Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Crónicas de África – Mercados em Maputo

Mercados em Maputo

Maputo, 30 de outubro de 2012

Um dos atrativos desta cidade são os diversos mercados. Num sábado recente visitámos alguns destes locais. O Mercado do Pau, um dos mais famosos de Maputo, realiza-se ao sábado na zona baixa da cidade, mesmo quase junto ao mar. Trata-se de um mercado de artesanato onde se vende de quase tudo, mas onde, sem dúvida, a madeira esculpida é a oferta central e a mais interessante, nomeadamente, as peças em pau preto. Os preços são muito elevados, mesmo tendo em conta que são negociáveis. A fama que o Mercado do Pau atingiu começa a fazer elevar o que se pede pelas peças. É preciso saber negociar. Comprei uma peça por 400 meticais, e atenção que, se o vendedor vendeu, quer dizer que não perdeu, cujo valor inicialmente pedido foi de 1800 meticais. A dois passos dali, pode visitar-se o imponente largo da Estação dos Caminhos de Ferro. É um largo onde apetece ir só porque sim. Tem uma amplitude e uma beleza que merecem revisitações constantes.
Exatamente na mesma linha, ou seja, em torno do artesanato, há o Mercado da Praça dos Continuadores. Fica junto à Avenida Mao Tse Tung, a quantidade da oferta é muito superior à do mercado do pau e embora se perca um pouco aquele frenesim próprio dos mercados, ganha-se em tranquilidade na medida em que o mercado é feito numa enorme área ajardinada e até se pode beber um café ou comer uma refeição ligeira uma vez que estão aí a ser explorados alguns bares. Aqui, além do artesanato em madeira, há também uma imensa oferta de peças em batik (imagem ao lado. Clique para aumentar). São uns panos desenhados com tintas naturais e acabados com cera. Alguns são de extrema beleza.
Por volta das quatro da tarde começam as chegar as embarcações de pesca e ganha vida o Mercado do Peixe junto à Fotaleza. Aqui, é possível comprar camarão, lagosta, lulas e peixe variado a preços muito interessantes. Contudo, é preciso algum cuidado com a pesagem. No outro dia, comprámos 1 kg de camarão. Eu disse à vendedora que aquilo não tinha 1kg e ela respondeu, Tem sim, papá, olha aqui. E mostrou-me a balança onde estavam marcados 1,200kg. Cheguei a casa, pesei e o camarão tinha 800gr. É por isso que muita gente anda com pequenas balanças portáteis. Assim, confere as pesagens no local da venda. O camarão era muito bom e mesmo com menos 200gr não se pode dizer que fosse caro. Não pode mesmo.
Ainda assim, aquele que mais me atrai é o Mercado Central. O mercado tem de tudo e a oferta começa mesmo antes de se entrar. De resto, Maputo é um imenso mercado espalhado pelas suas ruas. Lá dentro, os corredores são muito estreitos, não chegam a ter um metro de largo. Quando duas pessoas passam uma pela outra têm de se tocar, mais precisamente, roçar uma na outra. Cruzámo-nos com uma senhora volumosa, muito volumosa que, à medida que avançava, ia arrastando toda a gente consigo e dizia, Eu não tenho culpa de ter nascido assim… Vende-se todo o tipo de legumes, frutas, especiarias, castanha de caju com os mais diversos condimentos, bebidas licorosas, piri-piri, artesanato, produtos de higiene e beleza, carne, drogarias, numa oferta imensa, metro a metro e a preços bem interessantes. Visitar este mercado é uma aventura e faz-se com entusiasmo, mas são necessários alguns cuidados. Como, de resto, em qualquer grande urbe. O básico é evitar a ostentação, trazer cópias da documentação em vez dos originais e andar só com o dinheiro necessário para a mercância. As pessoas são muito afáveis e calorosas e, tirando os truques de quem é negociante e vive disso, são absolutamente fiáveis.
Há na cidade outros mercados a aguardar visita, mas ainda não foi desta. A seu tempo…

jpv


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Crónicas de África – Coisas que Não Há em Maputo

Coisas que Não Há em Maputo

Maputo, 30 de outubro de 2012

São 7 horas da manhã. Levantei-me às 5:30 e estive a preparar aulas. Tenho agora um bocadinho para escrever-vos umas linhas que me andam atando um nó no cérebro até que saiam. Há coisas que, simplesmente, não há em Maputo.

Não Há Prisão de Ventre
Seja por via do peixinho comprado junto à fortaleza, das carnes adquiridas no Terra e Mar, da alface do Mercado Central, da água de lavar os dentes, da fruta nas vendas da rua, em Maputo, sobretudo se és europeu e acabado de chegar, não há prisão de ventre! Nem para os mais teimosos!

Não Há Pressa em Maputo
Bem podes procurar! Talvez um ou outro português te arranje um bocadinho de pressa, mas, na generalidade, Maputo, sendo uma grande urbe, é também uma pacata aldeia com filas de trânsito. E sem pressa!

Não Há Stress em Maputo
É uma clara consequência do item anterior. Esperar, num restaurante, uma hora ou mesmo hora e meia para ser servido, não é mau serviço, é um ritual encarado até como muito interessante para se por a conversa em dia. Claro que há um ou outro que exaspera. Deve ser o tal português que ainda tem pressa!

Não Há Falta de Casamentos em Maputo
Nos últimos tempos, em Portugal, encontrar um casamento é algo assinalável!  Quem é que tem a ousadia de se meter nisso?! Logo, a indústria casamenteira, como todo o país, está em crise. Em Maputo é ligeiramente diferente. Vejamos o seguinte: há aqui uma instituição do tipo Registo Civil que se dedica exclusivamente a casamentos. E os casamentos são tantos que já começa a haver celebrações à sexta-feira uma vez que os sábados e os domingos já estão totalmente requisitados. Se, num fim de semana, só viste dois casamentos, isso quer dizer que o passaste enfiado em casa e só saíste uma vez para ir ao pão. Se viste quatro, isso quer dizer que podes ter ido almoçar fora. Se deste uma volta pela cidade no sábado e no domingo, podes ter contado seis, oito ou mais eventos do tipo. O noivo dá um dote que inclui a festa da celebração e as roupas dos familiares chegados da noiva. É engraçado de ver porque as mulheres vão todas de igual e normalmente com roupas de cores muito exuberantes. O tipo endivida-se com a celebração, mas isso não é novidade.

Não Há Divórcios em Maputo
Quer dizer, entre os imigrantes há. Sobretudo porque alguns resolvem casar-se com moçambicanas! Mas entre os moçambicanos é um fenómeno raro e as razões são, sobretudo, duas. A primeira é porque uma pessoa não se casa para se divorciar! Pois, há por aqui um certo sentido de não desfazer o que já foi feito. A segunda é que o divórcio é um dos atos jurídicos mais caros de Moçambique. Custa mais do que um casamento. A consequência é óbvia…

Não Há Bancos Sem Fila em Maputo
Dão-se alvíssaras a quem encontrar o primeiro. Se fores o primeiro a chegar a um banco, logo pela manhã, e quiseres fazer um simples levantamento, isso é  rápido, demora 35 a 40 minutos. Qualquer ação num banco a meio da manhã é obra para 60 a 90 minutos. E as filas lá estão! Há muitos bancos em Maputo, uma vasta oferta de locais. Mas há muito mais gente. Reparei num pormenor curioso a este propósito. Em Maputo toda a gente, até os jovens, muito jovens, sempre que têm algum dinheiro, vão ao banco fazer depósitos. É uma espécie de culto da poupança. Isto parece contraditório com o espírito de um povo que vive para o presente, mas é um facto.

Não Há Um Único Lugar de Estacionamento Não Vigiado em Maputo
Chegas, estacionas o carro, seja no local mais concorrido da cidade, seja num ermo onde não está ninguém e vem chegando um jovem para ajudar a arrumar e ficar a “controlar”. Quando estás num local muito pacato e não vês ninguém à volta, até podes pensar, Aqui que dava jeito um “controlador”, não aparece nenhum. Engano teu. Quando desligas a ignição, ele vem chegando numa corridinha silenciosa, Quer que lave? Não, basta controlar. E fica controlado!

Espero não ter desconseguido interessar-vos e dar-vos mais umas luzes do que é a vida em África, nomeadamente, na capital moçambicana. Sim, esse verbo usa-se assim. E, a meu ver, usa-se muito bem. Se me tentares convencer do contrário, vais desconseguir!

jpv