Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Terra de Surpresas

Terra de Surpresas

Fechou-se o céu.
E estremeceu.
As nuvens deram tudo
O que tinham de seu.
Abafou-se o ar.
Não bulia uma folha,
Era difícil respirar.
E o calor envolvia a vida
Como um manto sufocante.
E tudo isto durou
Um breve instante!

Desponta o sol
Ao longe.
Corre uma brisa fresca
E perfumada.
Nesta terra de surpresas
Tudo, num repente,
Fica nada!

jpv


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Motorcycle Chronicles – Wireless Connection

Wireless Conection

Ele batia-lhe. Era violento. Começara por uma coisa de nada, uma discussão ridícula. Dera-lhe um estalo. Ela não reagiu. Como costumavam fazer jogos de submissão na cama em que ele a esbofeteava como ato de incitação, como ela sempre permitira isso, ainda que não gostasse muito, confundiu aquela chapada com as outras. E foi por isso que não reagiu. Ele gostou de bater-lhe e sentiu um poder e uma força especiais pelo facto de ela não reagir. Era homem. E foi por isso que lhe assentou a mão de novo. Com força! Ela caiu de costas, desamparada. Ficou no chão a olhá-lo, incrédula, as lágrimas a surgirem-lhe nos olhos, a blusa desalinhada, a saia de seda a subir-lhe pelas pernas. Ele sentiu-a fraca e deu-lhe um pontapé forte na coxa mais próxima. Tombou sobre ela, aplicou-lhe uma sucessão violenta de chapadas e depois violou-a.

Ela quis queixar-se. A família culpou-a imediatamente. Desvalorizou o que ele pudesse ter feito, Não estás marcada, se ele foi assim tão violento, onde estão as marcas? À polícia não quis ir por vergonha. Depois iam pedir-lhe que mostrasse o corpo, pensou, e isso não queria suportar. E, a verdade, verdadinha, é que o trabalho dela era um part-time de demonstração e venda de conexões Internet e mal dava para os seus extras. O seu verdadeiro sustento e o dos dois filhos era o trabalho dele. E assim, de chapada em chapada, de pontapé em pontapé, de agressão em agressão foi aguentando. Acreditava que, com a idade, ele acalmaria, acreditava que, em crescendo os filhos, ele teria de parar. E, por isso, foi suportando e foi rezando para que acontecesse menos e para que, quando acontecesse, ele se saciasse e passasse depressa. Nem chegava a perceber as razões. Já lhe tinha batido por tudo e… por nada. Porque discordavam num assunto da educação dos filhos, porque a comida estava insossa, porque ela se atrasara no trabalho, porque um dos miúdos tinha tido negativa a português, porque o resultado da bola tinha sido desagradável, porque o sexo fora mau… e, o curioso, nisto dos comportamentos humanos, é que, quanto mais a agredia, mais lhe apetecia agredi-la. É estranho, o ser desumano. Não se sacia com a violência. A violência tem um fermento de crescimento, tem um adubo e um fertilizante e é autofágica, alimenta-se de si própria e quanto mais se devora, mais cresce.

Estava exausta. Nesse dia tinha caminhado vários quilómetros a bater de porta em porta tentado vender excelentes pacotes de Internet que ela nunca vira a funcionar a não ser nas breves formações que recebera. Chegara a casa, passara uma parga de roupa, fizera o jantar, recebeu os miúdos e tratou deles e quando ele chegou, percebeu que vinha zangado com a vida. A noite ia ser das más. Tentou ser carinhosa com ele. Por vezes, raramente, funcionava:
– Que tens, meu amor, pareces tão tenso…
– O que tenho é que o Teixeira ficou com o prémio de desempenho que era para mim, é o que tenho…
– É uma injustiça, tu esforças-te tanto…
– Sim, claro, e sabes porque é que o perdi? O meu chefe diz que chego atrasado de manhã e sabes porque é que chego atrasado, sua vaca inútil, é porque em vez de uma mulher, tenho em casa uma vaca que não é capaz de preparar um pequeno almoço a horas!
– Mas eu…
Já não acabou a frase. Segurou-a pelo pescoço, encostou-a à parede e sufocou-a. Ela não resistiu. Os miúdos não saíram do quarto. Ela os ensinara a agirem assim. Quando ela estava a ficar lívida, ele soltou-a e ela tremeu das pernas e ia a cair, mas ele teve-a de pé por um braço. Estás fraca, cabra? Estás fraca? É por isso que não fazes a merda do pequeno almoço a horas? E, com um braço lhe segurava num braço e com o outro a ia esbofeteando por onde a apanhava, na cara, na cabeça, uma ou outra no queixo e no pescoço e quando estava cansado do braço, usava os pés e pontapeava-a no rabo e nas coxas e nas pernas. Por fim, quando a sentiu completamente vulnerável, deu-lhe um pontapé pelos pés, ela caiu desamparada, bateu com a cabeça numa mesinha e fez um corte por cima da orelha. Já sentiu pouco. Sentiu o calor da proximidade dele e o ritmo balanceado de uma cópula indesejada e violenta. Ficou no chão da sala. Quando acordou, ele estava a comer na cozinha. Ela levantou-se, foi à casa-de-banho, lavou-se, colocou uns cremes para atenuar as nódoas negras pelo corpo e enfiou-se na cama. Não o sentiu chegar.

A manhã está límpida, o sol cristalino oferece promessas de vida e ela caminha pelas ruas sem fé nem esperança. Revê a noite anterior. Repensa a sua vida, mas sente-se completamente encurralada. Nada no seu horizonte lhe traz qualquer esperança. Manteve-se assim o quadro cinzento da sua vida e da sua mente até que bateu à porta de Robert Flaherty.
– Bom dia, posso tomar-lhe um minuto?
– Não preciso de nada, obrigado…
E estas palavras simples e educadas, considerando a generalidade das respostas que recebia, Não quero nada disso; Desaperece, vai mas é trabalhar; Parasita, faz qualquer coisa de útil; soou-lhe agressiva e rompeu num choro convulso, os seus limites estavam todos ultrapassados, precisava de ajuda e não sabia como pedi-la. Robert percebeu de imediato que algo muito grave se passara e percebeu também a contusão por cima da orelha, estendeu-lhe uma mão, ela colocou a sua mão frágil na mão forte dele e essa força começou, de imediato, a passar. Entre, ela entrou, ele fechou a porta e disse-lhe, A vida tem-na tratado mal… desabafe, acho que é o primeiro passo, diga tudo… deite tudo cá para fora. Ela não disse uma palavra. Fez-lhe um gesto para ele se sentar. Robert obedeceu. Depois, lentamente, de frente para ele, foi tirando a sua roupa toda. Primeiro a blusa, depois descalçou-se, depois a saia, depois as meias-calças, depois a camisola interior, depois o sutiã, depois as cuecas e por fim, encolheu os ombros e deixou os braços caídos à frente do corpo com as mãos a taparem envergonhadamente o púbis. Por fim, disse, É o meu mapa de dor. Robert estava estupefacto. Era brutal o que tinha na sua frente, pensou em mil e uma soluções, foi-lhe dizendo cada uma das coisas que podiam fazer e ela foi negando cada uma até que disse, Ajude-me a mim, eu sou o mal, eu preciso saber lidar com isto, não sei como, não tenho perspetiva, há muito que a perdi. Robert pensou durante uns minutos e depois disse-lhe, Acho que lhe falta liberdade, acho que está demasiado agarrada a essa dor e a quem a causa, está a ver essa Internet que vende, uma liga-se por cabo e outra é wireless, o que a sua mente precisa é de uma conexão wireless para a liberdade, venha comigo.

Ajudou-a a vestir-se. Emprestou-lhe um blusão de cabedal que lhe ficava enorme, mas ela gostou da sensação de proteção, desceram à cave, colocou-lhe um capacete, apontou para o banco da moto e disse, Sente-se aí! Ela quis dizer que tinha medo, mas tinha o capacete na cabeça e, por outro lado, o que quer que fosse que aí viesse, seria melhor do que a noite anterior. Ele subiu para a moto de alta potência, puxou-lhe as mãos para a sua cintura mostrando-lhe onde e como se devia agarrar e saiu para a cidade, percorreu o esquadrinhado das ruas, saiu para o campo e dirigiu-se para o mar. Percorreu quilómetros sem fim pela estrada que acompanhava a falésia e o mar, ia-lhe apontando o sol rebrilhando na água, mostrou-lhe as gaivotas a pairar sobre a rebentação e acabou entrando com a moto pela areia, mesmo junto à água. Parou para tirarem os capacetes e depois continuaram a rolar junto ao mar recebendo os salpicos da água na face. Por fim, pararam e ficaram sentados na areia a olhar a rebentação. Muito tempo depois, ela disse, Não sabia que a vida podia ser assim. Claro que não, por isso é que se deixou subjugar. Liberte-se! Precisa de conectar-se com a liberdade e depois saberá o que fazer. Para tudo na vida há uma conexão wireless! Robert fez o caminho de regresso usando o mesmo traçado. Ela usou esse tempo para pensar. Sabia que a lição dele era preciosa, só não sabia como se adaptaria à sua realidade e ficou matutando nisso quilómetro atrás de quilómetro. Quando chegaram, ela perguntou, Mas afinal já tem Internet, ou não? Sim, e estou bem servido. E foi aí que ela começou por surpreendê-lo. Posso usar a sua Internet? Claro que sim.

Saiu à rua e só via a luz do sol e o brilho do mar à sua frente. Passou pela farmácia, dirigiu-se a casa, não ia feliz, mas ia entusiasmada. Nesse dia recebeu os miúdos como sempre, preparou o jantar com especial carinho e dedicação, e quando o marido tombou morto no final da refeição, ela não se surpreendeu. Telefonou para as urgências, fez um ar muito triste e chorou muito, convulsamente, e no funeral, dois dias mais tarde, fez o mesmo papel, estava tão habituada a chorar para que lhe não batesse mais que não lhe custou a parte do choro. Coitadinha, fica desamparada, o que foi que o levou? Não sei, não sei, jantou tão bem, estava tão satisfeito e de repente tombou para a frente e desfaleceu, os médicos dizem que foi uma paragem cardíaca.

A moto rola e leva consigo Robert e a sua companheira. É uma moça viúva que em tempos foi vítima de maus tratos domésticos. Robert nunca lhe perguntara, mas naquela tarde, de frente para o mar, não resistiu, Afinal, ele morreu de quê? Ela sorriu ao horizonte e sem tirar de lá os olhos embevecidos e a alma livre, disse-lhe, Deu-lhe uma wireless conection!

jpv


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Citação do Caos

“O caos é impensável, já que a mistura é uma ordem e não há para o espírito do homem, ou no espírito do homem, nada que não seja relação. O que acontece é que chamamos desordem à ordem que nos não agrada, ao conjunto de relações em que não entendemos ou não aceitamos a relação connosco.”
Agostinho da Silva


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Crónicas de África – Coisas do Quotidiano

Coisas do Quotidiano

Maputo, 16 de outubro de 2012

Esta semana fui, pela primeira vez, assaltado em Maputo. Quer dizer, eu não fui assaltado. Enfim, não sei bem. Um roubo, acho, é quando a gente não vê porque não está presente, 
isso também pode ser um furto. Um assalto é quando a gente vê mas, mesmo assim, tem de entregar o bem que vai ser roubado. Eu explico. Eu estava lá e estava a olhar, mas não vi. Ninguém falou comigo. Logo, acho que isto foi um misto de roubo e assalto. A verdade é que um arrumador ofereceu-me um lugar de estacionamento e eu não aceitei porque quis ficar mais perto do restaurante onde ia almoçar. E fiquei. Fiquei tão perto que, da esplanada onde estava, via bem o carro. Ele lá estava a brilhar de lavadinho. E fui sempre olhando, sempre atento sem lhe tirar o olho de cima. Quando cheguei ao carro, para meu espanto, o espelho retrovisor do lado direito, aquele que estava mesmo de frente para mim, tinha… voado! Devia ter aceitado a oferta do arrumador! Perguntei onde poderia arranjar um. Disseram-me para ir ao mercado da Estrela. Ora, aqui, as pessoas têm o hábito de gravar a matrícula dos carros nas diversas peças, espelhos, faróis da frente, luzes traseiras, vidros das portas e tudo o mais que lhes vem à cabeça. No caso daqueles piscas laterais muito pequeninos, como não há muito espaço para gravar a matrícula, colocam umas tiras de metal por cima deles. Como é que agarram as tiras de metal? Simples. Furam a chapa do carro e enfiam-lhe com dois rebites… É lindo de morrer, ver um tipo que acabou de comprar um carro, voluntariamente mandá-lo furar… hahahaha… eu adoro esta cidade. Como precisava de um espelho e queria gravar umas partes do carro, lá fui ao mercado da Estrela. São duas ruas repletas de bancadas com acessórios automóveis, chaves de rodas, macacos, limpa-pára-brisas, triângulos, capôts, jantes, pneus, pára-choques, emblemas, espelhos, vidros, portas, tudo, tudo, rigorosamente tudo, vendido no meio da rua. Além dos acessórios, também há serviços, por exemplo, lavagem, polimento da chapa, dos faróis, enfim, é um não mais acabar de oferta. Assim que cheguei, mesmo antes de parar o carro, começaram a fazer-me sinais e a oferecer-me coisas. Quando parei, o carro foi cercado por mais de dez rapazes a oferecerem todo o tipo de acessórios e serviços. Saí, disse do que andava à procura e em cinco minutos apareceu um espelho do modelo que eu queria e aplicaram-no logo no sítio, perguntei se gravavam, claro que sim, pedi para gravarem a matrícula nos espelhos e nos faróis da frente e para porem umas tiras de metal nos piscas laterais. A primeira coisa que me disseram quando fechámos negócio foi, Abra aí o capôt! Eu estranhei. Por que raio é que eles querem que eu abra o capôt. E perguntei, Olha lá, para que é que queres o capôt aberto? É a bateria! Nem mais nem ontem, além de pagar o serviço, ainda forneci a energia. As máquinas de gravar que eles usam, assim como os berbequins, são elétricas, eles cortam as fichas dessas ferramentas, colocam uns bornes de agarrar nas baterias e o cliente fornece a energia. Mai nada! Quando o tipo acabou de gravar disse, com um sorriso nos lábios, Já se acabou o pão do ladrão! Estive à conversa com eles e ainda que admita que o ambiente, para quem ali chega, possa ser um pouco intimidador, a verdade é que não passam de uns rapazotes simpáticos e bem dispostos à espera de fazer algum negócio e é possível trocar umas gargalhadas com eles, aliás, em Maputo, a gargalhada está barata, toda a gente tem várias para dar! Um colega disse-me, Foste à Estrela? Não é qualquer um! Mas eu gostei, até estou a pensar lá voltar porque preciso de um macaco em condições, isso e umas escovas para o limpa-pára-brisas.

Outro fenómeno interessante foi a reação das pessoas à chuva. Quando chove, Maputo fica repleta de pequenas e grandes lagoas em todas as ruas e avenidas porque o sistema de escoamento está a precisar de ser revisto. Mas os habitantes não se atrapalham nada, como a água é quente e vai secar daí a nada, em vez de se protegerem muito, desprotegem-se! Pois, puxam as saias, elas, dobram as calças, eles, e enfiam uns chinelos. Depois… depois andam pelas ruas como se a água lá não estivesse. E não vi ninguém a morrer com um ataque de pés molhados!

Outro fenómeno interessante teve a ver com o serviço de costura. Fomos a uma enorme loja de tecidos que, assinale-se, são um dos poucos produtos mais baratos do que em Portugal, e a oferta era tremenda. Corredores e corredores com rolos de tecido e dezenas de empregados disponíveis para ajudar. Ajudar e fazer negócio! Ah pois é! Durante o processo de escolha e compra dos tecidos é comum os empregados oferecerem, eles próprios, os serviços de costura. O E. fez isso connosco. Precisa de coser? Eu coso para si. Tu ou é um serviço aqui da casa? A casa não tem esse serviço, quem cose sou eu mesmo. Tu ou a tua mãe? Ele riu-se com vontade e respondeu, Eu mesmo! E pronto. Comprámos o tecido e ele fez os cortinados. O E. não tem mais de vinte anos. O interessante é que ele próprio comprou aos colegas, em nosso nome, os acessórios, sei lá, ganchos e coisas do género. Ou seja, a casa não se importa que os empregados façam negócio paralelo porque é da maneira que vende mais! Tenho ou não tenho razão para estar a adorar esta terra? É tudo tão simples! Tão verdadeiro.

O trânsito em Maputo é caótico, mas há muito poucos acidentes. É raro ver-se um. A condução é muito instintiva, passa quem passa, às vezes passa quem chega, enfim, tudo muito a olho e tudo muito por intuição. Andava com isto na cabeça a tentar perceber o porquê quando, numa conversa de amigos, se me fez luz. Aqui, como em Portugal, é obrigatório ter seguro, mas a polícia raramente pergunta por ele. E a razão é simples, a polícia quer saber se estamos bem e, eventualmente, dos documentos do carro e dos selos dos impostos, aqui paga-se imposto de circulação e imposto de radiofonia, mas não se interessa muito pelo seguro porque isso é uma coisa que se ativa quando se precisa. E quando é que se precisa? Quando se tem um acidente! Ora, é um facto comummente conhecido que, em Maputo, há uma percentagem muito significativa de veículos que não têm seguro. Isto, só por si, torna a condução mais cautelosa. Obviamente que quem não tem seguro não se quer ver envolvido num acidente!

Recentemente, deparei-me com um exemplo da alegria e da boa disposição que caraterizam este povo. Num supermercado, há um sistema interno de “competição” entre as diversas equipas de funcionários. Aqueles que colecionarem mais pedrinhas azuis que o supermercado disponibiliza aos clientes têm prémios de simpatia no atendimento. Então, eles têm a liberdade de solicitar aos clientes que se sentiram simpaticamente atendidos, uma pedrinha para a coleção. Os do bar tinham escrito uma coisa do tipo, “Caro Cliente, se ficar maravilhado pelo atendimento excepcionalmente excelente…” enfim, arrancaram-me logo um sorriso!

E termino a crónica de hoje com um pormenor tipicamente moçambicano. Um pequeno apontamento que diz bem da simpatia e da alegria destas gentes. Comprámos um despertador com rádio porque gostamos de acordar com música e ouvir as notícias da manhã e a meteorologia e etc e tal… Sintonizámo-lo numa rádio moçambicana, claro. Em Portugal, há aqueles programas matinais em que as pessoas podem telefonar para participar. Normalmente são perguntas a troco de prémios para quem acerte nas repostas ou são fóruns de discussão com temas da atualidade. Pois, aqui em Maputo há uma rádio que, pela manhã, abre a antena aos seus ouvintes só para eles poderem dizer bom dia a alguém! A coisa fica assim, Bom dia, como se chama? Eu sou o Castigo! Castigo e quer dizer bom dia para quem? Eu quero dizer bom dia para a minha dama! E pronto, cada um diz bom dia a uma pessoa dos seus afetos e o prémio é só isso mesmo, essa alegria e essa boa disposição publicamente partilhada. Claro que se eu tivesse outro filho, evitaria chamar-lhe Castigo, mas isso são pormenores de gosto!
jpv
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Algumas imagens relacionadas com esta crónica:

Maravilhoso, excelso e excepcionalmente excelente pedido de uma pedrinha azul!

Exemplo de um retrovisor com a matrícula gravada para evitar tentações.

Exemplo de proteção de um pisca lateral!


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A Paixão de Madalena – Capítulo 4

A Paixão de Madalena

Livro I – A Paixão de Madalena

4.-Florence!
-Presente!
-Jacques!
-Presente!
-Louis!
-Presente!
-Madelaine!
-…
-Madelaine! Não há uma Madelaine aqui?
-Não.
-E tu, quem és?
-Eu sou a Madalena.
-A Madelaine, portanto!
-Não. A Madalena. Como saberá, os nomes não se traduzem.
-E tu és a engraçadinha, portanto.
-Não, eu sou a Madalena
-Madaléna?
-Não se pronuncia assim, mas terá de servir.
-E que livro é esse em cima da tua secretária?
-“Orgulho e Preconceito” é da…
-Eu sei bem de quem é! É uma das minhas autoras preferidas e esse é um dos meu livros favoritos.
-Quer então dizer que tem mais jeito para escolher livros do que para pronunciar nomes…
-Tu és atrevida!
-Só quando me provocam.
Quando disse isto, Madalena ruborizou completamente e, aquela que teria sido uma frase de vitória, foi um dar de flanco. Acontece que Kyle não tirou partido disso. Reconheceu-lhe a inusitada coragem, a maioria não teria ido tão longe, mas sabia que estava em posição de vantagem e não quis abusar disso. Ficou intrigado, contudo, com aquela mescla de pureza e atrevimento. Fizeram-se as apresentações, estabeleceram-se as regras de funcionamento da disciplina de Inglês e na hora da saída, Kyle fez um gesto a Madalena pedindo-lhe que ficasse.
-Estou intrigado…
-Com o quê?
-Diz aqui na tua identificação que és portuguesa.
-E sou! Genebra está repleta deles.
-Sim, mas o que faz uma portuguesa em Genebra a ler um livro inglês traduzido em francês… O natural seria estares a ler uma tradução em português…
-Eu quase não sei português. Só o básico, Bom dia, Boa Tarde, e frases curtas e utilitárias…
-E como veio isso a suceder?
-É a história da minha vida, mas acho que não lhe diz respeito. Digamos que vim para cá muito pequenina…
-De Portugal.
-Não. De Londres e antes disso do Quénia e antes disso de Macau, mas, sinceramente, não me apetece falar disso… quase não o conheço.
-Correto. Mas…
-Sim…
-Tens idade para ler esse livro?
-Ha ha ha ha…
-Porque te ris?
-Pela sua presunção! É para aí a quarta vez que leio este livro e só estou a relê-lo porque não consigo comprar mais…
-Tens a biblioteca.
-Estive lá ontem. Não há lá nada que valha a pena ser lido que eu não tenha devorado já!
-Exagero!
-Teste-me!
-Guerra e Paz?
-Fácil, Tolstoi.
-Crime e Castigo?
-Outra fácil, Dostoievski.
-O Senhor das Moscas?
-Mais rebuscado, Golding.
-Cem Anos de Solidão?
-Garcia Marquez… isso não vai ficar um bocadinho mais difícil?
-O Jardim das Quimeras?
-Sim, esse não é para qualquer um, mas adorei… Marguerite Yourcenar. Agora é a minha vez…
-Venha…
-Pavel Pavlovitch?
-Hummm… isso traz água no bico… como autor não conheço… como título também não… apanhaste-me… ou fizeste batota!
-É a personagem principal de “O Eterno Marido” do seu Dostoievski…
-Batoteira, mudaste as regras do jogo. Gosto desse livro… e do autor. Como sabias que eu gostava do Fiodor?
-Básico, a primeira obra que perguntou era dele…
-Poderia ser casual…
-O professor não é um homem de casualidades!
-Mas afinal quantos anos tens tu?
-Catorze.
-És tão novinha!
-Não sou nada. Novinhas são as minhas colegas de turma que só têm catorze anos! Enfim, aquela dos risinhos tem quinze e é ainda mais nova do que as outras!
-Hummm… isto vai ser giro…
-Senhor Mckenzie?
-Sim…
-Porque é que está triste?
-Não estou. Já chega, reunião terminada, podes ir embora Madalénade Portugal que não fala português e andou a correr mundo antes de me aterrar em cima!
-Madalena!

Não saberemos nunca, se no momento de expirar-se a última gota de água no nosso planeta, um ser humano estará no local para presenciar o evento, quem sabe, cheio de sede, sacudindo o fundo de um cantil e recebendo essa gota nos lábios saciando-lhes, pela última vez, um resquício dessa mesma sede. Provavelmente, quando vier a acontecer tal desgraça, já não haverá seres humanos. E, contudo, passamos os dias da nossa vida usando expressões como “até à última gota” sendo que, não saberemos o que será, nem como será essa gota. Vale a expressão, não pela última gota, mas pelo valor dado ao inestimável e indispensável líquido que nos sustenta a vida. Este encontro com Madalena reabriu o espírito de Kyle Mckenzie e, mesmo que o não saiba ainda, há de devolver-lhe a esperança e há de fazê-lo querer sorver a vida até à última gota.

Depois de um percurso intermitente e deambulante pelo mundo, que contaremos com pormenor chegada a altura de o fazer, que, também nós, escritores, temos os nossos caprichos, Madalena veio instalar-se em Genebra com Albertina, mãe de sua mãe, e sua mãe desde tenra idade. Dizemos por vezes que ser avó é ser mãe duas vezes, pois no caso de Albertina, ser avó de Madalena foi ser sua mãe pois que muito cedo lhe foi entregue e a seu cuidado ficou. Agradecida está Madalena por ter tido essa proteção e o Universo, em seus misteriosos desígnios, lhe há de pedir que devolva a generosidade o que ela fará com dedicação e amor. Por agora, importa saber que Madalena está há dois anos em Genebra, é fluente em inglês e em francês e está, desde que chegou à cidade das neves, pela primeira vez, numa escola pública. Tem tido excelentes resultados, mas quase não tem amigos. Chega à escola, vai às aulas, regressa a casa, e nos intervalos de tempo que possa ter, dedica-se à maior das suas paixões: lê. Albertina, a avó-mãe, não só nunca lhe cerceou o ímpeto e o gosto, como lho fomentou e lho alimentou sempre que pode. Aos oito anos já lia alguns dos clássicos da literatura mundial e sempre que lhe surgiam dúvidas, fossem vocabulares, fossem das intrincadas razões das pessoas para serem pessoas, Albertina explicava-lhe com simplicidade e com naturalidade as coisas tal como a vida lhas ensinara.

É curioso como por vezes se pensa que a atração entre duas pessoas é física. E como se pensa também que, não sendo física, é do foro das emoções, como o amor, por exemplo, tendo depois a sua concretização física. Em todo o caso, está a atração entre duas pessoas distanciada quase sempre, e na sua génese, das zonas racionais e inteletuais. Madalena e Kyle são prova de que este senso comum é falho de precisão. Para que duas pessoas se sintam atraídas, basta que se sintam atraídas. A causa da coisa pode bem ser do âmbito racional ou intelectual, como foi o caso. Madalena foi ficando mais vezes no final das aulas e depois mais vezes ainda e depois começaram a encontrar-se, ocasionalmente e sem qualquer arranjo, no refeitório e as suas conversas eram sobre literatura e livros e a interpretação das coisas escritas e do seu sentido na vida que nos é comum. E quando sucedia que, por qualquer razão alheia a ambos ou por propositada prudência de Kyle, não ficavam conversando uns minutos no fim da aula ou à hora do almoço, Madalena sentia-se como se algo lhe tivesse faltado naquele dia e Kyle sentia-se como se naquele dia algo lhe tivesse faltado. Discutiam questões de gosto, debatiam as intenções dos autores, analisavam estilos, esquadrinharam o romantismo de Lord Byron, Jane Austen e Victor Hugo, discutiram os realistas, os neo-realistas, os existencialistas, e aqueles que discutiram só porque quiseram discuti-los, só porque tinham gostado de um livro anónimo de um autor desconhecido. E o tempo e as conversas foram traçando caminhos de emoção no peito e na mente e, sabemos nós e saberá o leitor, em fazendo as contas que são de matemática simples, que havia entre a aluna e o professor vinte e cinco anos de diferença na idade que a cronologia dos dias marcou. E, no entanto, os seus corações não viam essa diferença, as suas mentes não sentiam essa assimetria de tão ocupados que estavam com o estímulo intelectual que cada um representava para o outro. E como sempre acontece quando as pessoas se revelam pelas palavras e pelo sentido que vai nelas, começaram a conhecer-se. Madalena percebeu que o professor de inglês, não era só um professor de inglês, havia um homem sensível e magoado e havia, não obstante o traço triste que sempre o acompanhava, um sonhador, um menino de olho azul que continuava a acreditar nas pessoas. Percebeu, também, que estava divorciado e percebeu que essa era uma ferida muito recente em que ele evitava tocar a todo o custo. Como quando levantamos um penso de uma ferida fresca e a pele vem agarrada. Este homem era, sobretudo, um espírito livre, um amante da vida e de viver, uma pessoa de mente aberta e mentalidade plural e, sendo muito mais velho, era charmoso. Um dia deu consigo a pensar na diferença entre bonito e charmoso. De facto, não podia dizer-se que o professor Kyle fosse bonito. Já o fora, por certo, mas demasiadas dores e algum tempo lhe haviam passado pelo corpo e pelo olhar. E gostava de mulheres, ai isso é que gostava, via-se bem na forma enlevada como falava da sua graciosidade e harmonia. E havia em si uma aura de magnética paz, de boa disposição e de entendimento que puxava. Apetecia estar com ele. A verdade é que Madalena se sentia atraída pelo professor de inglês e em pouco tempo, que estas coisas nunca levam muito, se apaixonou por ele. Só que não soube. Se soubesse talvez tivesse recuado por via de uma montanha de preconceitos que se avistava ao longe como as que cercam Genebra. Quando veio a saber, era já incapaz de recuar. Em abono da mesma verdade que ainda agora se invocou, as coisas não foram iguais na cabeça de Kyle. Foram conscientes, medidas, pesadas e calculadas desde o primeiro momento. Ele soube de imediato, logo naquela primeira chamada, que aquela miúda mexia consigo. Aquele misto de ingenuidade e atrevimento era condimento irresistível. Aquela miúda corava com uma facilidade inusitada e, ao mesmo tempo, debatia literatura e a vida com a maturidade de uma mulher crescida. Kyle sabia que se tratava somente de uma rapariga de catorze anos, mas sabia também que tinha na sua frente uma mulher com mais maturidade do que a maioria das mulheres que ele conhecera, de algumas das suas colegas de trabalho, por exemplo. Retraiu qualquer impulso afetivo que estivesse para além da comunhão das ideias que ambos procuravam e analisavam nos livros que liam, mas sabia que o impulso estava lá. Por vezes, sentia-se mal. Pensava na idade dela, Mas onde raio é que andas com a cabeça, irlandês casmurro, é só uma adolescente! Outras vezes pensava na maturidade dela e nas coisas que passara a vida a ensinar na faculdade e agora também a estes, que o amor não escolhe raça, género nem idade, acontece e pronto. E debatia-se entre aquilo que ensinava aos outros e a coragem de seguir o seu próprio impulso. Um dia marcaram-lhe um desses infindáveis e dolorosos exames. As coisas não correram como esperado e ficou duas semanas em casa acompanhado por uma enfermeira. Na escola disseram somente que o senhor McKenzie estava doente e seria substituído temporariamente por fulano de tal. Ele chorou na cama a sua sorte, quando o coração lhe pedia vida, o corpo negava-lha. E chorou a ausência de Madalena. A enfermeira, com aspeto muito frio e distante, surpreendeu-o, Por que chora, senhor Mckenkie? Está com dores? Não, não tenho dores! Calculei, um choro assim profundo e sentido não vem do corpo, vem da alma, o senhor está com dores de alma? Kyle olhou-a surpreendido e disse-lhe, Acho que sim, e contou-lhe tudo o que estava a passar. Senhor Kyle, estou habituada a ver corpos abertos, a sangrar, a deitar pus, homens de barba rija a gritarem como crianças, mas acho que nunca vi um coração assim dilacerado. A sua história é impressionante e ingénua e pura… Sabe, eu seguiria esse amor, se essa jovem soubesse no que se estava a meter, se a família soubesse no que ela se estava a meter, se o senhor não fosse mais professor dela… percebe… o problema, a meu ver, não é a idade, é o seu relacionamento profissional com a jovem.

-Está melhor?
-Eu não vou melhorar, mas por agora estou.
-Ainda bem. Gosto de saber isso. Não tinha mesmo como avisar?
-Avisar? Eu pedi que avisassem…
-Sim à turma em geral, disseram que estava doente, mas nós, quer dizer eu… pensei…
-Sim. Pensei em fazer-te chegar um recado só a ti a dizer que estava tudo bem, que eram só uns exames, mas… não sei… achei mais prudente não fazê-lo… porquê tratar de modo diferente uma aluna?
-Uma aluna?! É isso que sou para si?
-Que mais podes ser, Madaléna?
-Se não cabe mais nada na sua cabeça, então tem razão… que mais? Nada.
-Cabe na minha cabeça, cabe no meu coração, mas e os outros? Que dirão as pessoas? Tenho mais vinte e cinco anos do que tu e tu… por mais maturidade que tenhas, és só uma adolescente… não quero magoar-te, mas…
-Mas só ficou o preconceito. Já não há orgulho e amor talvez nunca tenha havido…
-Madaléna, imagina que assumíamos tudo o que houvesse para assumir, imagina que tudo era aceite, e não vai ser, imagina que tudo corria bem entre nós e à nossa volta, mesmo assim, eu tenho cancro Madaléna,isto vai matar-me em breve, não me resta muito tempo e o pouco que resta adivinha-se um tempo de sofrimento…
-E como tal, o melhor que encontra para fazer é negar a vida que lhe resta viver! É negar os sentimentos que nutre pelas pessoas que o rodeiam, é… enfim, é morrer antes de ter morrido! Eu estou a falar com o professor McKenzie ou com o cadáver dele?
-Cala-te miúda atrevida, não brinques com o que não conheces!
-Eu não estava a brincar…
-Cala-te!

Durante essa semana não voltaram a falar-se. Ele entrava na sala, chamava os alunos, corrigia os trabalhos de casa em os havendo, dava a aula, fazia perguntas, a ela também, ela mostrava-se atenta, respondia quando alguma pergunta lhe era dirigida e saía da sala sem olhar para ele sabendo que ele estava ocupado a apagar o quadro ou a arrumar os cadernos e não olharia para ela também. E andaram os dois remoendo aquela conversa azeda e relembrando todas as outras interessantes e estimulantes na partilha e na troca de ideias. E outras semanas se passaram até que se digerisse o muito que havia para digerir. Até que se pensasse e pesasse o muito que havia para pensar e pesar. Até que a distância ajudasse a medir a proximidade. E os seus corações serenaram e as suas cabeças discerniram. E um dia, no final da aula, ela deixou-se ficar para trás e quando se dirigia para a porta perguntou:
-Professor McKenzie?
-Sim…
-Todos os irlandeses são assim casmurros ou o senhor é um caso particular?
-Há dois requisitos para se ser irlandês, ser casmurro, beber Guiness e amar portuguesas francófonas que correram meio mundo, amadureceram prematuramente e nos revoltaram o coração no fim da vida!
-A vida não tem fim, Kyle McKenzie.
-Isso é o que veremos, Madaléna…
-Mas… disse dois requisitos e enumerou três…
-Naaa… o terceiro é uma consequência dos dois primeiros!
-Safado!
Madalena deu os dois passos que os separavam e abraçou-se a ele. Kyle retribuiu o abraço com força e ternura e ficaram ali sentindo o imenso amor que os unia até que ele conseguiu dizer:
-Precisamos conversar, miúda.
-Está bem, velhote…
-E preciso conhecer a tua avó.
-Ela já te conhece e sabe as tuas intenções.
-Quais intenções?
-Amares-me para todo o sempre!
-Mas eu nunca disse isso!
-Nem foi preciso, estava escrito na tua cara, no teu corpo e vinha com as tuas palavras mesmo que elas não o dissessem abertamente.
-Safada!
-Sabes quando tive a certeza de que éramos namorados?
-Ai somos?
-Claro que sim, sabes que sim… quando nos zangámos… Eu fui rezingona como a Elizabeth Bennet e tu foste altivo como o Mr. Darcy.
-A vida não é um romance, Madaléna!
-Passas as aulas a dizer o contrário.
-Ainda bem que o ano letivo está quase no fim.
-Porquê?
-Para me livrar de ti e das tuas respostas impertinentes…
-Para te livrares de mim?
-Sim, como aluna. Vamos lá conhecer a avó Albertina!
Não se beijaram. Não era preciso. E também não deram as mãos. Ele acompanhou-a até ao portão e ficou combinado que no sábado de manhã a visitaria para conhecer Albertina. Continuava a achar que tudo aquilo era uma rematada loucura, mas corria-lhe no peito um Camowen de emoções e excitação. Por momentos, pensou mesmo que um dia venceria o cancro. Fantásticos poderes tem o amor. Cura doenças, traz a imortalidade dos amantes e une as pessoas improváveis em improváveis casais. Brota súbito e poderoso e corre para a morte prenhe de vida como os salmões no Strule.

————————– jpv ————————–


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Citação das Intrincadas Razões


“Aos oito anos já lia alguns dos clássicos da literatura mundial e sempre que lhe surgiam dúvidas, fossem vocabulares, fossem das intrincadas razões das pessoas para serem pessoas, Albertina explicava-lhe com simplicidade e com naturalidade as coisas tal como a vida lhas ensinara. “


João Paulo Videira 
in “A Paixão de Madalena”, Capítulo 4,
 a publicar em breve neste blogue. 
Foi só uma provocaçãozinha!


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Versatile Blogger – Agradecimento

Caros Leitores e  Amigos,

como é sabido, não gosto muito de participar neste tipo de atividade em cadeia, mas tenho alguns amigos blogueiros que o fazem e de vez em quando têm a simpatia de me oferecer estas distinções. 

Fica, por isso, o agradecimento às autoras dos blogues “Crazy 40 Blog” e “Confissionarium” pela generosidade e pelo carinho com que sempre me tratam.


Muito Obrigado

jpv


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Mão Divina

Mão Divina

Cai certa,
Esta chuva,
E em profusão.
Escorre pelas paredes,
Galga o chão.
A cada esquina,
Um riacho encontra outro,
E a carreira que era fina
Agora abre rios
De lavar a cidade.
Arrasta as folhas
Varridas e amontoadas.
Empurra terras e areias
E as garrafas abandonadas.
Traz esse silêncio
E esse respeito
Que é desfazer
O que o homem tinha feito.
E passam três crianças
Em calções e descalças,
Trazendo por seu
Só isso
E a chuva que cai do céu.
Ressoa forte
E sonora
Nos telhados aqui à volta.
Um homem que esperava
Foi-se embora…
E passa esta mão
Divina
Banhando a cidade,
Recolhem-se as pessoas,
Expõe-se a verdade.

jpv


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Crónicas de África – O Pão que o Africano Amassou

O Pão que o Africano Amassou

Maputo, 12 de outubro de 2012

Não será extensa, esta crónica. Mas quero-a intensa. E por isso começo com uma frase curta e objetiva que contém em si todo o propósito da crónica: o pão aqui é fabuloso!

Mastigar o pão que o moçambicano amassou faz-me ter saudades. Saudades da inocência, saudades do genuíno, saudades de antes dos fingimentos, saudades de não ouvir falar de globalização, saudades de não haver desculpas para piorar a qualidade de vida sob o pretexto de que se está a melhorar.

E porque é melhor o pão aqui?
Em primeiro lugar não precisam de lhe chamar caseiro, para ser caseiro. Não lhe chamam nada. É pão e pronto. Depois, porque sabe a pão. Ou seja, a farinha misturada com água e uma pitada de sal. Os pães, aqui, sejam papo-secos, bolas, pregos (compridos), pães de leite ou arrufadas, são enormes. Um papo-seco enche uma mão e, imagine-se, é pesado! Tem imenso miolo branquinho e fofinho e é um pão muito guloso!

O segredo é simples, eu já perguntei, o pão aqui faz-se com três ingredientes: farinha, água e sal! No caso das arrufadas e dos pães de leite, juntam também leite, ovos e açúcar. Quer isto dizer que o pão moçambicano não leva melhoradores nem conservantes e como ninguém tentou melhorar o quer já era bom, bom ficou! Como ninguém tentou conservar um alimento que se vai consumir no próprio dia, ele está naturalmente conservado. E o pão aqui não é sujeito a análises químicas rigorosas, com senhores de bata branca a inspecionarem. Nada disso. É feito por padeiros! Vejam lá ao que isto chegou, o pão moçambicano é feito por padeiros! Sim, esses de camisolas de mangas cavas que passam a noite acordados e se deitam de manhã! Ora, ninguém vem controlar o tamanho do pão, nem o peso, nem a cor, nem a textura nem que químicos deve levar para ser mais seguro o consumo no interesse do próprio consumidor. Enfim, o pão que o africano amassou é genuíno, é verdadeiro, é simples como as coisas simples, come-se por gula só com manteiga, é fofinho, tem miolinho, e leva só o que é preciso para fazer pão. E querem os amigos leitores rir-se? Sendo Maputo uma cidade caríssima, onde quase tudo custa os olhos da cara, um desses pães, papo-seco chamado, pesado, enorme, a saber mesmo a pãozinho, um desses que no fim de comer só apetece comer outro, custa 3 meticais que é mais ou menos, 8 cêntimos de 1€.

Isto leva-me a pensar que, às vezes, na ânsia de melhorarmos, de fazermos mais e mais seguro, nós acabamos criando novas necessidades, novos e desnecessários custos para o utente que são nichos de mercado para quem se aproveita disso e acabamos estragando tudo. 

E agora, caros leitores, se me dão licença, vou-me retirar ali para a cozinha a ver se faço uma sandocha deliciosa. Lá fora, chove, cá dentro, haverá café quente e pão com manteiga. Simples, não?
jpv


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Fé Nua

Fé Nua

Vi-te emergir
Nua
Para a praia
Da deusa
A que rezavas.
E com essa tua nudez,
Ao mundo oferecida,
Não me incomodavas.
Tinhas o santo encanto
De quem sabe
E vive na fé,
De que o mundo é mais
Do aquilo que se vê.
Vinhas luzindo pureza
Sem mácula
Nem vergonha.
Um sorriso por auréola
E a firme e certa certeza
Da alma limpa
E o corpo preparado
Para a vida
E para a morte.
Quem dera
A sorte
Dessa cega fé,
A mesma que nos derruba
A mesma que nos tem de pé.
Vinhas banhada de sal,
Mergulhada em crer,
E eu quase me converti
Só por te ver.

jpv