Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Crónicas de África – Visita à Macaneta

Visita à Macaneta

Maputo, 31 de outubro de 2012

Num destes domingos, decidimos visitar a Macaneta. Digamos que é a praia mais próxima de Maputo onde, efetivamente, há condições para se desfrutar de um dia de praia. E o investimento foi bom. Sobretudo porque se revelou uma visita muito interessante em diversos aspetos, desde logo, a viagem em si. O tempo estava indeciso, mas isso não nos assustou. A Macaneta é uma língua de terra que, dum lado tem o rio Incomati e do outro o oceano Índico. Não se acede de carro. É preciso ir até Marracuene e atravessar o rio num ferry. Pelo menos, disseram-nos que era um ferry. Quando lá chegámos, não era. Mas isso pode esperar! A primeira decisão foi escolher a estrada. Ir pelo asfalto e demorar cerca de 15 minutos a chegar a Marracuene, ou ir pela estrada de terra e demorar… o que demorasse! Demorou cerca de duas horas a fazer 30Km. A viagem foi interessantíssima. Assistimos gradualmente à substituição do urbanismo pela ruralidade. A estrada é larga. Tão larga quanto os enormes “lagos” de lama que a atravessam totalmente e que é preciso passar, tão larga quanto as lombas que é necessário subir e descer. Ou nuns, ou noutras, ficou a nossa chapa de matrícula da frente! Pelo caminho, as mesmas assimetrias da cidade. Casas enormes e muito bem acabadas e outras muito pequeninas e humildes. Vendas de beira de estrada, cafés, pontos de venda de crédito para telemóvel, cabeleireiros e até um cibercafé. Mangueiras enormes carregadas de fruto, miúdos correndo pela estrada, pessoas dirigindo-se a um casamento que acontecia nesse dia, e, sobretudo, muita gente nos saudando só pela alegria de o fazer, Bom diiiia!, Bom diiiia! Demos boleia a uma senhora idosa que ia para a missa. Sou católica, disse ela como se fosse uma carta de apresentação. Agradeceu os quilómetros que poupou às pernas.

Marracuene é uma terra muito pequena, mas muito agradável. Tem um jardim bem simpático com uma vista fabulosa sobre o rio donde se podem ver os dois cais do ferry de ambos os lados do rio. Olhámos e não vimos o barco. Olha lá, tens a certeza que era nesta terra? É que se veem lá em baixo os cais, pessoas à espera do barco, movimento, mas não se vê o barco o que é esquisito porque a travessia deve ser aquela. Olha e se fôssemos lá ver? Vamos. E fomos. E não estava lá o barco, mas estava lá uma simples jangada a motor que, vista lá de cima, parecia a continuação do cais. Leva 6 carros de cada vez se dois deles forem com a frente de fora dos limites da embarcação. Nada de mais. Sigamos. E seguimos.

O primeiro impacto que sofremos na Macaneta foi o contacto com enormes manadas de vacas e uma fantástica diversidade de aves. Há pássaros exóticos para todos os gostos. Sobretudo na zona pantanosa junto ao rio. Uns pequeninos, muito amarelos e muito mexidos, uns pretos com o começo das asas em castanho fulvo, outros cinzentos, com as patas amarelas e muito altas, uns patos parecidos com mandarins mas muito mais escuros, garças brancas, cinzentas, corvos de gola e mais uma série de surpresas com penas. Pelo caminho, magotes de miúdos dançavam à beira da estrada à espera de uma moeda e uma vez no extremo da língua de terra, é possível fazer uma caminhada pela areia com o rio de um lado e o mar do outro. Aproximou-se um homem de mim. Trazia uma lagosta na mão e ofereceu-ma por 100 meticais (mais ou menos 2,70€). Eu recusei porque não tinha onde a por, mas a Paula gozou tanto comigo por ter recusado um negócio tão vantajoso que comprei a próxima que me ofereceram. Os homens e os rapazes usam umas embarcações estreitas, de varas atadas, levam pequenas redes e pescam poucas peças de cada vez. Saem do mar e vêm vendê-las na praia.
Depois, visitámos a ponta oposta da Macaneta e reparámos que estava repleta de lodges que exploram a tranquilidade, a beleza da paisagem e, claro, a presença do mar. Passámos por uma aldeia completamente erigida em casas de palha. As mulheres estavam trabalhando e os homens deitados pelo chão. Um deles viu-me com a camisola do Benfica e disse-me, Para aí para eu tirar uma foto. Ok, estás à vontade. Ele não está com meias medidas, saca de um iPad última geração, tira a foto e grita, Benfiiica! E pronto, é assim, esta terra, a cada esquina, um contraste.
No regresso, a jangada estava avariada. Parece que é comum. Era preciso um tubo qualquer e o “comandante” estava à espera que alguém lho trouxesse. Quando perguntei quem é que traria o tubo, ele foi muito claro, Ora, o primeiro que aparecer e trouxer um pedaço de tubo! Até me arrepiei, mas o certo é que dez minutos depois apareceu um sul africano com uma pick up e por acaso tinha um pedaço de tubo daquela largura. Serrou-se à medida e já está. Viemos pelo asfalto e almoçámos num local que é uma espécie de jardim interior de uma casa onde há umas cabanas e cada uma delas tem uma mesa onde se pode almoçar. Tirando a demora, acho que foram caçar o frango para o matar e para o assar depois, correu tudo bem…
A Macaneta vale a pena, sobretudo pelas aves e pela zona onde se pode caminhar com água doce de um lado e o mar a bater do outro. Mais um contraste, na terra deles…
jpv


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Crónicas de África – Mercados em Maputo

Mercados em Maputo

Maputo, 30 de outubro de 2012

Um dos atrativos desta cidade são os diversos mercados. Num sábado recente visitámos alguns destes locais. O Mercado do Pau, um dos mais famosos de Maputo, realiza-se ao sábado na zona baixa da cidade, mesmo quase junto ao mar. Trata-se de um mercado de artesanato onde se vende de quase tudo, mas onde, sem dúvida, a madeira esculpida é a oferta central e a mais interessante, nomeadamente, as peças em pau preto. Os preços são muito elevados, mesmo tendo em conta que são negociáveis. A fama que o Mercado do Pau atingiu começa a fazer elevar o que se pede pelas peças. É preciso saber negociar. Comprei uma peça por 400 meticais, e atenção que, se o vendedor vendeu, quer dizer que não perdeu, cujo valor inicialmente pedido foi de 1800 meticais. A dois passos dali, pode visitar-se o imponente largo da Estação dos Caminhos de Ferro. É um largo onde apetece ir só porque sim. Tem uma amplitude e uma beleza que merecem revisitações constantes.
Exatamente na mesma linha, ou seja, em torno do artesanato, há o Mercado da Praça dos Continuadores. Fica junto à Avenida Mao Tse Tung, a quantidade da oferta é muito superior à do mercado do pau e embora se perca um pouco aquele frenesim próprio dos mercados, ganha-se em tranquilidade na medida em que o mercado é feito numa enorme área ajardinada e até se pode beber um café ou comer uma refeição ligeira uma vez que estão aí a ser explorados alguns bares. Aqui, além do artesanato em madeira, há também uma imensa oferta de peças em batik (imagem ao lado. Clique para aumentar). São uns panos desenhados com tintas naturais e acabados com cera. Alguns são de extrema beleza.
Por volta das quatro da tarde começam as chegar as embarcações de pesca e ganha vida o Mercado do Peixe junto à Fotaleza. Aqui, é possível comprar camarão, lagosta, lulas e peixe variado a preços muito interessantes. Contudo, é preciso algum cuidado com a pesagem. No outro dia, comprámos 1 kg de camarão. Eu disse à vendedora que aquilo não tinha 1kg e ela respondeu, Tem sim, papá, olha aqui. E mostrou-me a balança onde estavam marcados 1,200kg. Cheguei a casa, pesei e o camarão tinha 800gr. É por isso que muita gente anda com pequenas balanças portáteis. Assim, confere as pesagens no local da venda. O camarão era muito bom e mesmo com menos 200gr não se pode dizer que fosse caro. Não pode mesmo.
Ainda assim, aquele que mais me atrai é o Mercado Central. O mercado tem de tudo e a oferta começa mesmo antes de se entrar. De resto, Maputo é um imenso mercado espalhado pelas suas ruas. Lá dentro, os corredores são muito estreitos, não chegam a ter um metro de largo. Quando duas pessoas passam uma pela outra têm de se tocar, mais precisamente, roçar uma na outra. Cruzámo-nos com uma senhora volumosa, muito volumosa que, à medida que avançava, ia arrastando toda a gente consigo e dizia, Eu não tenho culpa de ter nascido assim… Vende-se todo o tipo de legumes, frutas, especiarias, castanha de caju com os mais diversos condimentos, bebidas licorosas, piri-piri, artesanato, produtos de higiene e beleza, carne, drogarias, numa oferta imensa, metro a metro e a preços bem interessantes. Visitar este mercado é uma aventura e faz-se com entusiasmo, mas são necessários alguns cuidados. Como, de resto, em qualquer grande urbe. O básico é evitar a ostentação, trazer cópias da documentação em vez dos originais e andar só com o dinheiro necessário para a mercância. As pessoas são muito afáveis e calorosas e, tirando os truques de quem é negociante e vive disso, são absolutamente fiáveis.
Há na cidade outros mercados a aguardar visita, mas ainda não foi desta. A seu tempo…

jpv


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Crónicas de África – Coisas que Não Há em Maputo

Coisas que Não Há em Maputo

Maputo, 30 de outubro de 2012

São 7 horas da manhã. Levantei-me às 5:30 e estive a preparar aulas. Tenho agora um bocadinho para escrever-vos umas linhas que me andam atando um nó no cérebro até que saiam. Há coisas que, simplesmente, não há em Maputo.

Não Há Prisão de Ventre
Seja por via do peixinho comprado junto à fortaleza, das carnes adquiridas no Terra e Mar, da alface do Mercado Central, da água de lavar os dentes, da fruta nas vendas da rua, em Maputo, sobretudo se és europeu e acabado de chegar, não há prisão de ventre! Nem para os mais teimosos!

Não Há Pressa em Maputo
Bem podes procurar! Talvez um ou outro português te arranje um bocadinho de pressa, mas, na generalidade, Maputo, sendo uma grande urbe, é também uma pacata aldeia com filas de trânsito. E sem pressa!

Não Há Stress em Maputo
É uma clara consequência do item anterior. Esperar, num restaurante, uma hora ou mesmo hora e meia para ser servido, não é mau serviço, é um ritual encarado até como muito interessante para se por a conversa em dia. Claro que há um ou outro que exaspera. Deve ser o tal português que ainda tem pressa!

Não Há Falta de Casamentos em Maputo
Nos últimos tempos, em Portugal, encontrar um casamento é algo assinalável!  Quem é que tem a ousadia de se meter nisso?! Logo, a indústria casamenteira, como todo o país, está em crise. Em Maputo é ligeiramente diferente. Vejamos o seguinte: há aqui uma instituição do tipo Registo Civil que se dedica exclusivamente a casamentos. E os casamentos são tantos que já começa a haver celebrações à sexta-feira uma vez que os sábados e os domingos já estão totalmente requisitados. Se, num fim de semana, só viste dois casamentos, isso quer dizer que o passaste enfiado em casa e só saíste uma vez para ir ao pão. Se viste quatro, isso quer dizer que podes ter ido almoçar fora. Se deste uma volta pela cidade no sábado e no domingo, podes ter contado seis, oito ou mais eventos do tipo. O noivo dá um dote que inclui a festa da celebração e as roupas dos familiares chegados da noiva. É engraçado de ver porque as mulheres vão todas de igual e normalmente com roupas de cores muito exuberantes. O tipo endivida-se com a celebração, mas isso não é novidade.

Não Há Divórcios em Maputo
Quer dizer, entre os imigrantes há. Sobretudo porque alguns resolvem casar-se com moçambicanas! Mas entre os moçambicanos é um fenómeno raro e as razões são, sobretudo, duas. A primeira é porque uma pessoa não se casa para se divorciar! Pois, há por aqui um certo sentido de não desfazer o que já foi feito. A segunda é que o divórcio é um dos atos jurídicos mais caros de Moçambique. Custa mais do que um casamento. A consequência é óbvia…

Não Há Bancos Sem Fila em Maputo
Dão-se alvíssaras a quem encontrar o primeiro. Se fores o primeiro a chegar a um banco, logo pela manhã, e quiseres fazer um simples levantamento, isso é  rápido, demora 35 a 40 minutos. Qualquer ação num banco a meio da manhã é obra para 60 a 90 minutos. E as filas lá estão! Há muitos bancos em Maputo, uma vasta oferta de locais. Mas há muito mais gente. Reparei num pormenor curioso a este propósito. Em Maputo toda a gente, até os jovens, muito jovens, sempre que têm algum dinheiro, vão ao banco fazer depósitos. É uma espécie de culto da poupança. Isto parece contraditório com o espírito de um povo que vive para o presente, mas é um facto.

Não Há Um Único Lugar de Estacionamento Não Vigiado em Maputo
Chegas, estacionas o carro, seja no local mais concorrido da cidade, seja num ermo onde não está ninguém e vem chegando um jovem para ajudar a arrumar e ficar a “controlar”. Quando estás num local muito pacato e não vês ninguém à volta, até podes pensar, Aqui que dava jeito um “controlador”, não aparece nenhum. Engano teu. Quando desligas a ignição, ele vem chegando numa corridinha silenciosa, Quer que lave? Não, basta controlar. E fica controlado!

Espero não ter desconseguido interessar-vos e dar-vos mais umas luzes do que é a vida em África, nomeadamente, na capital moçambicana. Sim, esse verbo usa-se assim. E, a meu ver, usa-se muito bem. Se me tentares convencer do contrário, vais desconseguir!

jpv


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Pedido de Desculpas

Contra o que é habitual, a crónica que publiquei ontem, independentemente do valor que possa ter, tinha demasiadas gralhas. E é por isso que venho pedir-vos desculpa.

A verdade é que sei a apetência que os leitores têm demonstrado por estas crónicas e sabia também que, por motivos de trabalho, já há alguns dias que não publicava nada. Logo, em vez das três revisões habituais, só fiz uma, para além de que fiz a publicação já muito tarde e depois de um dia muito intenso no trabalho. Ora, o resultado foi o que se viu.


Entretanto está tudo corrigido, claro.


Obrigado.

jpv


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Crónicas de África – Outras Coisas do Quotidiano

Outras Coisas do Quotidiano

Maputo, 27 de outubro de 2012

É natural que, quando chegamos a um local desconhecido, seja de visita, seja em trabalho, tenhamos um olhar mais luminoso e complacente por não termos experimentado as rotinas e as agruras do mesmo. Eu penso que tenho, nos dias que correm, esse olhar em relação a Maputo. Parece-me, contudo, que não é uma perspetiva menos válida. É a perspetiva do momento e, por isso mesmo, para que se rememore mais adiante na linha dos dias passados, importa registá-la aqui.

Miúdos na Rua
Há nesta cidade um delicioso pormenor de que me não lembrava de assistir desde criança. Miúdos na rua. Magotes deles correndo e brincando e empurrando-se e jogando a bola na estrada, pelas ruas menos movimentadas, e em brincadeiras entusiasmadas pelos quintais, nas traseiras das casas. Não me refiro a crianças na escola, ou em família, ou numa festa de um amigo. Falo daquelas tardes infindáveis em que o tempo era todo nosso para o quisessemos e o que queríamos era brincar e crescer juntos. Essa liberdade primeira e genuína perde-se com o tempo e, em algumas sociedades, morre sufocada em regras. Em Maputo há uma música vespertina que nos embala à hora do lanche: os miúdos em correrias e gritarias entusiasmadas pela brincadeira. Sem esquemas de segurança, nem pessoas a guardá-los, nem escolas a prendê-los para serem livres. Só miúdos. Na rua.

O Chão
Um outro aspeto muito interessante que, curiosamente, me transporta também para a minha meninice, é a relação dos moçambicanos com o chão. É curioso que, em Portugal, e não só, há uma estratégia pedagógica no ensino pré-escolar a que convencionou chamar-se “tapete”. E, nesse momento, educadoras e crianças estão ao mesmo nível. O do chão. Mas é só aí. No resto do nosso quotidiano, parecemos querer erguer-nos acima do chão. Ora, os moçambicanos não parecem ter essa veleidade e interiorizaram que o chão é mais do que a casa dos nossos pés. É a casa da nossa vida. Sentam-se no chão para venderem o que tiverem para vender, sentam-se no chão esperando uns pelos outros, sentam-se no chão para descansar, e, no merecido intervalo do almoço, deitam-se no chão. É comum ver homens deitados no chão junto à sua venda ou no intervalo do trabalho ou no fim de um excesso de cerveja. Não se escondem. Num relvado, num passeio, às vezes com os pés na estrada, outras vezes com o corpo semi-coberto por um carro estacionado, entregam-no à terra, ao cimento, à pedra, à relva, à erva, a qualquer que seja a cobertura e esperam, descansam, dormem… Talvez seja uma vida chã. Talvez seja a consciência intuída de que o chão é o céu dos homens. Talvez seja uma sábia perceção de que é esse o nosso lugar. Não sei exatamente o que é. Mas sei que se sentem à vontade no chão.

Armas na Cidade
Viver em Maputo é também aprendermos a interiorizar a presença das armas. A cidade está repleta de armas de fogo pesadas. Nada daquelas pistolinhas de trazer à cintura como usam as forças de segurança em Portugal. Na capital moçambicana, seja um militar, seja um polícia municipal, seja um segurança de um banco, ou mesmo de um hipermercado, os agentes da autoridade e da segurança estão sempre armados com armas de canos serrados ou com espingardas de cano longo ou ainda com metralhadoras. Ao princípio estranhamos um arsenal tão pesado a cada esquina, a cada porta, depois vamo-nos habituando a conviver com ele e já não estranhamos quando alguém nos pede os documentos e traz ao colo uma arma pesada, capaz de estragos significativos.

Modernices
Já aqui tenho contado, a propósito das assimetrias desta cidade, alguns pormenores de tecnologia avançada a ser utilizada em Maputo. Um dos bancos locais está agora a lançar um produto muito interessante. Chama-se Conta Móvel e consiste na substituição do cartão de débito pelo telemóvel. Uma vez feita a ativação da Conta Móvel pela primeira vez, pode transferir-se dinheiro para o telemóvel. Depois, numa máquina ATM, insere-se o número do dito telemóvel, o PIN de segurança e já está, pode levantar-se o dinheirinho. Dá jeito para quando nos esquecemos do cartão e para ter o dinheiro distribuído por diversos meios de acesso, não vá o diabo tecê-las! Modernices…

IDE

Hoje foi o dia do IDE. Trata-se de uma festa religiosa muçulmana que assinala, salvo erro, o fim da peregrinação a Meca. É um momento de alegria e agradecimento. O interessante é que o IDE é universal, ou seja, é celebrado por muçulmanos em todo o mundo. Em Portugal, naturalmente, quase não dou por esta celebração, mas estas são terras com cheiro a Oriente e com uma forte multiculturalidade. Tão forte, que foi decretada, pelo Governo, tolerância de ponto para os trabalhadores muçulmanos. E, também na escola, se sentiu a ausência de uma parte da nossa comunidade de aprendentes, os alunos que estavam celebrando o IDE.


O quotidiano, em Maputo, é diferente, mas não é diferente por uma grande razão, é diferente por todas estas que se juntam e fazem da vida aqui um passar do tempo bailado ao som das brincadeiras dos miúdos.
jpv


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Divulgar

Francisco Máximo Carvalho é um colega de trabalho visivelmente apaixonado e entusiasmado com, pelo menos, duas coisas na vida: África e a Fotografia.

Por isso se tem dedicado a conhecer este continente e por isso publicou a obra que agora se divulga e que se pode consultar e adquirir em http://www.blurb.com/books/3356453


Caros leitores e amigos, sugiro uma visita ao site do livro com a garantia de que não se arrependerão!


Um abraço,
jpv


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Geografia da Alma

(Imagem de Telma Moreira, aqui)

Geografia da Alma

Não peças
O que não tenho
Para dar-te.
Não queiras
O desenho
Que não sei desenhar-te.
Não sintas
Por mim
Esses sentimentos
Que são teus.
Não procures nos teus meandros
Os meandros meus.
Não me guies os passos,
Não me estendas os braços,
Generosos e oferecidos.
Quanto mais os estendes,
Mais os meus se sentem perdidos.

Não sejas a minha luz,
Nem a mão que me conduz,
Não sejas para mim nada.
Apenas a suave alvorada,
A alma
Pela minh’ alma amada.
Não queiras o meu espaço.
Oferece-me, só,
O teu regaço
E recebe nele a minha entrega.

jpv


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A Paixão de Madalena – Um cheirinho do próximo capítulo

“O Criador mandou-nos a este mundo e desde que chegamos até que partimos andamos contando o tempo que por cá estamos como se fossemos todos iguais, sendo certo que o somos à partida e à chegada deixando pelo meio o rasto das nossas diferenças.”
João Paulo Videira
In “A Paixão de Madalena”, cap. 5.
A publicar brevemente neste blogue.


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Crónicas de África – Mais Coisas do Quotidiano

Mais Coisas do Quotidiano

Maputo, 22 de outubro de 2012

Hei de
Eu não sei como é que os moçambicanos escrevem a terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo haver, se hei-de, à moda antiga, se hei de, à modinha, mas sei que usam esta expressão com muita frequência e significados diferentes consoante o verbo que lhe juntarem. É impossível passar um dia em Maputo sem nos cruzarmos com o hei de. Por exemplo, se perguntarmos a alguém, Fazes-me isso? Ele pode responder hei de fazer ou hei de ver. Se disser hei de fazer, isso quer dizer que já decidiu fazer, só não se sabe quando fará. Se responder hei de ver, isso quer dizer que ele ainda há de decidir se vai fazer e só depois há de fazer. Da mesma forma, se perguntarmos a alguém, Mas vens ou não vens?, ele pode responder hei de vir ou hei de chegar. Hei de chegar é bom sinal, quer dizer que está a caminho, vai demorar cerca de uma hora, sejamos otimistas. Se ele disser hei de vir, a coisa é complicada, ele sabe que virá, mas não tem a certeza quando. Nestes casos, pode-se esperar duas a quatro horas, um dia, ou várias semanas. Mas virá! Um canalizador disse-me há três semanas hei de vir e ainda não veio. Parece que vem hoje!

Estou a chegar
Os moçambicanos são deliciosamente perifrásticos. É quase como se dizer um sim ou um não diretos fosse demasiado brusco e pudesse chocar ou ofender o interlocutor. Assim, se nos disserem, Assim não há de ser, quer dizer que não vai acontecer, façam-se os esforços que se fizerem, o solicitado está para além da capacidade de realização de quem disse a frase. O pior mesmo é quando aparece o verbo estar como auxiliar. Por exemplo, se alguém nos disser, Estou a chegar, que é para mim a mais emblemática das expressões que usam o verbo estar como auxiliar, isso não quer dizer que ele está a chegar, isso só quer dizer que o processo da chegada dele está em curso. Ora, daí até o vermos podem distar medidas de tempo diversas, minutos, horas, dias, semanas… Outro exemplo interessante é o Estou a ir lá. Se pedimos a alguém um serviço que implica ir a algum lado e ele diz essa frase, isso não quer dizer que ele já está a caminho, só quer dizer que decidiu ir. Quando irá é outra conversa… Quando é que se deve ter medo? É simples, se ouvirem alguém dizer-vos a frase Tem problema, fujam e procurem outra solução. Vocês não querem entrar nesse problema e a razão é simples: não tem saída!

Bom Descanso
Esta é uma frase deliciosa. Em Moçambique preza-se muito o descanso, não só o próprio como o dos outros. Assim, no final de um dia ou de uma semana, ninguém diz Até amanhã porque isso é estar a invocar o dia seguinte passando por cima de um momento crucial, o descanso. O mesmo com o final de semana. Ouve-se dizer Bom fim-de-semana, mas é muito mais comum e agradável ouvir dizer Bom Descanso! As pessoas sabem que vamos descansar e querem que isso corra bem. 

Dar sinal
Não é avançar com uma porção de dinheiro para garantir um serviço! Se alguém nos diz, Vou-te dar sinal, quer dizer que, à hora combinada, vai-te dar um toque de telemóvel e desligar para tu ligares de volta. Isto quer dizer que ele não tem saldo ou decidiu que tu tens mais saldo do que ele!

Dá-me crédito
Esta é uma expressão muito engraçada porque não quer dizer nada do que a frase expressa. Em primeiro lugar, nesta frase o dá-me não está a pedir que o outro dê algo, mas sim que venda. E o crédito não é confiança, nem é bancário, é somente uns minutos de telefone. Assim, quando se quer comprar uns minutos de telefone, abordamos o vendedor de rua, devidamente identificado por um colete da companhia telefónica de que somos clientes, e dizemos, Dá-me crédito, e ele vende-nos uma raspadinha com n meticais de chamadas!

Humidade
Para além do calor, que é uma constante, a humidade relativa do ar é sempre muito elevada em Maputo. Ontem estiveram cerca de 30ºc, mas a humidade do ar esteve nos 98%, ou seja, passei o dia inteiro a suar mesmo quando não estava a fazer nada. A pele fica hidratada e escorregadia como se tivessemos um creme gordo posto. O exmplo mais engraçado que posso dar-vos acerca da humidade do ar em Maputo tem a ver com o papel da impressora. Seja dia de sol ou chuva o papel está sempre húmido ao tato e se o deixamos no tabuleiro da impressora fica deformado porque, devido à humidade, não se tem direito.

Autorrádio
Agora escreve-se assim. O meu, como já referi antes, vinha com o carro que veio do Japão por mão de um paquistanês que só falava inglês e mo vendeu, a mim, que nasci em África e sou português. Ora, os japoneses não querem saber disso para nada e mandaram o livro de instruções em japonês. Isso e o painel do autorrádio que, como se vê pela imagem, é muito fácil de utilizar. Tem lá tudo escrito! 

E por hoje é tudo. Se estiverem a gostar destas crónicas, não se preocupem, hei de fazer mais!

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Painel do meu autorrádio: Está simples de ver!


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Crónicas de África – Rápido e Intenso

Rápido e Intenso

Maputo, 19 de outubro de 2012

Quando vos escrevo, ainda se veem os relâmpagos ao longe, já envergonhados, e os trovões são só um sobressalto distante. Chove pouco. Nem parece que há poucos minutos esteve aqui o inferno.

O dia foi cansativo, muito trabalhos, algumas mudanças para gerir e o nosso corpo vinha pedindo tréguas, a cabeça cansada e muita fome. A Paula sugeriu um franguinho no Piri-Piri. Bora lá! Quando saímos do carro, a noite estava quente, um calor noturno a rondar os 30º. E havia no ar uma humidade que se sentia na pele. O vento não se mostrava. Era, por isso, uma noite calma, quente e húmida. Ficámos na esplanada e quando já estávamos a acabar a refeição, levantou-se um vento forte e repentino de fazer voar os guardanapos de papel, levantar as toalhas das mesas, as saias das senhoras que se seguravam a elas como podiam, os cabelos desalinhados, folhas pelo ar e súbito uma bátega de água forte e certa. Pagámos e fugimos para casa. Assim que chegámos, o céu rebentou num clamor de assustar. Os relâmpagos eram tantos que não acabavam uns para logo se verem os flashes dos outros, nem eram a seguir uns aos outros, eram em simultâneo. E, sobretudo, eram de uma claridade intensa e muito próxima. Os trovões eram mais espaçados, mas de uma força assustadora, tudo parecia tremer e alguns quase faziam acreditar que o céu se estava a rasgar, tal a a intensidade e a proximidade do som. A chuva continuou certa e encheu as ruas. Subiu do chão um profundo e inconfundível cheiro a terra molhada. E tudo isto demorou meia hora. Agora, restam só resquícios longínquos do poder que há pouco se mostrou sobre Maputo. Rápido e intenso. Durante a tempestade o R. ligou-me. Também está a chover aí? Sim, bastante, isto é forte! Forte? Ainda não viste forte. Isto é médio!

———————-jpv———————-