Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Crónicas de África – O Primeiro Impacto

O Primeiro Impacto

Maputo, 16 de setembro de 2012.

Chegámos na sexta-feira, 14 de setembro, e só hoje, domingo, consigo escrever duas linhas sobre essa chegada e a razão é simples. Foram dois dias e meio absolutamente alucinantes, divididos entre conhecer uma cidade que é um universo onde coabitam vários mundos, aprender onde ficam os locais básicos de suporte de vida, procurar alojamento e… preparar as aulas para amanhã. Nada de mais, portanto!

Fomos recebidos pelos nossos primos, Marco e Sandrine, que nos ofereceram transporte e serviram de guias nos mais diversos aspetos. Há milhares de coisas novas para aprender.

Não farei juízos de valor. Apenas relatarei o que vi, ouvi e senti.

A cidade é fantástica e está repleta de assimetrias, há tanto para reter e para contar que não sei mesmo por onde começar, mas sei que me vou esquecer de alguma coisa. É simples, não é contável numa crónica tudo o que se viveu nos últimos dois dias. Quem entra em Maputo precisa imediatamente de saber quanto vale um euro em dólares e em meticais, quanto vale um dólar em euros e em meticais e quanto vale um metical em dólares, em euros e, já agora, em rands. A nossa referência é o euro, em Maputo o referente para tudo é o dólar, mas a moeda com que se transaciona é o metical. De repente damos connosco a perguntar, Ele quer oito mil em quê? 

Na capital moçambicana encontram-se áreas de grande cosmopolitismo e evolução tecnológica como em qualquer grande capital do mundo e, lado-a-lado, meia dúzia de metros à frente, para lá de um simples cruzamento, uma zona completamente tomada pelo caos e pela desorganização. As estradas são disso um bom exemplo. Podemos ir a circular numa avenida que termina de repente e fica só uma estrada de terra. Nota-se, contudo, que há obras de restauração por todo o lado e a cidade está a progredir e a melhorar as suas infraestruturas. Há mercados a fervilhar de gente e movimento, lojas para tudo, pneus, colchões, roupa, calçado, frutas, tubos de escape, tudo, porta com porta, não sei mesmo como se sabe o que é de quem. Vendem-se cargas de telemóvel em raspadinhas, compramos duzentos meticais de chamadas numa tira de cartão que se raspa e aparece um código que se insere e a verba é creditada no nosso número. A oferta de habitação é muito heterogénea! 
E caríssima! Um apartamento t2 pode custar entre 1500 e 2000 euros/mês. Uma casa, por exemplo t3, pode custar entre 3000 e 4000 euros/mês.   Tanto há casas muito bem equipadas como, ali ao pé, nos mostram uma casa sem telhado como se estivesse tudo bem, Não há problema, hei de fazer… A restauração é boa, mas cara. No âmbito dos eletrodomésticos, há de tudo em Maputo, mas também é caro. As pessoas são muito afáveis, muito simpáticas e sempre prontas a ajudar. Umas fazem-no só mesmo para serem simpáticas, outras esperam algo de volta… dá-se… facilita-se a vida a quem nos rodeia e quem nos rodeia facilita-nos a vida a nós! Sinto a população, em geral, mais autónoma, menos presa a regras e a preconceitos do que no nosso país. Aqui, coabitam nas ruas grandes comunidades de etnias e religiões diferentes. Os moçambicanos são, claro está, a maioria, mas mesmo entre eles há católicos, protestantes, adventistas, islâmicos… Há comunidades portuguesas, francesas, sul africanas, hindus, islâmicas, americanas, etc… etc… etc… E há templos para todos os credos, e restaurantes e mercearias para todas as comunidades. E há este ritmo africano de fazer as coisas sem stressar. Não sei bem, ainda é muito pouco tempo, mas os portugueses parecem-me os mais inquietos…

Para já, sinto um misto de preocupação por haver tanto para aprender e fazer ao mesmo tempo que se aprende e aquele entusiasmo que é recomeçar a vida. Ainda por cima, fazendo-se aquilo de que se mais gosta.

Termino estas linhas com a sensação de que não disse nada. Tantos pormenores ficaram para trás. Alguns, preciso regurgitá-los. Outros, preciso confirmá-los. Outros, não contei ainda por prudência, porque acabei de chegar e ainda não sei bem do que estou a falar. Uma coisa é certa, desenrola-se na nossa frente uma aventura fantástica, numa cidade fantástica que é capital de um país maravilhoso, a fervilhar de gente simpática e oportunidades!

jpv


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Crónicas de África – Um Dia Especial

Um Dia Especial

Joanesburgo, 14 de setembro de 2012

À partida parece um aeroporto como qualquer outro, mas hoje para mim não é. É o ponto mais a Sul do Globo em que alguma vez estive e tem marcas culturais próprias. Passear no aeroporto de Joanesburgo é como andar numa daquelas grandes lojas de artesanato africano, mas em tamanho mega. As representações dos animais selvagens estão por todo o lado, o falar das pessoas é absolutamente impercetível e tem aquele ritmo bailado de África. Houve outra curiosidade que me chamou a atenção: do imenso quadro eletrónico com voos e portões de embarque só consta uma cidade europeia, Londres. Todas as outras são cidades do imenso continente selvagem. Um euro vale cerca de dez rands e as pessoas são simpáticas, mas nem todas têm um ar simpático e aberto. Olhando à minha volta a única coisa que sinto é que, onde quer que estejamos, estamos muito longe de casa.
Estou de volta a África. Trinta e seis anos depois da última vez em que respirei o ar desta terra. Quando saí do avião e pisei o chão, não senti nada de especial a não ser que esta era a terra do passado do meu pai e, quem sabe, um dia, a terra do futuro do meu filho.

O voo de Lisboa para Londres foi tranquilo. As duas horas do costume. De Londres para aqui foram dez horas cansativas, mas confortáveis. A South African Airlines esteve bem no serviço, na qualidade da alimentação e na atitude da tripulação, sempre muito atenciosa. Além disso providenciou uma série de comodidades que ajudaram a passar as dez horas.

Daqui a cinco minutos vamos embarcar para o último troço da viagem. Falta só uma hora. Falta uma vida inteira de experiências e aprendizagens. Maputo é já ali. O trabalho, a aventura e o quotidiano africano aguardam. Meu Deus, o que fui eu fazer? Resta integrar-me! Conhecer as gentes, aprender os ritmos e prestar um bom serviço.

Amanhã começa outra luta: é preciso encontrar alojamento. Até já!
jpv