Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Crónicas de África – Walk on the Wild Side

Crónicas de África – Walk on the Wild Side

Hlane Park, Suazilândia, 26 de dezembro de 2012

Tenho alguma dificuldade em escrever esta crónica. Não se trata de qualquer impedimento emocional ou psicológico. Simplesmente, vejo mal. Já lá vamos.

Saímos de Maputo por volta das 6:30 em direção à Namaacha. Para o interior, portanto. Logo a seguir a Boane, a pouco mais de 50km da Capital, a paisagem pinta-se de um verde intenso e fresco e torna-se montanhosa. A localidade de Namaacha é muito pequenina e belíssima. Um autêntico mergulho no tempo. Ruas amplas, bairros bem desenhados e casas pequeninas a compô-los. É aí que fica o posto fronteiriço com a Suazilândia. Passámos o controlo moçambicano, onde um guarda fronteiriço no meio de nada discutiu, com propriedade, a situação financeira de Portugal connosco, e depois o suazi. Tudo normal. O reino da Suazilândia é muito verde e bastante organizado. Poucos quilómetros depois da fronteira, entrámos no Hlane Royal National Park. Hlane diz-se “chelane”. Dirigimo-nos ao Ndlovu Camp onde fomos muito bem recebidos. Todas as cabanas têm um estrutura em betão rebocado de forma grosseira onde assenta uma armação em madeira tratada que suporta o telhado em palafita. É fresco. É típico. É rústico e… não há luz elétrica! Quando reservei, disseram-me que não havia luz elétrica mas que a mesma era substituída pelo gás. Afinal o gás só serve para o fogão e o frigorífico. É verdade, foi a primeira vez na minha vida que vi acender um f´soforo para ligar o frigorífico! Ao final da tarde, entra-nos uma pessoa pela casa dentro, acende cinco ou seis candeeiros a petróleo e distribui-os pela casa. Um deles, o maior, fica na rua, no chão, à porta da casa e todo o campo habitacional fica mergulhado na escuridão com pontinhos de luz amarela aqui e ali. E é à luz de um desses candeeiros a tremeluzir um fogacho frágil que vos escrevo estas linhas.

Primeiro, logo pela manhã, fizemos um safari pago. Enfiaram-nos num LandRover Defender e lá fomos, dez pessoas e o condutor/guia, explorar a reserva. A variedade da fauna é tão vasta que custa enumerar. Refiro só os que retive. Vimos impalas, inhalas, gnus, rinocerontes e leões, tudo em estado selvagem e em liberdade, claro. Ficou alguma tristeza porque não se avistaram elefantes nem girafas. No fim do safari, perguntei se podia passear com o meu carro por ali. Disseram-me que não para não estragar as estradas. Desculpa mal amanhada porque as estradas são lama. Como aqui ao pé do Ndlovu Camp há um outro, chamado Bhubesi Camp, perguntei se poderia ir visitá-lo. Disseram-me que sim, mas que voltasse antes de escurecer por causa dos elefantes. Claro que fui pelo mato. Ainda não tinha andado quinhentos metros e ficámos parados e boquiabertos a ver uma manada de elefantes a cruzar a estrada mesmo à nossa frente. Um deles ficou a ruminar erva e a olhar para o Iago e era de tal forma possante que a Paula dizia, como quem não quer a coisa, Vamos embora, vamos embora! Vimos muitas outras espécies de veados além dos que víramos de manhã donde destaco uns cinzentos muito altos e irrequietos que emitem um som parecido com o dos bois. No regresso, cerca de uma hora e meia depois, uma família de girafas fez-nos para no meio da estrada. Ficámos a observá-las a comer. Uma delas tinha cinco pássaros agarrados ao pelo a comerem parasitas. Quando o sol se pôs, fui sentar-me de frente para o grande lago que fica aqui junto às casas do Ndlovu Camp. E o espetáculo continuou. Os hipopótamos saíram da água onde tinham estado todo o dia para irem dormir e uma família de rinocerontes veio beber mesmo à minha frente.

Foi um dia diferente que termina com uma luz amarelecida a projetar sombras no meu caderno enquanto as palavras se ordenam emocionadas para vos contar uma experiência 
no lado selvagem da vida.
jpv


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Crónicas de África – Natal

Crónicas de África – Natal

Vilankulo, 22 de dezembro de 2012

Não há!
Não vale a pena estarmos com eufemismos nem rodeios, tal como se vive na Europa, aqui não há Natal.

É evidente que em cada lar cristão há Natal. Reunimos a família possível, invocamos a época com os símbolos do costume, o presépio, a árvore de Natal, o Pai Natal, as luzinhas a piscar. Mas isso é em nossas casas.

Do ponto de vista do quotidiano social, não há Natal por estas paragens e percebe-se porquê. As temperaturas são de trinta graus e mais, o ar é quente e húmido, as pessoas andam em chinelos, calções e t-shirt e metade da população portuguesa em Maputo voou para Portugal. A outra metade desandou para as praias. Não há iluminações de rua alusivas, nem Pais-Natal cintilantes, aliás, há um à porta da Socimpex, que é um armazém de bebidas na 24 de Julho. Não se ouve o ginglobel nas ruas, nem nas lojas, nem nos supermercados. Continuam a bombar os sons de Verão. Os funanás do momento. Os supermercados venderam uns enfeites e quatro tamanhos da mesma árvore natalícia, mesmo ali ao lado dos produtos para campismo, praia e lazer que saíram da prateleira e deixaram a rena triste e abandonada ao pé dos outros todos.


A comunidade cristã é vasta, mas a mescla cultural é tão ampla e está de tal forma impregnada no quotidiano moçambicano que a celebração do nascimento do Filho do Senhor se faz mais em casa de cada um e no coração de cada um do que pela profusão de símbolos invocativos pelas ruas. De resto, em Moçambique, o dia 25 de dezembro é feriado porque é o Dia da Família e não por uma relação direta com o Natal.


Aqui, em Vilankulo, a única árvore de Natal que vi até ao momento, foi uma pequenina que está na receção do lodge.


Por exemplo, eu estou sentado numa cadeira de recosto no alpendre de uma cabana de madeira e palafita, à minha frente o sol brilha e o mar reflete mil azuis, há barcos a dançar ao sabor das ondas e pessoas a banharem-se em roupas diminutas. A música é a das ondas pequeninas e da vegetação sacudida pela brisa. Como pode acordar-se o Natal na minha mente senão por um esforço propositado e consciente?


Quando estava em Portugal, costumava dizer, como toda a gente, que o Natal é quando um homem quiser e onde ele quiser e o que interessa é o espírito… eu continuo a achar isso, mas lá que o enquadramento faz falta, disso não haja dúvidas.


Em todo o caso, nem este blogue nem o seu autor deixam de desejar a todos os amigos e leitores, independentemente da nacionalidade, condição, credo, e quaisquer outras semelhanças ou diferenças que marquem a nossa humanidade, um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo!

jpv


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Crónicas de África – Um Dia Depois do Fim do Mundo

Crónicas de África – Um Dia Depois do Fim do Mundo

Vilankulo, 22 de dezembro de 2012

Contra o que eu estava à espera, ontem não foi o fim do mundo, ou, se foi, eu tive direito ao Paraíso!

Estou recostado na cama, com a rede mosquiteira à minha volta, são nove e meia da manhã, tomámos o pequeno-almoço às sete e agora estamos só a deixar correr o tempo e a sentir a suave brisa que sopra do Índico e entra na nossa cabana para nos embalar o sono. Daqui, de onde estou, vejo as árvores e a vegetação do nosso jardim e, mais à frente, uma sucessão infindável de azuis marinhos a perder de vista e as velas dos dhows a cortarem a paisagem.

Vilankulo é uma terra pequena onde os lodges para turistas vivem porta com porta com as habitações locais. Tem a rua principal e mais duas ou três estradas asfaltadas. Tudo o resto é areia. Alta. Podem percorrer-se de carro desde que seja um 4×4. Uma dessas estradas de terra é à beira-mar com árvores grandes e antigas a projetarem sombras na areia da praia. Outras, só se percorrem a pé. Têm 1,5m de largo e vende-se aí de tudo. É tal a agitação que as pessoas podem perder-se umas das outras. Ficámos alojados no Baobab Beach Lodge. Sem ser luxuoso, acho que nem tem essa pretensão, é um local agradabilíssimo. Os quartos ficam em cabanas de madeira e palafita projetadas sobre a praia. Tem imensas árvores e sombras refrescantes e a passagem da brisa fá-las cantar para nós um cântico sussurrado e acolhedor. Apesar de estar equipado com uma cozinha comum, o Baobab tem um restaurante com uma oferta simpática e muito acessível.

Cada olhar, cada movimento, cada momento, pede uma fotografia. O nascer do sol por cima do mar é tão belo que a Paula levanta-se todos os dias às quatro e meia para vê-lo e fotografá-lo. Quando a maré vaza, o mar vai lá para longe e os cascos dos barcos ancorados sentam-se na areia a descansar. Poucas horas depois, volta a encher e vem marulhar junto às cabanas e os barcos reaprendem vontades navegantes. A água é tão límpida que podemos tê-la pelo peito e ver os pés com nitidez. Conhecemos uns sul-africanos simpáticos enquanto procurávamos algum carvão para grelhar. Nem eles, nem nós tínhamos. Acabámos por conseguir algum emprestado a um outro sul-africano e pagámos a um terceiro tipo para repor o que gastámos. Conversámos bastante e a noite tornou-se muito interessante por isso. A Paula ensinou-os a comer ananás grelhado que eles desconheciam e adoraram.

No dia seguinte, fomos todos juntos à ilha de Magaruke. É uma pequena ilha no arquipélago de Bazaruto com a particularidade de ter, mesmo à frente da ilha, uma barreira de coral com mais de um quilómetro e meio. E nem é preciso nadar. Basta colocar os óculos e o tubo respirador e a corrente faz o resto. Empurra-nos suavemente ao longo da barreira de coral. Acho que vimos todos os peixes que estão nas enciclopédias e nos filmes da Disney. Até vimos o Nemo! Tudo começou ainda na deslocação para a ilha onde vimos o peixe voador. O bicho emerge e voa literalmente por cima da água durante vários metros. Na barreira de coral, a variedade é quase infindável. Peixes amarelos com listas pretas finas, com listas pretas largas, peixes pretos com listas amarelas, peixes cinzentos, quase transparentes, com um pontilhado azul-neon por cima das narinas, peixes pretos com uma lista lilás a marcar toda a extremidade do dorso, uns peixes muito pequeninos, verde-prateado, em cardumes numerosos e a movimentarem-se de forma sincronizada, peixe-agulha, um peixe redondo em degradé desde o laranja forte até ao azul petróleo e, claro, corais. Castanhos, liláses, azuis, enfim, toda uma variedade fantástica como se nadássemos dentro de um imenso aquário. Para condizer, almoçámos um extraordinário peixe grelhado que o condutor e o cozinheiro preparam para nós com lume aceso numa arca de areia dentro do barco. No regresso, o condutor desligou o motor do barco e, como o vento estava favorável, abriu a vela do dhow e fizemos a viagem ao sabor do vento.

O Índico é diferente na ondulação, no matizado dos azuis, na temperatura cálida da água e no poder que o sol tem. Eu andei todo o dia com protetor solar E uma t-shirt vestida. NUNCA a tirei e, mesmo assim, apanhei um escaldão nas costas.

A viagem incluía o transporte, o almoço e o equipamento para ver o “aquário”. Não sabíamos na altura, mas incluía também as maravilhas do Índico sub-aquático.


Por razões diversas, o verão passado não descansámos. Acho que estamos a fazê-lo agora, neste Paraíso de pós fim do mundo!

jpv