te sinto ao longe,
Ó sol redondo e grande e vermelho
Que nasce ao contrário
E se põe nas minhas costas.
Já te sinto sob os pés,
Ó terra de sangue
Que cheira a vida
E brota meninos descalços.
E amo as tuas cores
E as tuas gentes
E sinto tudo
O que sentes.
Já te pressinto a humidade
E o calor,
Já te vejo a bátega torrencial
De impiedosa chuva,
E já oiço as saudações
Dos vizinhos e dos amigos.
E já escuto o que o povo canta
O que o puto anónimo diz.
E sou feliz.
Por ti. Em ti. Contigo.
És minha essência
E minha verdade.
És meu chão,
Minha pátria de vencer,
Acolhimento e aconchego.

E choro.
Há outra terra.
Escura e fria.
Onde chove de noite
E neva de dia.
E há uma lareira ardente
Que se paga,
Uma porta que se tranca,
Uma janela que se fecha,
Um cão que baixa a cabeça
E chora por dentro.
E há um filho órfão de mim,
E uma família acenando
Um incerto e chorado adeus.
Há amigos que sorriem de dor
E querem atenuar os meus
Pecados.
Esses,
Cometidos estão.
E só se redimem de verão em verão.

Amo uma e outra
E não há nesse amor
Culpa nem perdão.
Mas há a distância.
Há a errância.
Há a solidão.
Há um estar sempre
Onde se não está,
Esse constante cá e lá
Que dói e fulmina
A intenção.
E cresce em mim a intraduzível saudade
Um peito que se enche
E esvazia,
Um não saber que querer
Querendo tudo,
Um poeta,
Um bardo no peito,
Um estar sempre sem jeito.
Uma viagem
E um viajante para ela,
Homem tisnado e forte
Que estende e iça a vela
E chora seu fado,
Lamento solitário…

jpv