Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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A Paixão de Madalena – Capítulo 5

A Paixão de Madalena

Livro I – A Paixão de Madalena

5. O sábado amanheceu frio mas brilhante. Quase como se houvesse esperança no ar. A manhã vai a meio e a sala é modesta, mas absolutamente limpa. Muitos livros à volta, uma cristaleira com poucas peças que se esqueceram de ser usadas, uma mesinha redonda no meio com uma toalha em croché, um bule branco com uma risca dourada na asa fumega um odor claro a erva cidreira e canela, algumas bolachas de água e sal num pires, também ele branco, uma manteigueira, algumas fatias de pão e uma faca sem gume e de folha larga para passar a manteiga loura no pão fresco e macio, um frasco de doce e um açucareiro com torrões lá dentro. Pela janela entra o sol e banha a mesa e desenha sombras com a disposição dos objetos. Entre a sala e a cozinha, Albertina desloca-se com tranquilidade. A vida já lhe ensinou tanto e já lhe trouxe tantas surpresas que poucas são as situações que a possam surpreender. Agirá com naturalidade porque, bem vistas as coisas, natural é a situação. O Criador mandou-nos a este mundo e desde que chegamos até que partimos andamos contando o tempo que por cá estamos como se fossemos todos iguais, sendo certo que o somos à partida e à chegada deixando pelo meio o rasto das nossas diferenças. E acertamos as datas. Falamos ao ano e meio, somos crianças até aos onze, começamos a ser adolescentes aos doze, somos adultos aos dezoito, verdadeiramente adultos aos vinte e um, poderosos aos trinta, experientes aos quarenta, respeitáveis aos cinquenta e a dever tempo à cova a partir dos sessenta e cinco, altura em que ficamos oficial e reconhecidamente velhos com direito a desconto nos transportes públicos. E preparamos as mentes e ajeitamos os conceitos nelas para reagirem com naturalidade a esta ordem de coisas. Somos homens quando chega a idade de sermos homens, mulheres quando chega a idade de sermos mulheres, casamos na idade de casar, procriamos na idade de procriar, vencemos na idade de vencer e morremos quando se espera que tal venha a suceder. Ora, em saindo um de nós desta regulação e desta tácita ordem de sucedâneos, estranham os conceitos, inquietam-se as mentes e reagimos expurgando de nós e da nossa normalidade, a anormalidade sucedida. E ao fazê-lo, expulsamos a mesma diferença que passamos a vida inteira a reclamar como direito. Em abono da esperança na nossa humanidade, alguns de nós abrem os horizontes da leitura da vida e da perceção dos sucedidos nela. E habituam-se a não estranhar. E desenvolvem a tendência de aceitar, mais do que de rejeitar, de incluir, mais do que expurgar. É assim Albertina. Por si começou pois que se divorciou, por vontade própria, numa terra e num tempo em que se não divorciavam os casais e menos ainda por iniciativa das mulheres. Um divórcio era uma desgraça na família e uma mancha no casal com particular ênfase para a mulher, por inocente que fosse. Ora, espírito livre nasceu Albertina e em espírito livre criou Madalena e foi esse espírito que primeiro reconheceu em Kyle e, por isso, resolveu aceitá-lo. Isso e o gosto por chá. São pequenas as coisas, pormenores, que às vezes influenciam as decisões maiores.
-Interessa-me pouco a sua idade e interessa-me ainda menos o que as pessoas dirão. O que as pessoas dizem são palavras. As palavras varrem-se do cimo da terra com uma suave brisa. Quanto a normalidade, lamento, mas não sei o que seja. Nada na minha vida tem sido normal e pouca coisa na vida de Madalena tem sido normal. E nem por isso temos deixado de ser felizes. Interessa-me, isso sim, se gosta dela. Se está disposto a cuidar dela e a fazer disso a prioridade da sua vida. Pelo que viveu, pelo que leu e pelo que viu, Madalena é já uma mulher, mas tem ainda o pensar de uma jovem. Precisa ser acompanhada.
– É isso que quero, mais do que tudo. Acompanhá-la. Cuidar dela. Sinto desejo, sim… como disse, ela é uma mulher, mas antes desse desejo há uma profunda vontade de ampará-la.
– E de ser amparado por ela…
– Não nego. A juventude dela é-me necessária. Estou doente. Ela sabe isso.
– E está mal?
– Acho que sim, mas não penso muito nisso. Nem sou egoísta com isso. Eu não procuro uma enfermeira, senhora Albertina…
– Albertina.
– Eu não procuro uma enfermeira, Albertina. De facto eu não procuro nada, ou, pelo menos, não procurava… Queria só que me deixassem em paz. Que me deixassem acabar em paz, mas Madalena desinquietou-me o espírito e fez-me ter coragem e acreditar que ainda é possível viver.
– E eu preocupada com ela e com o que o senhor lhe podia fazer… o melhor seria preocupar-me consigo… estou a ver que ela lhe deu volta à cabeça…
– Remexeu-ma toda. A cabeça e o coração…
E, em meio desta conversa, surgiu uma voz feminina e jovem:
– Olha que bonito, a brincarem aos adultos, a falarem de mim como se eu não estivesse aqui. Não sei já qual dos dois me disse que isso era falta de educação. Talvez ambos! O mais certo é ter de cuidar de vós… velhotes…
E riu. E arrastou consigo as gargalhadas deles e criou-se ali a sintonia que todos queriam preservar. E o certo é que Madalena pelo que conhecia de cada um viria a ser uma ponte entre todos. E quando se despediram ao final da manhã, Albertina acrescentou com o olhar antecipando uma lágrima, Cuide bem da minha menina. Da nossa menina, emendou Kyle.

Todos os namoros são como os outros namoros e nenhum namoro é como os outros namoros. Tudo é encantamento e enamoramento e limar dos defeitos alheios com os olhos próprios, tudo é essa força magnética de puxar-te para mim e empurrar-me para ti, tudo é marcado pelo olhar benevolente da descoberta e pelo movimento concêntrico da adaptação. E, contudo, cada par tem seus próprios ritmos, suas próprias caraterísticas, seus rituais, suas músicas e suas palavras de encantar. O que, definitivamente, marcará para sempre o namoro de Kyle e Madalena é que foi ele o guia, o tutor e o cicerone e foi ela a aluna aplicada das emoções, das atitudes e da forma como se pode olhar o Universo. Ensinou-a a reagir a pressões, ensinou-a a consciencializar sentimentos, ensinou-a a relacionar-se com os outros medindo forças, ensinou-a as subtis diferenças entre paixão, amor e amizade e ensinou-lhe os sinuosos caminhos que se percorrem no prazer do corpo para conquista da alma. E ensinou-lhe a cidade. Os passeios junto ao grande lago, os locais para comprar as melhores mercearias, os bares mais confortáveis e os poucos pubs importados da Irlanda onde era possível ouvir o jorrar da cerveja, o bater das canecas umas nas outras, as pessoas falando alto e aquecendo o desconforto do local com a sua ruidosa presença. Ele costumava dizer, Isto é a Irlanda diluída pelo frio e pela distância, mas é o mais aproximado. E ela retorquia, Estás sempre a falar do frio de cá, mas lá também é frio. Mas ele não se calava, Onde há dois irlandeses, não há frio, o frio combate-se de muitas formas, os sistemas de aquecimento são menos eficaz! E como sempre acontece foram aprendendo-se mutuamente. Foram percebendo o recorte mental de cada um. Ela percebeu-lhe o caminho de vida atribulado, a ânsia de paz, assuntos por resolver com as filhas, a mente plural e aberta, o gosto pela sedução, o desespero com a doença. Ele viu-lhe o desejo contido de conhecer mundo, outras gentes, outras pessoas, para ela, estar entre as montanhas que cercam a cidade, era como estar aprisionada, viu-lhe a candura e viu-lhe, na malandrice de menina, a sensualidade da mulher que despontava. E quando a cidade estava explorada e conhecida e começavam a desenhar-se rotinas, ele disse-lhe, Um dia destes falo com a Albertina e levo-te a Belfast. Isso sim, é uma cidade. E que tal falares comigo primeiro? Já me perguntaste se queria ir contigo? Não perguntei, nem pergunto, vais e pronto, às crianças não se pergunta o que querem fazer, diz-se! E ela começou a correr atrás dele e ele fugia numa corrida frágil e tímida e quando o apanhou, puxou-lhe as orelhas e mordiscou-lhas e beijou-o e pelo meio disse-lhe em excitação, Temos de castigar o senhor professor!

– Tenho uma má notícia para ti.
– E uma boa?
– Depende de como encarares a má.
– Como queres que a encare?
– Como quero que encares tudo. Com aventura no coração e espaço na mente.
– Espaço na mente?
– Sim, Madalena. Não te feches sobre ti e o teu umbigo.
– Vais gostar do meu umbigo…
– Não me distraias, ouve-me que isto é importante…
– Sim, setôr!
– Abre a tua mente para as oportunidades da vida. O interessante nas oportunidades é que muitas vezes vêm mascaradas de problema. Não sejas pequena no pensar. Não deixes os problemas tomarem conta de ti. Abraça a vida, entrega-te a cada dia como se tudo dependesse dele, agradece o sol e a chuva e, sobretudo, agradece cada pessoa que se cruzar contigo, mesmo que te traga problemas. Os problemas são sofrimento e o sofrimento é aprendizagem e nós nunca aprendemos o suficiente e quando finalmente sabemos algo, estamos prontos para partir… não sejas efémera porque a efemeridade é a tua condição à nascença. Sê perene nas tuas opções e nos teus atos. Imortaliza-te a cada momento, a cada olhar e a cada palavra e, mesmo assim, verás mais tarde que poderá não ter sido suficiente.
Madalena bebeu-lhe as palavras como um néctar de vida, um manual de sobrevivência e gravou-as na mente e no peito. Nunca mais dali sairiam. Contudo, não se deixou iludir em relação ao início da conversa e atalhou:
– E a má notícia?
– No próximo ano não serei teu professor.
– A tua saúde?
– Não. A minha opção!
– A tua opção? Porque te afastas de mim?
– Não me afasto, miúda, aproximo-me.
– Vais começar a fazer sentido em breve ou tenho de esperar?
– Madalena, já passei a fase de achar que isto era uma loucura. Já te inclui no meu céu de estrelas e pessoas boas, já estás no meu coração. Pedi a minha demissão por razões diversas.
– Pediste a demissão? Tu és louco?
– Seria louco se não fosse louco. Tenho pena de só ter-te encontrado agora, mas agora que te encontrei, quero cada momento partilhado contigo. Demiti-me, antes de mais, para ter tempo para nós. Também preciso de tempo para mim, para gerir esta doença terrível que me consome e depois por razões que são dos homens com preconceitos e que combateria noutra altura e noutras circunstâncias. Acontece que, neste momento da minha vida, não me importo de fazer-lhes a vontade e ser um bocadinho egoísta. Afasto-me do trabalho por questões éticas, para que não digam que o professor e a aluna dormem juntos. Sim, não tenho dúvida nenhuma de que a maldade e a inveja reduzirão o nosso amor a um estereótipo pejorativo, a uma coisa feia, quando na verdade é a coisa mais bela que alguma vez me aconteceu…
– Mas nós não dormimos juntos…
– Mas vamos dormir, tens consciência disso…
– E até uma pontinha de ansiedade… só quero que me prometas uma coisa…
– Tudo.
– Vais achar que é coisa de miúda como costumas dizer, talvez seja, talvez seja a Elisabeth Bennet que há em mim, ou então é só uma tolice…
– Desembucha, miúda.
– Promete-me que será especial. Não quero mais nada de ti. Eu percebo que te possas interessar por mim só por causa da minha juventude, pela atração do corpo, mas, ainda que seja uma só vez, promete-me que será especial.
– Enterneces-me e ofendes-me. Já te falei de sexo, eu? Não. E sabes porque não? Porque eu adoro sexo, mas sei que é só um complemento do que as mentes das pessoas conseguem trocar entre si. É preciso desbravar as ideias primeiro. Deixar crescer o entusiasmo, deixar evoluir a sedução e por fim consumá-los num momento… como é que é a palavra que usaste? Especial! Sim, miúda, será especial. Para ambos.
– E enterneço-te com quê?
– Hã?!
– Pois, esse teu discurso todo foi sobre o que eu disse e te poderia ofender, mas também quero saber o que é que te enterneceu?
– Que tu queiras um momento tão íntimo, tão revelador, e tão especial como esse comigo. Que tu estejas disponível para entregar-me a tua juventude em vez de o fazeres com um rapaz da tua idade. Seria o normal, não?
– Os rapazes da minha idade são uns tolos. Acho que por serem da minha idade ainda não estão preparados para dar. Somente para sorver, sugar a emoção e deixar escapar entre os dedos a oportunidade de fazer algo especial…
– Meu Deus, a consciência que tu tens das coisas!
– Com que então demissão?
– Demissão!
– Valho assim tanto?
– Vales o resgate de uma vida.
– Talvez só tenha vindo ao mundo para isso…
– Para quê?
– Para resgatar vidas. Como uma missão, uma predestinação. Madalena a que veio para amar e resgatar.

A conversa foi breve e produtiva:
– Se a Albertina não vir inconveniente, este fim de semana vou levar a Madalena a conhecer Belfast.
– Sabe, Kyle, há uma coisa em que ela tem razão. Temos de deixar de falar dela como se ainda a estivéssemos a educar. Eu criei-a em liberdade. A liberdade das decisões e a responsabilidade por elas. Ela optou. É com ela que tem de falar. Eu não estou a demitir-me de nada. Só não posso substituir-me à Madalena, sobretudo, assumindo nós que estamos perante uma mulher. A sua mulher.
– Sim, tem razão. Só não queria que não soubesse onde ela vai estar.
– Para mim, Kyle, onde ela vai estar é consigo. Nas suas mãos. No seu coração. E isso basta-me.
– Fico feliz por ouvir isso…
– Divirtam-se e…
– Sim?
– Que seja especial!
– Vocês combinam-se?
– Ou estamos irmanadas pela convivência e pelo amor. Chá?
– Sempre. Adorei aquela planta aromática…
– Cidreira.
– Cidreira.

Belfast surpreendeu-a em todos os sentidos. De todas as formas. Maravilhava-se a cada esquina e pedia a Kyle que lhe contasse a história de cada edifício. Apesar de se notarem ainda os efeitos dos conflitos na degradação dos espaços, a cidade afigurou-se-lhe belíssima. Era um emaranhado de ruas estreitas e compactas com muitas delas para uso pedonal exclusivo. A marca da época vitoriana habitava cada edifício e evocava histórias antigas de realezas e cavaleiros nobres. Kyle mostrou-lhe a sumtuosidade do Scottish Provident Building, a harmonia musculada do City Hall onde a levou de novo à noite para verem a cúpula iluminada, a frieza vertical e exótica do Albert Clock, Vê lá se tens o relógio certo, este nunca se engana! Visitaram os jardins botânicos onde fizeram corridinhas e trocaram abraços e beijos apaixonados. A certa altura, Kyle dirigiu-se com ela para o mar, percebia-se pelas gaivotas a bailar e os corvos marinhos agitados em volta delas, até que chegaram junto de uns grandes armazéns que pareciam abandonados e onde jaziam enormes peças de ferro que lhe pareciam pedaços de um gigantesco puzzle tridimensional de um barco.
– O que é isto? É tudo tão velho, tão abandonado.
– São os estaleiros da Harland and Wolff.
– Da quê?
– É uma construtora de navios.
– Muito bem. Apesar de tudo isto ser estranho e feio, conseguiste pôr-me curiosa. Tem tudo sido tão romântico, posso saber o porquê deste momento de sucata?
– É um dos mais interessantes momentos. Poucas pessoas sabem que foi aqui…
– Que foi aqui o quê?
– Já ouviste falar do Titanic?
– Quem não ouviu? Uma história de grandiosidade e terror. Até fizeram um filme na década de cinquenta. É trágica e bela a cena do navio a afundar-se com as pessoas em sentido… não me digas que…
– Exatamente! Foi construído aqui, nestes estaleiros.
– Maravilhoso.
Depois percorreram a Victoria Street e pararam em frente ao Crown Liquor Saloon.
– Este também tem uma história.
– Então?
– Durante a fase mais acesa dos conflitos sofreu várias tentativas de ataque, mas nunca foi realmente atingido.
– Porquê?
– Essa é a parte engraçada. A malta aqui diz que é porque Deus protege os bêbados.
– E bebemos?
– Claro. É obrigatório.

E beberam e passearam pela noite fria e foram-se aquecendo intermitentemente neste e naquele pub e toda a gente parecia conhecer Kyle e toda a gente lhe perguntava quem era aquela e ele dizia com inocência que era a sua namorada. Uns calavam-se, outros riam, outros gozavam e todos acabavam a beber uma Guiness com eles. Chegaram tardíssimo ao hotel e caíram pesados e exaustos na cama. Pensaram diversas vezes, um e outro, que aquela seria a noite dos corpos. Não foi. O dia fora tão extenuante quanto interessante e a noite longa e visitada por muitos vapores etílicos. Foi de madrugada. Ele acordou e viu a luz primeira do dia banhando-lhe a pele. Percebeu-lhe a sensualidades das curvas e dos volumes e, olhando para ela, mesmo sabendo da sua juventude, não podia deixar de admitir que era de uma mulher que se tratava. Com a ponta dos dedos, percorreu-lhe um braço numa carícia suave e sentiu-a acordar ainda que fingisse continuar a dormir. Depois poisou-lhe um beijo no ombro descoberto, e ainda outro no pescoço, ela voltou-se para ele como se acordasse, sem abrir os olhos, e beijou-o apaixonadamente. E sussurrou-lhe, Ensina-me tudo. Ensinarei. Desapertou-lhe o sutiã e beijou-lhe os seios firmes e rosados, percorreu o seu ventre com os lábios húmidos e beijou-lhe o sexo como quem se persigna num altar agradecendo a dádiva e acariciou-a de tal forma que quando se ergueu para tomá-la, ela já estava ansiando que ele o fizesse. E aceitou-o no seu ventre, acolheu-o em si como uma dádiva de vida, recebeu-o para ficar a eternidade toda no seu corpo e na sua alma. E deram-se as explosões todas e voltaram-se a dar. E foram ensinando um ao outro o caminho despudorado do prazer e foram brincando um com o outro como se fossem brinquedo um do outro. E houve libertação. Kyle libertou-se da opressão da doença, sentiu esperança e realização. Madalena libertou-se de si, da sua própria ignorância e cruzou as fronteiras traçadas pelos preconceitos dos homens. Foram um casal. Um homem e uma mulher esgrimindo a sedução e a sensualidade. Foram dois corpos nus inaugurando o amor na madrugada fria de Belfast.

Quando trouxeram o pequeno almoço ao quarto, Madalena devorou-o sentada na cama como se não comesse há uma semana. Kyle viu-a comer com prazer enquanto bebia um café. Depois foi para o chuveiro, abriu a água quente, deixou-a correr sobre a cabeça que ergueu aos céus. Em pensamento agradeceu a mulher que o fizera renascer e era uma pequena oração que murmurava enquanto a água lhe corria pela face misturando-se com as lágrimas.

——————————— jpv ———————————


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A Paixão de Madalena – Previsão que não é Promessa

Amigos, já vou sentindo algum embaraço em relação à demora na publicação do quinto capítulo de “A Paixão de Madalena”.
De facto, são muitas as mensagens de e-mail a lembrar-me do atraso.
A escrita tem avançado a ritmo lento, mas tem avançado. Acho que a adaptação a uma nova vida, a novos ritmos, as aulas para preparar, os testes para corrigir e toda a instalação numa cidade nova que fica em África me têm consumido tempo e energia.
Ainda assim, ao contrário do que alguém sugeria num e-mail, “Será que abandonou o projeto…”, a escrita segue entusiasmada e eu, que sou suspeito porque parte interessada, estou a gostar bastante do resultado.
Como previsão que não é promessa, admito que o quinto capítulo surja nestas páginas até ao próximo sábado.
jpv


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Conversas Vadias – O Homem Bom e o Macho Mau

Conversas Vadias – O Homem Bom e o Macho Mau

– Afinal como é que isso começou?
– Pensei que sabias…
– Quer dizer, a parte prática eu sei… essa eu sei, hahahaha, eu não sei é como é que te pudeste interessar por ele, hahahaha!
– Sei lá, sabes como é, todos temos vinte anos e sonhamos com o par perfeito. Ele era um homem bom, gostava de mim, ajudava-me imenso com a casa e depois acho que me habituei a isso e fui ficando… sei lá, ele era muito sensível, aliás, ainda é, e eu gostava disso nele… agora já me farto um bocadinho, sempre aquela lamechice. Sabes, eu sempre fui o homem da casa e ele sempre foi a mulher da casa.
– Hahahaha… eu acho que tu mereces um homem mais macho… hahahahaha!
– Já tenho pensado nisso.
– Eu também, hahahahaha!

jpv
(adaptado de uma conversa real ouvida de passagem)


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Crónicas de África – Flores para P!

Crónicas de África – Flores para P!

Maputo, 27 de novembro de 2012

Para quem possa saber do que estou a falar, importa, antes de mais, referir que a P. está bem, felizmente. 

Serei reservado como é hábito, mas há um pormenor desta história que me marcou pela generosidade. E é esse pormenor que vou relatar-vos.

A instituição onde trabalho, em Maputo, recebeu uma delegação do MEC em visita oficial. Nessa delegação vinha a minha amiga P. e quando nos vimos trocámos um longo abraço a matar as saudades todas. As dela e as de todas as pessoas que por ela tinham enviado cumprimentos e força e beijinhos. A P. andou bem, desempenhando as suas funções com competência e elegância como é costume e depressa se percebeu que se integrava com facilidade num país muito diferente ainda que por meros cinco dias.

Ontem, contudo, o azar bateu à porta. Entre duas reuniões teve de baixar ao hospital com um problema de saúde súbito e ficar internada. A coisa resolveu-se graças à qualidade do atendimento e à celeridade com que foi socorrida. Pois, aqui não corre tudo mal! À noite, depois de uma anestesia geral, já podia receber amigos. O J. fez a simpatia de me informar e combinámos encontrar-nos no hospital os três, a D. o J. e eu. 

No caminho para o hospital pensei em levar-lhe umas flores. Não conseguia imaginar uma situação muito pior do que uma pessoa estar afastada de casa e da família e, de repente, o organismo pregar-nos uma partida longe de todos aqueles que nos são próximos e constituem o nosso suporte de vida. Por isso, achei que os amigos ao pé dela e o carinho de umas flores poderiam atenuar.

Nem de propósito, enquanto cruzava a avenida Julius Nyerere, lá estava um dos muitos rapazes que vendem ramos de flores pelas ruas e avenidas de Maputo. Era noite. Mesmo assim, encostei o carro e chamei-o. A ideia era saber se tinha algumas que eu pudesse comprar porque saíra de casa a correr e só levara comigo cem meticais (mais ou menos 2,70€):
– Quanto valem?
– Estas duzentos e estas trezentos.
– Ok. Desculpa lá incomodar-te, mas não tenho dinheiro.
– Quanto dás?
– Não dou nada. Não tenho dinheiro. Só levo aqui cem meticais.
– Oh boss, sobe lá um pouco.
– Até subia, mas não tenho, vou ver uma pessoa ao hospital…
– Hospital? Toma, leva.
– Toma lá os cem…
– Não quero, leva assim…
– Ai queres, queres…

E fiquei ali uns minutos até o conseguir convencer a receber o dinheiro. Ora, se tivermos em conta que estas pessoas precisam mesmo, o que aquele rapaz fez na noite de Maputo foi ao abrigo de valores que estão acima de todos os comércios. A solidariedade e o apoio aos fragilizados é um código que, felizmente, ainda vai sendo válido por esse mundo fora incluindo a noite de Maputo.

E lá paguei ao rapaz numa cena muito pouco habitual que foi o vendedor a tentar não receber o dinheiro e o comprador a obrigar o vendedor a cobrar. Trocámos papéis e valeu a pena. A P. abriu um sorriso largo quando as viu e o seu rosto iluminou-se de acolhimento.
A P. está bem. Dois dias de repouso e pode regressar a Portugal com a memória de uma visita diferente. Com trabalho, com percalços, com um atendimento fantástico e… com rosas perfumadas de generosidade.
jpv


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Citação da Caminhada

“Os laços da morte me cercaram e as angústias do Inferno se apoderaram de mim; encontrei aperto e tristeza. Então invoquei o nome do Senhor, dizendo: Ó Senhor, livra a minha alma. Piedoso é o Senhor e justo, o nosso Deus tem misericórdia. O Senhor protege os simples; fui abatido, mas ele me livrou. Volta, minha alma, para o teu repouso, pois o Senhor te fez bem. Porque tu livraste a minha alma da morte, os meus olhos das lágrimas, e os meus pés da queda. Andarei perante a face do Senhor na terra dos viventes.”

In A Bíblia Sagrada

Salmos, 116, 3 – 9.


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Citação da Atitude

“Para que o mal prevaleça, basta que os homens de bem nada façam”

Edmund Burke


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Crónicas de África – África do Sul!

Crónicas de África – África do Sul!

Maputo, 23 de novembro de 2012

É sabido e será necessário ser muito cego para não reparar que a África do Sul é uma presença cultural constante em Maputo. Viaturas, alimentos, acessórios, hábitos, expressões gravadas na linguagem, tudo um reflexo da proximidade que a geografia desenha e as estradas facilitam. E este é, por isso, um assunto que me interessa.

Outro assunto que me interessa sobremaneira é a onomástica moçambicana a que já dediquei largas linhas e redobradas atenções.

Ora, anteontem cruzaram-se na minha frente a influência da África do Sul no quotidiano de Maputo e a criatividade moçambicana para batizar as crianças. Ele é o Senhor Detergente, ele é o Senhor Repelente, ela é a Dona Pobreza e, mais recentemente, esta que eu encontrei e de agora vos falo.

Estava na fila do 4º Cartório Notarial para ver reconhecida uma assinatura e reparei que, ao mesmo tempo, chamavam pelas pessoas cujos documentos já estavam prontos. E era assim:

– Teodósio!
E lá ia o Teodósio levantar o documento.
– Marcelino!
– João Paulo!
Não era eu, foi coincidência. Eu ainda estava à espera da minha vez.
– África do Sul!
Oh diabo, pensei eu, ainda agora estavam a chamar pelos nomes das pessoas e agora já estão a chamar pelos países, tenho de me por a pau…

E estava pensando isto quando surge atrás de mim uma senhora baixinha e redondinha gritanto:

– Sou eu, África do Sul sou eu!

E pronto, não estavam a chamar por países…

– João Paulo!
– Sou eu. Obrigado.
jpv


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Crónicas de África – Mundo Pequeno


Mundo Pequeno

Maputo, 19 de novembro de 2012

Este blogue é absoluta e completamente independente e o seu proprietário e gestor não deve nada a ninguém, exceto à Caixa Geral de Depósitos, logo, por aqui se fala do que quero e me apetece desde que me dê na gana, que não é real, e faço a publicidade e promovo quem muito bem entendo. Ou seja, nesta crónica vou referir marcas e/ou produtos e assumo a responsabilidade.

Um dos ex-libris de Maputo é o Café-Bar-Pastelaria Continental. Fica ali próximo do Bazar (Mercado Central) e do Mercado do Pau e é um espaço amplo de mesas generosas e uma colunata altíssima e imponente com uns feitios em “L” escrito à mão a encimá-las. Tudo aquilo transpira bem estar e paira no ar um odor adocicado a pastelaria acabadinha de confecionar. Acresce, ainda, uma esplanada em cima de um estrado em madeira de dimensões consideráveis. A pastelaria é muito boa e o café de excelente qualidade. Quem for um bocadinho cusco não dispensa um pequeno almoço de sábado ou domingo naquela esplanada porque faz esquina e dá para ver quem vai, quem vem e quem fica.

No domingo, fomos lá tomar o pequeno almoço. Arrofada mista com um toquezinho de manteiga, café e chá. E estávamos muito descansadinhos a cuscar o passar das gentes, escondidos no nosso anonimato de recém-chegados, quando passa por nós um homem alto e bem constituído que para a olhar para mim, dá dois passos na minha direção e diz:

– Olá! Então o que é que faz por aqui?

E quando me levantei por educação e lhe estendi a mão, reconheci-o, mas não o identifiquei:
– Eu estou a conhecê-lo, mas tem de me dar uma ajuda.
– Então, da Pizaria Catita!
– Mas isso é no Entroncamento!
– Era! Tive de a fechar!

E relembrei uma mãe trabalhadora que em tempos se sacrificou educando dois filhos, uma rapariga e um rapaz, e o rapaz cresceu no negócio e fez-se nele e a simpatia com que nos tratámos nesses dias distantes da
Pizaria Catita guardou emoções nos corações e essas emoções vieram reencontrar-se em Maputo onde me julgava anónimo, mas, ao que parece, não sou assim tanto.

É pequeno, o Mundo. Sobretudo quando os corações dos homens são grandes. O rapaz, hoje um homem, já brevemente descrito, reconheceu-me. Conversámos um bocadinho, trocámos números de telefone e, claro está, estabelecemos um elo.

Depois, quando saímos dali, demos uma volta pela marginal de que vos mostro algumas fotos, e eu fui pensando, Quantas pessoas mais estarão em Maputo que eu conheço de outras paragens? É pequeno, o Mundo.
jpv

Avenida Marginal, sentido Costa do Sol, 6:30 a.m.

Avenida Marginal, sentido Costa do Sol, 6:30 a.m.

Avenida Marginal, sentido Maputo Centro, 11:30 a.m.

Avenida Marginal, sentido Maputo Centro, 11:30 a.m.


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Crónicas de Maledicência – Vá para fora cá dentro… ao contrário!

Crónicas de Maledicência – Vá para fora cá dentro… ao contrário!

Este slogan, “Vá para fora cá dentro”, gravado na memória de todos nós, tinha, na altura, o saudável intuito de promover o produto português. Há pouco, andava pela net numa voltinha de final de dia e apercebi-me de que o produto português era realmente muito bom, mas… não estava em Portugal!

O vídeo que coloco abaixo, é um excerto de 46 segundos de um jogo de futebol na Turquia e mostra um golo que é uma obra prima, um momento de qualidade que messis e ronaldos gostariam de ter protagonizado, mas não protagonizaram. Foram jogadores medianos, com salários inferiores ao que ganham alguns futebolistas estrangeiros em Portugal para produzirem coisa nenhuma.

Eu, que gosto da bola pela bola, do espetáculo pelo espetáculo, pergunto-me onde é que andam os olheiros do FCP, do SLB e do SCP que não “importam” estes portugueses de volta?!

Manuel Fernandes, de seu nome, faz um passe absolutamente genial e mata uma defesa inteira e Hugo Almeida fatura à ponta de lança.

O que é nacional é bom, mas está na Turquia!

jpv


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Palavra Indizível

Palavra Indizível

Arde no peito
E sempre volta
Uma coisa sem jeito
Que se chama revolta.
Vem de longe,
De tempos sem data.
É um nó denso
Que não se desata.
É um fulgor
E um peso mudo.
É um nada
Que às vezes é tudo.
É uma gente perdida
Sem esperança
Nem vida.
É uma história
Sem raça nem glória.
É um dobrar vencido,
Um diálogo perdido,
Um caçador mirando a corça…
Uma gente sem vontade
Nem força.
É uma palavra indizível
Que se diz.
Outrora foi uma nação,
Hoje,
É só um país!

jpv