Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Até Já!

Até Já!

O som inconfundível
Da máquina nos carris,
A travagem chiada,
A porta desliza
E abre-se a entrada.
Lá dentro a sonolência
Matinal
E a tua figura jovial.
Tens um traço de ruralidade
E um outro cosmopolita,
E vive em ti
Uma companheira de viagem,
Uma pessoa bonita.

Foram horas de leitura comum,
Dias a escrever aventuras,
Histórias e poesias,
Conversas sobre loucuras
Cheias de sentido
E também vazias.
Foram sorrisos,
E foram lágrimas,
Foi a conversa
E a cumplicidade,
Foi a partilha de duas almas
Ligando o campo
À cidade.
O lar ao trabalho.
A realidade ao sonho.

Não me vou despedir de ti.
Esta, sendo a última,
Não é a derradeira
Das nossas viagens.
A vida tem surpresas,
Tem esquinas
E tem mais paragens.
E será numa dessas
Que nos vamos reencontrar,
Sem promessas,
Só com a esperança
De voltar
A escrever um verso,
Uma linha partilhada
Sobre o mistério da vida
Ou,
Tratando-se de nós,
Sobre rigorosamente nada.

Foi sempre e só
Uma questão de amizade,
Uma viagem menos solitária,
Uma ideia,
Uma frase
Com ou sem dor.
Na tua mente,
Na minha mente,
E no teu computador.
Na blogosfera,
Na emoção,
Na excitação…
E, depois, Santa Apolónia.
Até amanhã!
Até amanhã!
E, na manhã que depois vinha
Tudo de novo se repetia,
Os mesmos gestos
De vida,
A mesma magia.
Adeus, companheira!
Até já!
A única coisa verdadeira
Que fica
É esta amizade bonita
Nascida nos bancos
De um comboio,
Crescida no apoio
Que trocámos
E cristalizada
Nas palavras que reinventámos.

À Dulce,
Pela amizade partilhada
Em dois anos de inúmeras viagens.
As de comboio. E as outras.
jpv


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Pequenos Milagres – Ricochete

Ricochete

Já se tem ouvido dizer em meios diversos que os milagres são um retorno. Recebemos consoante aquilo que semeamos. Há mesmo quem vá mais longe e assegure que toda a nossa existência, a nossa presença no Universo e o próprio Universo são imensos canais de energia e, como tal, tudo à nossa volta é uma complexa rede energética. O tipo de energia que colocamos naquilo que fazemos multiplica-se e volta para nós reforçado. Em bem ou em mal consoante o que semeámos. É uma espécie de teoria do ricochete aplicada à nossa existência. Sempre percebi isto e consigo até concordar, o difícil era ver a teoria em realização plena como agora se mostrará.

Era um homem idoso, as pernas arqueadas pelo peso do tempo, as mão engelhadas com os sulcos da vida, a barriguita proeminente, a cara lisa e os olhos muito azuis por baixo da testa longa e do boné enterrado na cabeça. De vez em quando tirava-o para o recolocar, assim como quem ajeita um vício, e via-se o cabelo muito ralo e muito branco. Tinha uma mal-formação na face como se fosse um sulco aberto que secou sem cicatrizar. Começava na cana do nariz, abria caminho por entre os sobrolhos e acabava-lhe no meio da testa. Era uma ferida feia se fosse uma ferida. Sendo uma marca de nascença não ficava mais bonita por isso. Entrou no comboio, sentou-se de frente para mim, abriu as pernas, pousou as mãos na bengala e disse-me:

– Este é o que vai para Tomar?
– É sim senhor.
– Muito obrigado.
– Não tem de quê.
– Já há pouco quem dê uma informação. Cada um só quer saber de si.
– Ainda há quem o faça.
– Como é a sua graça?
– João Paulo. E o senhor?
– Eu sou o Matos. Também me chamam o Ricochete.
– Ah sim? Interessante…
– Esse Ricochete que me puseram na alcunha salvou-me a vida. Não fosse isso e estava frio debaixo da terra há mais de quarenta anos.
– Ainda bem que tudo correu bem.
– Não sei se correu tudo bem. Sei que, até certa medida, correu bem para mim. Quer ouvir a história?
– Claro que sim, adoro histórias.
– Para que é esse caderno preto?
– É para escrever histórias.
– Bem me parecia. Então ouça esta e depois escreva-a. Começo pela parte do helicóptero… gosto da parte do helicóptero.
– Ah… mete helicópteros!
– Claro. Vou contar o que me lembro e o que não me lembro contaram-me. E eu fiz fé no que me contaram porque camaradas de armas são camaradas de armas. Só há entre eles a verdade da vida e da morte. Nada mais. O helicóptero pousou já eu sangrava há mais de duas horas. Raiava a madrugada. Tinha uma camisola interior enrolada na cara completamente empapada em sangue. Quatro camaradas agarravam na maca com uma mão e seguravam o boné do camuflado com a outra enquanto se dobravam para não serem atingidos pelas hélices. Era um barulho sibilante e entrecortado, a deslocação do ar dobrava o capim que sendo da altura de um homem, ali parecia raso. Tiraram-me o pano da cara e a luz da manhã que nascia feriu-me a vista. Não conseguia ver nada, mas ouvi um camarada dizer, Nossa Senhora, o que para aqui vai, foderam-lhe a cara toda, quem é que fez isto? Foi um turra, só não percebemos porquê. Não percebem o quê? Não percebemos porque é que o turra não lhe limpou o sebo… teve-o ali à sua mercê. Quem é ele? Nem o reconheço. É o Matos. E o que é que ele diz? O gajo não se cala. Pois não, desde que levou a cronhada nos cornos que não pára de gritar ricochete, ricochete, ricochete. Fui transportado e levado ao hospital de campanha. Por causa de uma bactéria qualquer e por causa da força do calor a ferida não queria sarar, eu acordava dos sedativos, arrancava os pensos com as minhas próprias mãos e percorria o hospital descalço e com o pijama cheio do sangue que me escorria pela face abaixo e pelo queixo e pelo peito, sempre a gritar, ricochete, ricochete, ricochete. E fosse quem fosse que se aproximasse, eu agarrava em tudo o que fosse sólido e atirava aos camaradas. Cadeiras, tigelas da sopa, daquelas metálicas, baldes, facas, era o que apanhasse à mão. Estava louco. Levei três meses a acalmar. A ferida secou, mas nunca fechou. Quando me viram mais são enfiaram-me num avião e mandaram para o Puto. Nunca mais fui à África. Eu que tinha ido por vontade própria.
– Vontade própria? Mas naquele tempo não eram todos obrigados?
– Eram. Mas calharam-me as sortes.
– As sortes?
– Sim. De tantos em tantos, uns milhares, creio eu, sorteavam um para ficar e a mim calhou-me e eu disse logo, Nem pensem que volto para a terra com a mala feita. Isso era uma desonra. Vim aqui para embarcar para a guerra e é para a guerra que vou, defender a Pátria. E sabe que mais? No fim nem um obrigado. E morreu tanto miúdo novo à minha beira. Mas, olhe, a gente também não defendia a Pátria. Defendíamos-se uns aos outros e já não era pouco.
– Posso-lhe fazer uma pergunta?
– Venha ela.
– Porque é que o senhor não parava de gritar ricochete, ricochete, ricochete?
– Ah, bem lembrado. Isso tem a ver com o início da história. Uma ocasião subimos ao Ambriz, Ambrizete, até ao nosso Congo. Era um alto, via-se o valado todo e do outro lado o Congo Belga. Assentámos arraiais e por ali estivemos uns dias a patrulhar aquela zona da fronteira. Mais tarde, recebemos ordem para descermos mais para sul mas sem ser junto ao mar, parece que havia notícia de andarem por ali os turras. Pudera! Eles andavam por todo o lado. Eu ia em cima de uma Berlier, era uma camioneta blindada muito antiga, tinha uma metralhadora rotativa lá em cima e umas proteções em ferro. De repente, saltam-nos os turras ao caminho e vai de disparar contra nós. As balas as zumbirem-me aos ouvidos e a estardalharem no ferro da Berlier. Eram mais de dez. Eu vi logo que ou era a minha vida ou era a deles e vai de abrir fogo. Caíam que nem tordos. É muito fraca a vida dos humanos. Quando aquilo acalmou, saltámos em cima deles e, para meu azar, ou para minha sorte, ao arredar o capim, sabe o que é o capim?
– Sim, é uma erva alta. Pode ser mais alta que um homem e corta como facas.
– Eh lá, como é que você sabe isso?
– Nasci em Angola.
– Ah bem… adiante… Deparo-me com uma mulher, não tinha mais que era vinte anos, levava uma criança pequenina às costas embrulhada no pano, elas só vestiam aquele pano e a criança ia entalada entre a pele dela e o dito pano. E estavam dois tipos no chão, um todo empapado em sangue, morto. O outro ajoelhou-se aos meus pés, apontava para a rapariga e dizia, Irmãos, somos irmãos, não me mate senhor! Apontei-lhe a arma, encostei-lhe o cano à testa escanzelada e gritei, Vais morrer, cabrão, vais morrer. Começou-me a cheirar a merda. Ele tinha-se borrado todo. Somos muito fracos. Somos carne muito fraca. Não valemos nada. Não fui capaz de o matar, não daquela maneira, indefeso e à frente de uma mulher e de uma criança inocente. Mas não podia dar parte fraca junto dos companheiros e tinha de o fazer prisioneiro. Virei a arma ao contrário, agarrei-a pelo cano e dei-lhe uma cronhada. Abri-lhe a cabeça toda. Quando chegaram ao pé de mim, disse-lhes que estava vivo, e devia ter sido atingido por estilhaços. Levámosios a todos. A ela soltaram-na e foi trabalhar de servir para Luanda. Ele ficou no hospital de campanha, recuperou-se e esteve por ali três meses. Ao fim de três meses, estava são e cheio de força e tinha uma cicatriz na testa que parecia a linha do comboio. Assim como esta que você aqui vê.
– Então e depois o que é que lhe aconteceu?
– A ele?
– Sim, a ele…
– Quando se sentiu com forças e quando percebeu que confiávamos minimamente nele, fugiu.
– E nunca mais o viu…
– Vi, vi… oh se vi! O tipo, às vezes, andava lá pelo quartel e o mal da cabeça, a loucura, apoderava-se de alguns camaradas que disparavam para o chão, junto aos pés dele e punham-se a gritar, Dança o ricochete, ó pá, que é uma modinha lá da nossa terra, dança o ricochete… E o pobre lá ia aos saltos a fugir do efeito das balas. Um dia chegou-se a mim e perguntou, O que é o ricochete? E eu disse-lhe, É quando uma bala bate nalgum lado e volta para a gente. E o tipo só disse, Ricochete…
– É uma história interessante.
– Ainda não acabou. Quer ouvir o resto?
– Claro.
– Um dia chamaram o nosso Alferes e deram-lhe instruções para uma missão de reconhecimento. E lá fomos, todos artilhados, armados até aos dentes com cartas de familiares, fotos das namoradas, das noivas, das mulheres, as armas e o medo. Mas aquilo que mais levávamos connosco era a desconfiança. Qualquer som, qualquer movimento suspeito e fora da normalidade ou da rotina, e desatava tudo aos tiros a denunciar posições. Às tantas, o cansaço do corpo e da alma era tanto que já ninguém fazia nada de jeito. Isto foi assim. Era noite cerrada. Íamos em formação a avançar pelo mato adentro, silêncio quase absoluto, e o filho da puta do Gomes, um tipo ali de Marco de Canavezes, com uma beata acesa nos lábios. O Antunes viu aquele descuido e foi ao pé dele para o avisar. O Gomes fez má cara e jogou a beata para longe. O Saraiva, um tipo pequenino, rijo como os cornos, e mais desconfiado sozinho que o pelotão todo inteiro, ia mais à frente e viu pelo canto do olho o lume da beata a riscar o breu. Não está com meias medidas, volta-se para trás e vai de disparar no escuro. Sabe, senhor, às vezes a sorte é mãe, outras é madrasta. Os turras estavam ali debaixo dos nossos pés… Foi um massacre. Perdi mais companheiros nessa noite do que amigos e familiares em toda a minha vida. Por entre os estrondos e os relâmpagos, fui cuspido pelo impacto de um morteiro. Caí de costas. Limpei a terra da cara deitado no chão e quando abri os olhos estava um turra de olhar fulminante, G3 apontada na minha direção, a um palmo da minha testa, tinha uma cicatriz gigantesca entre os olhos e pôs-se a gritar, Vais morrer, cabrão, vais morrer. Depois, baixou-se, puxou-me pelo pescoço, o bafo dele a aquecer-me a cara, o sangue no olhar, pensei que era o meu fim, o tipo cerrou os dentes e disse, Ricochete! Não me lembro de mais nada, senhor, nem sei quando me comecei a lembrar… sei que durante muito tempo gritei aquela palavra como quem expulsa um demónio, como quem expia um pecado. Sabe, senhor, a minha vida tem sido errante como uma bala perdida e nesse dia fez ricochete na morte e voltou para este mundo.  Ainda hoje não sei o que me salvou. Foi uma espécie de milagre. A gente dá e vem a receber, um olho por um olho, um dente por um dente e às vezes, senhor, uma vida por uma vida.

***

Nunca mais vi o senhor Matos. Não sei o que foi feito dele. Sei que aprendeu a nossa fragilidade e a nossa errância. Aprendeu a vulnerabilidade da nossa existência. Uma existência à mercê de ricochetes e bafejada por milagres. Pequenos milagres de dar e receber.

jpv


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Crónicas de Maledicência – A Loja do Coitado do Cidadão

Crónicas de Maledicência – A Loja do Coitado do Cidadão

Por razões de trabalho, precisei de tirar o passaporte. Aconselharam-me a ir à Loja do Cidadão. Além de aproveitar a viagem a Lisboa, uma vez que tenho os passes pagos, sempre o faria na Capital da Nação o que me daria alguma segurança mais. Puro engano. Nada mais errado. Não me senti um cidadão com um serviço à sua disposição. Senti-me um coitado de um cidadão que infelizmente necessitou de um serviço.

Cheguei à Loja do Cidadão nos Restauradores, bem no coração de uma das mais internacionais cidades do mundo, perguntei quais eram as senhas de espera para tirar o passaporte. Disseram-me que era a senha L. E aí fui eu. Exatamente às 12:43 tirei a senha número 201. Olhei para o monitor e percebi que só UMA pessoa estava a fazer atendimentos para assuntos com passaportes, todos os assuntos relacionados com passaportes! E reparei também que a próxima pessoa a ser atendida seria a número 161. Ou seja, a fluidez do atendimento era praticamente nula. Às 12:43 já havia 40 pessoas em espera. Mas a coisa piorou! Esperei uns minutos e percebi que os atendimentos eram muito lentos. Fui almoçar. Uma hora depois já ia no 165! Decidi tratar de outros assuntos e regressei, curiosamente, às 15:43, ou seja, exatamente 3 horas depois de tirar a minha senha. E em que número íamos? No 172! Ou seja, estavam a ser atendidas cerca de quatro pessoas por hora. Ainda faltavam vinte e nove atendimentos para o meu número, ou seja, mais de sete horas além das três já passadas!

Lisboa é a Capital do nosso país, tem um dos aeroportos mais movimentados da Europa por via da sua localização, da Diáspora e da multiculturalidade, tem das populações mais heterogéneas do mundo e a Loja do Coitado do Cidadão que se situa no coração da cidade tem UMA pessoa a fazer antendimentos relacionados com passaportes!

Às 16h, exatamente três horas e meia antes do fecho da Loja do Cidadão, colocaram um aviso em cima do dispensador de senhas a dizer “As senhas para passaportes estão suspensas”. Como o aviso era todo bonito, feito e impresso em computador, prontinho para suspender senhas, percebi que não fora uma situação pontual. Enfim, vamos a conclusões. Na impossibilidade de prestar um serviço de forma eficaz, ao invés de tentarmos melhorar, “suspendemos” o serviço! Será esta a imagem que o nosso país quer criar? É assim que se sai da crise?

Está difícil ser cidadão na Capital! Ainda esta semana vou tentar na província e depois dou-vos notícia!

Tenho dito!

jpv


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Pedintes Preguiçosos, Divertidos, Desavergonhados e Inovadores

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Caros Leitores e Amigos,
Deixem-me começar por dizer, antes de tudo o resto, que eu respeito as pessoas que verdadeiramente necessitam e se veem forçadas a pedir na rua por necessidade. Este post não pretende brincar com a situação dessas pessoas.

Entendidos em relação a isto, não posso deixar de contar-vos algo que me aconteceu hoje. Por motivos de trabalho tive de andar de um lado para o outro em Lisboa. Fantástica cidade, de resto. E como em todas as grandes cidades, e não só, Lisboa também tem, infelizmente, pedintes.

Eh pá, mas hoje eu conheci uma nova estirpe de pedintes. Conheci os pedintes preguiçosos, divertidos, simpáticos, desenvergonhados e inovadores. É verdade existem. É um facto que não deixam de ser pedintes mas não invocam a necessidade nem a pobreza para pedirem. Como a imagem documenta pedem para a ressaca, o whisky, o vinho e para mais cerveja e auto-intitulam-se sinceros porque, pelo menos dizem porque é que pedem. Estão infelizes? Não. Pelo menos não demonstram e não querem demonstrar. Pedem por fome? Não. Pedem para roupa? Não. Para os filhos? Não. Para curar uma doença? Não. Pedem porque são preguiçosos! Inacreditável. E sabem que mais? Têm um cartãozinho com o endereço de um site onde referem que montaram um sistema para as pessoas poderem dar esmola online e de forma limpa sem se ter de aproximar deles!

Perguntei se podia tirar uma foto ao “estendal”. Ele disse que sim e no momento da foto colocou-se à frente do telemóvel e mostrou a placa “Fotos 278€”.

Claro que isto invoca assuntos muito sérios, mas é curioso, de entre todas as análises possíveis, como é do seio dos que menos têm que surge a boa disposição e um sorriso. Aquele tipo, e os amigos dele, pode estar a fazer uma série de coisas discutíveis, a situação dele tanto pode ser confortável como absolutamente trágica, o certo é que me arrancou um sorriso. E, apesar de se auto-intitularem preguiçosos, a verdade é que ganhar a vida assim exige muita imaginação e muito engenho…


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Os Teus Olhos

Os Teus Olhos

Os teus olhos
Contam histórias incontáveis.
Bailam neles
Mistérios improváveis,
Traços de sã loucura,
Luas de ternura
E sóis de paixão.
Cabe nos teus olhos
Toda a emoção
De uma surpresa.
A intensa
Chama acesa
De uma palavra
Que se adivinha
Mas se não diz.
O ar reguila e traquina
De um petiz
Que sorri
Depois de roubada
A maçã e dobrada a esquina…
Sem pecado.
Os teus olhos
Contam histórias incontáveis
Sem ninguém
As ter narrado.

jpv


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Mãe

Mãe

Tens na voz
Um tom suave
De ternura
Que me diz
Viver em nós
Um sentimento sem fratura.
Aceitas para mim
A minha vida
Como se fosse tua.
Entregas perdida
Na minha decisão
A tua alma nua.
E sofres baixinho
Para não me incomodar,
Como se o teu carinho
Pudesse estorvar.
Tens gestos
E cuidados mil,
E tens, como ninguém,
A bater-te no peito
Um coração de Mãe.

Sossega…
Não há tormenta
Nem tempestade
Que nos ameace.
Passe o que passar,
Não há humano evento
Capaz de desatar
Este enlace
De Amor.
Nasci de ti,
Em dias de felicidade
Desmedida.
Vives em mim
Os dias todos
Da mesma vida.

Sossega, Mãe…
Não deixes que a tua voz
Perca o cristalino e a alegria
Com que me disseste um dia
Que tudo correria bem.
E eram lei as tuas palavras.
Lei sagrada,
Gravada em certezas de Mãe.

jpv


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Por causa dA Dívida – XVI

Caros leitores,

Num estilo muito Agatha Christie, Dulce Morais acaba de limpar o cebo a uma personagem da mais louca Blogonovela da Web e depois pira-se de mansinho e deixa-me com o cadáver nas mãos! Em breve, muito breve, publicarei um surpreendente penúltimo capítulo. Para já vamos todos ao Crazy 40 Blog ler o Capítulo XVI de “Por causa dA Dívida”.


Boas leituras!


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Conversas Vadias – O Pecador

Conversas Vadias – O Pecador

Duas senhoras conversando numa mercearia em ambiente rural:

– Olhe, já lá vem.
– Pois vem…
– Não está melhor?
– Melhor? À noite, quando chega a casa já leva uma bebedeira de caixão à cova, mas logo pela manhã vai para o café..
– Ai é?
– Então pois, para onde é que acha que vai a esta hora?

Como era cedo, ainda não eram nove da manhã, espreitei lá para fora a ver se identificava o pecador, mas a única pessoa que passou foi uma velhinha muito velhinha, mais de noventa anos, agarrada a um andarilho dando um passo arrastado de cada vez. Como nunca mais passava o pecador, espreitei um pouco mais. Foi então que uma das senhoras me disse:

– É ela, é!

jpv


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Conversas Vadias – Alegrias!

Conversas Vadias – Alegrias!

– Então o Padre M. vai estudar para Itália?
– Ele não vai estudar, ele vai para lá porque tem lá a família. Os padres também são seres humanos.
– Pois é. Era um santo na boca das pessoas quando chegou, mas agora…
– Agora há pessoas que precisavam de uma machada a dar-lhes na língua o dia inteiro. Falam do que não sabem. Ele é novo, pois está claro que convive com toda a gente, mas é normal que puxe mais para os da idade dele… as pessoas são muito más!
– Mas isso é gente lá da terra ou também são os de fora?
– São de lá e de fora, há pessoas que precisavam da língua toda cortada…
– E depois o Senhor Bispo mandou-o embora…
– Não foi o Senhor Bispo que o mandou embora, não comecem já a espalhar mais mentiras. Foi ele que pediu para ir…
– Que pena! Gostava tanto dele! Quando ele vinha aqui fazer um funeral era uma alegria!

jpv


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O Clã do Comboio – O Fim de um Ciclo

O Fim de um Ciclo

Está a chegar ao fim, na minha vida, a fase do Clã do Comboio. Penso que até ao final deste mês farei mais uma dúzia de viagens e depois termino um ciclo.

E trazia isto na cabeça pensando como fecharia, por agora, uma vez que nunca sabemos o que o futuro nos reserva, a secção deste maravilhoso Clã. E o Destino, ajudado por amigos inesquecíveis, trouxe-me o motivo perfeito para a 120ª história do Clã do Comboio.

Entrei, com a Rapariga do Brinco de Pérola, no regional das 18:48 para regressar a casa. Percorremos os seis minutos que separam Santa Apolónia do Oriente e aí entraram de forma inusitada e inesperada diversos amigos do Clã do Comboio, daqueles que animaram muitas destas crónicas no interregional das 7:18, daqueles que me proporcionaram verdadeiros momentos de companheirismo e cumplicidade.

Juntaram-se ao Escritor e à Rapariga com Brinco de Pérola, a Senhora da Revista de Culinária, a Senhora das Caralhotas e sua sensual e generosa amiga, o Rapaz do Fato Cinzento e ainda um Tipo Careca a que a Gente Chama Álvaro.

Revisitámos momentos em conjunto, dissemos as maluqueiras todas que havia para dizer, tirámos fotos uns aos outros e a algumas passageiras de invejável porte, incomodámos a senhora que ia a estudar o Código da Estrada e se riu connosco e rimos, rimos em conjunto, rimos uns com os outros e uns dos outros como sempre, saudavelmente, conseguimos fazer.

Há dois anos não nos conhecíamos e hoje já sinto uma saudade imensa por saber que não vou reencontrá-los aqui e ali no meu quotidiano. Reinventámos o prazer de nos deslocarmos para o trabalho e do trabalho. Festejámos a bordo, fizemos saídas rápidas às ginginhas e aos coiratos, almoços, jantares, lanches, fomos a feiras de gastronomia, a feiras, ao cinema, etc. etc. etc. Tem sido uma vivência partilhada nos melhores e nos piores momentos de cada um e de todos nós. Gostei de conhecer estas pessoas maravilhosas. Faria tudo de novo. E gosto de pensar em mim como o rastilho que provocou esta explosão de amizade. Mais nada. Depois, a responsabilidade foi de todos nós. Uma responsabilidade especial: a de mostrar o Ser Humano no seu melhor.

Para além das personagens de ocasião, recordo com emoção, como se escrevesse os créditos de um filme, um daqueles que ganha o Óscar:
A Mulher Vampiro
O Aluno do Escritor
A Rapariga do Riso Fácil
O Mano da Rapariga do Riso Fácil
A Prima da Rapariga do Riso Fácil
A Senhora da Provecta Idade
A Mamã das Duas Crianças
O Rapaz do Fato Cinzento
A Rapariga Com Brinco de Pérola
A Senhora da Revista de Culinária
O VM
O RB
A Esposa do RB
O JJ
O JA
A PL
O Senhor da Mala Térmica
A Senhora das Caralhotas e sua Sensual e Generosa Amiga
A Setôra
O Cunhado da Setôra
O Ceguinho
O Músico
O Américo
Um Tipo Careca a que a Gente Chama Álvaro
A Vê
A Rapariga das Palavras Fáceis
O Iago mais Velho
O Pequeno Iago
A Mana do Escritor
A Titi e Sua Excelsa Companhia

E tantos outros que nos fizeram companhia de forma breve, mas que, mesmo assim, ficaram nas nossas memórias. Sim, todos sabemos que houve pessoas que nos marcaram mesmo só com uma viagem… ainda me lembro de quando o VM se encolheu todo enquanto uma passageira lhe explicava como tinha esfaqueado uma batata a pensar no marido… livra!
De resto, as histórias do Clã do Comboio vão continuar a ser contadas pela Dulce Morais no Crazy 40 Blog na secção “O Clã do Comboio Segundo Dulce Morais”. Sim, isto não acaba aqui…

A todos, uma palavra de sincera amizade, uma nota da minha gratidão e um emocionado “Até já!”. A gente vê-se, não tarda nada, numa esquina da vida. Quanto mais não seja no lançamento… sim, estamos a pensar nisso!

Obrigado, amigos, muito obrigado!

jpv, o Escritor (também conhecido como o Explicador da Classe Operária!)
Excecionalmente e sem identificar ninguém, aqui ficam algumas imagens do Clã do Comboio