Lá vai julho e agosto,
Lá vão estes dois meses.
Vai-se embora o meu amor
Com quem eu falava às vezes.
Monthly Archives: Setembro 2012
Crónicas de África – Antes de África
Zibreira, 12 de setembro de 2012.
Pois, não é lá muito normal escrever uma crónica de África na Zibreira. Acontece que, bem vistas as coisas, a vida não é nada normal. Apresenta-se como se apresenta e nós, depois, na nossa pequenez, fazemos os juízos de valor e até inventamos conceitos impossíveis. Como o da normalidade, por exemplo.
Amanhã parto para África. Isto tem matizes diversos. Eu nasci em África, vivi lá oito anos, regressei há trinta e seis e amanhã é o dia de regressar. Este é um matizado especial. Um outro é a expectativa que familiares, amigos e colegas de lá têm manifestado. Toda a gente quer ajudar. Ainda não fui, mas os ventos africanos parecem já estar entrando na minha vida. E fazem promessas bonitas, Vem, vem, vais adorar, Isto aqui é a tua cara, Não precisas trazer boa disposição, há cá muita… assim se cumpram. E há um matiz de entusiasmo, as roupas pela cama, as malas abertas comendo o conteúdo e barrigudas de demasiado cheias, abri-las e deixar ficar aquilo que não era tão essencial assim, os alunos esperando. Dar aulas é sempre dar aulas, milagre ímpar, mas antecipo que o facto de serem outras terras e outras gentes traz também suas mudanças e suas aprendizagens e, claro, isso entusiasma. É um fervilhar de emoções…
E há tristeza. Lágrimas incontidas na noite. A mãe que fica, a mana, sim a deste blogue, a cunhada e o cunhado, os sogros, os tios, os primos, os amigos, a nossa casa, nosso lar, e essa falta, esse peso no peito que é deixar o menino para trás. O menino tem vinte e dois anos, feitos ontem, é um homem, o menino. Mas, se fosse ele a partir, acho que não me doía tanto. É natural os filhos buscarem vida. Partir eu e deixá-lo para trás implica dúvidas e dor e saudade antecipada. Espero que essa África de coração grande ajude a sarar estas feridas que agora se abrem.
Mas esse continente já se anuncia na nossa vida. E tens de ir não sei onde, E vais fazer não sei quê, E vais adorar isto e aquilo, E os dias são assado, E as chuvas, As estações, E o peixe, e as gentes que são maravilhosas… Sim… Essa África lá longe, hoje, e já tão perto aqui… Essa África de antes de África anda-me entusiasmando, só faltou levar o menino…
A Paixão de Madalena – Ponto de Situação
O Nosso 11 de Setembro
Com altos e baixos, com certezas e dúvidas, com alegrias e tristezas, com regozijo e dor, hoje fazemos 24 anos de casados… e acresce a isso o facto de o nosso filho fazer 22 anos de vida. Efetivamente, o rapaz resolveu nascer no mesmo mês, no mesmo dia e, imaginem a pontaria, à mesma hora em que tínhamos casado dois anos antes.
Assim, o nosso 11 de setembro é de alegria, é de vida e júbilo e, se é importante para nós o marco do casamento, sem dúvida que a presença do nosso filho ofusca tudo o resto.
Costuma dizer-se que os pais só têm olhos para os filhos. Acho que é mais do que isso. É só ter bons olhos. É sentir a nossa vida suspensa a cada decisão deles. É protegê-los, guardá-los e guiá-los para depois os ver partir como se nunca nos tivessem sido nada. Esse desprendimento, esse reconhecimento de liberdade e autonomia a quem amamos mais do que a nós próprios é o verdadeiro amor!
Não nos interessa muito o que o nosso filho é ou possa vir a ser. Não nos interessa muito o que ele possa vir a realizar. Para nós, a única coisa que realmente interessa é que ele é nosso filho e, faça o que fizer, será sempre entendido, valorizado, relativizado, percebido como uma centelha de perfeição no Universo. Quem não sentir este aperto no estômago, quem não depender dessa vida terceira, quem não souber abrir mão daquilo que mais ama, não é verdadeiramente pai, nem mãe.
Quem me conhece, sabe que sou um homem de múltiplas facetas e realizações e posso dizer, aos 44 anos, que já fiz de quase tudo. Pois, amigos, olhando para trás, a única coisa de que me orgulho 100% e sem qualquer reserva, não sou eu. É essa fantástica criatura que me tem cativo, como cativa tem sua mãe: o nosso filho. Melhor do que todos os outros como todos os outros, para seus pais, serão melhores do que ele, e se assim não fosse, não estaria correto.
Parabéns filho!
jp/ap
Poema da Mudança de AC

Poema da Mudança de AC
Estás na idade
Em que se define
A tua figura fina.
Anuncia-se a mulher,
Despede-se a menina.
Ondulados, os cabelos,
Como numa estátua helénica,
O sorriso cândido,
O olhar melancólico
E a pose fotogénica.
Finda o tempo
Da menina que anda,
Começam os dias
Da mulher que caminha
E se insinua
Só com o passar.
Estás na fase de ser senhorinha…
Para nós, sabes como é,
Mude o que mudar,
Veremos sempre a bebé.
Mas vive, já,
Nos teus gestos
E na tua presença,
O porte que dita
A sentença
Da perseguição.
Olham-te com volúpia
Os mancebos e os homens,
Teu pai senta-se à porta de casa
Com a caçadeira na mão!
E tudo isto
Me conta uma história,
Ainda que guarde na memória
Quem foste,
Eu já não o sou.
Passou por mim o tempo
Que te esculpiu
E me desgastou.
O mesmo espelho
Que te reflete mulher
Mostra-me velho.
E a única glória
É ver na minha morte
A tua vitória.
Nenhum homem
Comanda o tempo.
Nenhum homem,
Faça o que fizer,
Fica isento
À mudança de uma menina
Para mulher.
jpv
Poema Escrito com os Pés dentro de Água

Poema Escrito com os Pés dentro de Água
O mar
Persiste
Em regurgitar
A clara
E límpida ideia.
Essa falua
De sonhos e imaginários
Batendo contra a rocha
E mostrando, exposta,
A luz e seus contrários.
E a escuma rebrilhando
Multiplica os brancos
Na água dançando.
Presa estava a alma
Do poeta,
E agora vive liberta
E voa
Na água ondulante
Prenhe de vida
E sal.
Passa a moça
Em seu biquíni sensual
E o poeta não a vê,
Bronzeada,
Porque nesse exato
Momento
Tem a alma lavada.
E o mar persiste em seu vai-e-vem,
E o poeta vê como ninguém
A clara e límpida ideia:
A vida é uma imensa teia
E não há coisa nenhuma
Que se não lave
Com a ondulante
E branca escuma.
jpv
Seara
Seara
No andar,
A força da terra.
No olhar,
O espanto do céu.
Na mente,
O sonho de luz.
Nas mãos,
Pouco de seu.
Na voz,
A melodia do amanhecer.
No peito,
A vontade de viver.
Em cada dia,
Um gesto certo
E outro impreciso.
A ciência antiga
Nas coisas simples
E nas complexas.
No ventre,
O calor da seara por ceifar.
Um grito contido
No pecado do prazer.
Escapa-se um gemido
Na hora de acontecer
Vida.
Prometida.
Em teu seio de acolher.
jpv
Crónicas de Maledicência – Eu quero de volta as Matronas
Caros leitores e amigos,
Não sei se gastam tempo com estas observações e reflexões de alto teor intelectual e sociológico, também conhecidas pelo nome técnico de “parvoíces sem jeito nenhum”, mas eu gasto e sinto-me realizado com isso. Ultimamente tenho reparado nas recém-mamãs, aquelas senhoras que ainda estão na fase pós-parto e que, a bem dizer, deveriam estar deprimidas e cheias de olheiras, e que vejo eu? Vejo que a única coisa que têm em comum com a antiga matrona portuguesa, é estarem a empurrar um carrinho com um ou mais bebés. Tudo o resto mudou. A mãe dos dias de hoje tem as pernas bem feitas, o rabo firme e bem colocado, os seios hirtos a fazer inveja às solteiras, a barriguinha musculada e com aquelas covinhas dos lados, usa vestidinhos de malha agarradinhos ao corpo e nota-se claramente que a lingerie é diminuta, ou então calças justas de cós baixo com o ventre ali a saltitar à nossa frente, o cabelo brilha lustroso e luminoso e fazem os homens retorcerem-se todos a olharem para trás e garanto-vos que não é para ver as belas das criancinhas. Tem um ar jovem e fresco, deslocam-se com elegância e falam pausadamente e em tom sereno como se não carregassem o fardo da educação, a responsabilidade de cuidar de uma vida, e nada nelas transparece sacrifício. Enfim, quase nada. A verdade é que deve ser um sacrifício aturar o tipo barrigudo que segue atrás dela com um pólo Ralph Loren de imitação, uns calções, chinelos de enfiar no dedo e um chapéu de palha na cabeça.
Sejamos claros, eu não me importo que haja mulheres assim, muito pelo contrário, são um regalo e um bem da Natureza. Só estava à espera que fossem solteiras e não mães de gémeos!
Crónicas de Maledicência – A Culpa não é Dele
Eu admito todas as dificuldades e faço todos os esforços, mas haja decoro! Haja respeito por quem tem de viver com dificuldades, por quem passa fome neste país, HOJE! Então mas aquilo é lá notícia? Para QUATRO dias?!
A Paixão de Madalena – Capítulo 2
A Paixão de Madalena
Livro I – A Paixão de Madalena
2. Há cidades que exercem sobre os seus habitantes e visitantes uma magia especial como se algo nos fosse familiar mesmo sendo a primeira vez que lá vamos, como se pairasse no ar certa nostalgia ou ainda como se houvesse a comunhão de um sentimento coletivo clara e facilmente identificável. Genebra tem esse sentimento. É a paz. A tranquilidade. Rodeada de montanhas cobertas por mantos brancos de neve, composta, na parte velha, de ruas estreitinhas e típicas, a cidade usufrui, sobretudo, da presença do imenso lago. É como se aquela água límpida, quase sem ondulação, sussurrando nas margens, transmitisse uma paz comum. Hoje em dia, o trânsito já se vai vendo caótico, sobretudo na travessia do lago, mas na década de noventa, quando Kyle Mckenzie aí vivia, o frenesim urbano era mínimo e Genebra podia descrever-se como uma aldeia grande. Estamos nos primeiros dias de outubro de 1994, o frio começa a fazer sentir-se, as nuvens de neve vão cercando as montanhas que, em breve, estarão brancas como véus de noiva. Já sabe bem um casaco de pele ou mesmo de penas. Sendo trágico perder-se uma vida humana, sempre que tal acontece, e aconteça com quem acontecer, mais trágico se torna quando a pessoa que deixará este mundo sabe o que vai passar-se. E Kyle sabe. Há vários anos que luta contra esta doença, fez os testes todos, fez todos os tratamentos, ganhou, perdeu, avançou para a vida e cedeu espaço à morte, mas hoje, neste preciso momento em que Madalena lhe segura a mão e lhe diz, Não partas, não podes partir, falta fazer uma coisa, pelo menos uma, quero ter um filho teu, nosso, tu sabes, Sim, eu sei, mas não posso já cumprir essa promessa, meu amor, acho que o meu tempo se esgotou, não sinto forças para continuar, também eu quis esse fruto do nosso amor, mas não foi possível, acho que os deuses nos invejaram, Kyle sabe que não sobreviverá a este ataque silencioso da doença. Como se houvesse formas diversas de conceção natural, Madalena cerra os dentes, fecha os olhos, leva a mão de Kyle ao seu ventre e deseja um filho dele, um filho do amor perfeito. Ele pressente a intenção, sorri levemente e murmura, Sempre uma sonhadora…
O último ano fora uma tortura. As dores, as perdas de consciência, as consequências devastadoras da quimioterapia. Tinha resistido bem nos últimos sete anos, tinha combatido de todas as formas possíveis, seguiu todos os conselhos e fez as experiências todas, até o xarope de aloé vera, o cato milagreiro, mas o facto é que a missão em África o fragilizara bastante e agora não lhe apetecia mais, não conseguia mais sobreviver. A morte havia vencido pelo cansaço. Não leva arrependimentos, exceto não ter dado a Madalena o filho que ambos desejavam. Com esforço e sofrimento, ainda tentara há um par de meses atrás, mas o seu amor, abençoado de tantas formas, parecia não ter colhido a bênção do Senhor naquela vontade.
Madalena passa-lhe uma mão pela face, vê-o muito fraco, completamente vulnerável e pressente, também ela, que o vai perder. As máquinas à sua volta fazem bips metálicos, mostram gráficos e de quando em vez cospem tiras de papel. O quarto está escurecido e não são permitidas visitas à exceção da mulher de Kyle. Ela beija-lhe as mãos e a face e a testa e repete mecanicamente, como se tivesse desaprendido todas as outras palavras, Meu amor, meu amor, meu amor…Nunca chorou junto a ele. Kyle era a fonte da alegria e da vontade de viver, não poderia, não quereria, trazer sinais de tristeza à sua beira. Foi quando saiu do hospital que Madalena explodiu num choro desesperado e convulso, caminhava sem destino a ver se a dor a perdia por entre o emaranhado das ruas, limpava as lágrimas com as mãos e continuava a chorar e a dar gargalhadas pelo meio do choro à medida que imagens da sua vida em conjunto lhe afloravam à memória. Às vezes, quando queria fazer amor com ela, Kyle brincava com a sua diferença de idades, Princesa, anda cá ao velhote, vamos ver se isto ainda funciona, e viam e acabavam mergulhando em carícias apaixonadas até a princesa e o velhote tombarem suados e exaustos. A própria cidade lhe parecia mais triste, menos amistosa, menos acolhedora. Só mais tarde perceberia, mas a verdade é que Madalena nunca viria a superar a perda de Kyle. Conhecera-o. Entusiasmara-se com ele. Aprendera com ele a ser mulher. Entregara-lhe a vida. Rira com ele. Chorara com ele. E agora ficava-lhe um vazio profundo no peito. Madalena perguntava-se se seria possível, se seria justo, se seria humano, conhecer o homem da sua vida, encontrar o amor dos amores e só poder desfrutá-lo durante sete anos. Poderiam sete anos valer uma vida inteira de paixão e de amor? Não compreendia porque teria de morrer o homem que lhe mostrara a vida, que lha entregara. No último ano, Kyle não se cansou de repetir, Princesa, não te preocupes, vais encontrar um homem melhor do que eu… e mais novo! Não sejas tonto, Kyle, não há dois homens como tu. Tu és como essa cerveja irlandesa que bebes como água, podem fazer outras, mas é na Guiness que está a essência. Ah, princesa, a Guiness! Essas garrafas fazem milagres! Kyle Mckenzie, comporte-se! Riram da partilha cúmplice e ambos souberam que Kyle a havia libertado. E ela percebeu que essa era só mais uma razão para nunca desprender-se dele.
Olhando a cena que agora presenciamos, podemos dizer sem grande risco de imprecisão que lá fora é Genebra e aqui dentro é Belfast. O lago adormecido e calmo exala tranquilidade. Está frio. O manto branco circundante da cidade cresce a cada noite que passa. É manhã, mas ainda muito escuro. Madalena está na cozinha, tem um café forte fumegando em cima da mesa, ao lado, scones que acabou de confecionar e está de frente para o fogão onde rebrilham tiras de baconfrito com ovos estrelados. Espremeu duas laranjas e juntou um pouco de água. Decidiu reviver sozinha todos os rituais que praticava com Kyle. Tem-no gravado na alma e no peito. Quer também incluí-lo nos seus gestos do dia-a-dia. Vai cantarolando “The Whole of the Moon” dos Waterboys e prepara-se para começar a comer. Algo aconteceu, contudo, que não tinha acontecido ainda. O odor perfumado do bacon e dos ovos, o aroma do café, tudo isto que, normalmente, lhe fazia crescer água na boca e comer com satisfação trouxe-lhe, súbito, um vómito. Correu à casa-de-banho e vomitou tudo o que tinha no estômago. Água. E pensou, Mas ainda nem sequer comecei a comer, deve ser a sugestão. E voltou à cozinha. Desta vez nem precisou sentir o cheiro da comida, assim que avistou ao longe os ovos, foi acometida de novos vómitos. Enfiou a cabeça na sanita e expeliu água. Colou os olhos na parede e gritou: Kyle!Pegou na carteira, desceu as escadas numa correria de saltar degraus, saiu para o frio com um braço no ar e a palavra a saltar-lhe dos lábios, Táxi! Táxi!Entrou na farmácia afogueada, com o peito cheio de esperança e medo e antecipação:
– Um teste de gravidez, por favor.
– Que idade tem a menina?
– A suficiente para estar grávida do meu amor.
– De acordo.
– Posso usar a casa-de-banho?
– Claro que sim, respondeu-lhe o farmacêutico perguntando a si mesmo que urgência poderia haver para saber uma jovem se estava grávida ou não. Se não estivesse, problema encerrado. Seria talvez o melhor. Se estivesse, nada poderia fazer agora se não esperar, marcar umas consultas, contar à família, ao pai e continuar a esperar. Pensou isto o farmacêutico porque desconhecia as aflições e as urgências de Madalena, as mesmas que o amável leitor já conhece.
A casa-de-banho era pequena, mas Madalena não precisava de mais. Um lavatório com um espelho por cima e a sanita onde está sentada. Lê apressadamente as instruções e inicia os procedimentos. Dois minutos mais tarde agarra na prova da sua satisfação e sai à rua com o teste de gravidez em punho gritando, pela segunda vez nessa manhã, Táxi! Táxi!
Depressa! Depressa! Repetia ela ao segundo taxista do dia. Entra no hospital com a roupa em desalinho e o peito em sobressalto, atravessa um corredor, sobe dois pisos de elevador, respira fundo, sai para outro corredor, dirige-se à ala de internamentos de oncologia, Deixem-me passar, preciso falar com Kyle Mckenzie, sou a mulher dele, deixem-me passar. Um enfermeiro segura-a, tenta acalmá-la, puxa-a para uma salinha e diz-lhe, Tenha calma, por favor, tenha calma, precisa ouvir-me. Ela pressente as piores notícias e grita, Ele morreu? O meu Kyle morreu? Não. O senhor Mckenzie não morreu ainda, mas temo que as notícias não sejam animadoras. Como assim? Deixe-me falar com ele. Eu deixo, mas ele não vai poder ouvi-la, há duas noites atrás, pouco depois da senhora sair, o senhor Mckenzie entrou em coma e nada indica que vá recuperar, infelizmente só os aparelhos de suporte de vida o mantêm entre nós. Madalena levanta-se, ignora as palavras e os avisos do enfermeiro, corre para o quarto, ajoelha-se junto à cama de Kyle e fala com ele entre lágrimas e soluços, Acorda, meu amor, acorda, acorda seu irlandês teimoso, vamos ser pais, conseguimos, conseguimos, ouve-me, Kyle, ouve a tua princesa, conseguiste, Kyle, conseguiste, ficará entre nós uma semente de ti, o fruto do nosso amor. Dizia estas palavras como que esperando que a maravilha da notícia o despertasse, como se, pronunciadas as palavras de anunciação, Kyle se libertasse dos tubos e dos fios e das máquinas e lhe respondesse, Sim, princesa, conseguimos, vês, o teu velhote ainda funciona. Ela esperou depois algo mais ténue, um sinal impercetível, um sorriso tímido, um piscar de olhos. Nada. Kyle Mckenzie não voltou a acordar. Nunca saberia, neste mundo, que fora pai. Morreria semanas mais tarde naquele quarto de hospital. Morreria, por ironia, junto à estação do nascimento dos nascimentos, o Natal. Madalena recebeu do seu professor uma última lição. Aprendeu que pode um homem estar morto e vivo ao mesmo tempo. Pode jazer inerte e frio numa cama de hospital e fervilhar de vida no ventre de uma mulher. É preciso ser-se um homem especial para conseguir tal feito. É preciso ser-se uma mulher especial para aceitar a vida de um tal homem e dedicar-lhe com devoção a alma e todo o amor de que se é capaz.
É por serem especiais que contaremos a sua história. Fazemo-lo já porque maio não vem longe e com ele chegará o fruto do seu amor: Jacob.
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