Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Crónicas de África – Apontamento Matinal

Apontamento Matinal

Maputo, 4 de novembro de 2012

Não se trata de uma crónica. Tão só um apontamento. Estou sempre a referir a alegria moçambicana e dos moçambicanos, estou sempre a dizer que são afáveis e isto é algo que se sente e intui mas não muito palpável. Pois hoje tenho um exemplo bem interessante desse espírito. Dois.

Eram oito e meia da manhã e eu atravessava a avenida 24 de julho com a Paula, de carro. Parei num semáforo e ao meu lado parou um carro ligeiro com dois homens lá dentro. O condutor, um pouco mais velho que o outro, estendeu-me o polegar em sinal de ok. Eu abri a janela e comecei o seguinte diálogo:
– Bom dia!
– Bom dia! Como estão vocês?
– Estamos bem, obrigado. E vocês?
– Tudo em cima, tudo bom e já agora permita-me desejar-lhes um bom fim de semana com muitas felicidades.
– Muito obrigado, igualmente.
– E já sabes, poucas bebedeiras… só um copo de vinho ao almoço…
E largou-se a rir enquanto me dizia adeus… E em vez da indiferença matinal, houve um estranho que foi muitíssimo simpático e afável porque… só porque sim…

Já antes de sair de casa, por volta das oito, tinha tido um contacto estranho com a felicidade moçambicana. Quando a empregada, que se chama A, chegou, eu estava de volta da máquina de lavar roupa a tentar colocá-la no sítio. Ela chegou, olhou e começou-se a rir.
– Estás a rir-te de quê?
– De nada.
– De nada? Ninguém se ri de nada. Toda a gente tem uma razão.
– Ora, estou feliiiz!

Eu a Paula olhámos um para o outro e começámos a rir também até que eu lhe disse, Se não estivesses feliz, devias ser a única moçambicana nesse estado. Ela riu-se ainda mais.

Este estado de alegria, felicidade e conformação constante não nasce de nada externo ao comportamento dos moçambicanos porque lhes é intrínseco. É uma marca cultural, um traço do seu código genético coletivo… Sejam quais forem as dificuldades e as agruras, eles sabem encontrar a luz, sabem ver o caminho da boa disposição e percorrem-no com alegria!
jpv


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Crónicas de África – O Boss Africano Reencontra o D

O Boss Africano Reencontra o D

Maputo, 3 de novembro de 2012

Alguns dias depois do primeiro encontro, o então batizado de Boss Africano reencontrou o Grande D. E o negócio fez-se. O namoro via sms continuou com propostas e contra-propostas, avanços, recuos e cedências. A determinada altura marcou-se novo encontro, apuraram-se os valores e a qualidade da mercadoria. O D recebeu o Boss Africano e sua dama e levou-os a conhecer os carpinteiros artesãos que produzem as peças, camas, cadeiras, cómodas, cristaleiras, oferta para todos os gostos. Atravessámos o mercado de Malanga, enveredámos por ruas estreitas de terra batida, casas de bloco sobre bloco, construções em chapa de zinco, crianças brincando no emaranhado de ruas estreitinhas, uma casa bem acabada no meio do caos. Até tinha um breve relvado, mais ruas, até chegarmos a um largo de dimensões generosas no meio do casario. E aí estavam madeiras por todo o lado, ferramentas e homens trabalhando a matéria prima. 

Conhecemos um dos carpinteiros, amigo do D, que se comprometeu com uma data para entrega. Acertou-se um valor de sinal e em meio disto tudo, o D e o Boss Africano foram conversando. Da arte de trabalhar a madeira, do preço das coisas, de como o boss veio a ser africano e, a certa altura, o D disse:
-Boss, devíamos ser amigos…
Fui prudente. Muito prudente, mas percebi a sinceridade da proposta. E estava a pensar nela quando ele acrescentou:
-Quem sabe se vieste ao mundo para me salvar…
Depois pediu desculpa por não tirar os óculos escuros, mas a noite tinha sido severa nos vapores etílicos e na farra e ele estava com vergonha de mostrar a vista encarnada.

Mais tarde veio entregar a mercadoria. Atrasou-se. Nem seria moçambicano… mas vinha tudo certinho. Enquanto os outros montavam a cama, ele viu uma bíblia no quarto e perguntou, Boss, posso rezar em tua casa? Podes. E começou a rezar o que sabia e como sabia enquanto os colegas trabalhavam.

No fim, repetiram-se palavras de entusiasmo, acertaram-se contas e o D foi à sua vida. Cruzar-se-á com a minha em breve. Tenho a certeza. Por uma razão ou por outra. 
jpv