Daily Archives: 18/07/2012
O Clã do Comboio – A Amy Winehouse de Riachos

A Amy Winehouse de Riachos
Vi-a durante todo o inverno, mas nunca lhe dirigi a palavra. Não havia motivos para isso. Não a conhecia, nunca fôramos apresentados e nada justificava que o fizesse só por que sim. Eu era só mais um trabalhador a apanhar o regional das 7:47 em Riachos para Santa Apolónia e ela era só mais uma moça com a pele muito alva a emergir da escuridão das roupas. Botas de tropa. Calças de ganga pretas. Blusa preta. Casaco de cabedal preto.
Um dia destes, porém, senti o impulso de dirigir-lhe a palavra e fiz bem em não resistir-lhe porque a resposta dela foi deveras interessante.
Eram 7:35. Fui beber um café e ela lá estava com uma amiga. Acontece que o dia amanhecera quente e abafado a prometer suores e a pedir menos roupa e mais corpo.
Ela tinha as mesmas botas pretas de tropa, as mesmas calças pretas de ganga, uma blusa preta com tiras de tule alternadas com tecido opaco, cabelo preto, liso e comprido, a face oblonga e muito alva e os olhos castanhos e rasgados marcados com um risco de lápis que os faziam parecer ainda mais rasgados. Acontece que a blusa era de cavas e permitia ver os braços na íntegra e nos braços é que estava a história de vida, a marca indelével da sua individualidade, aquilo que é, para mim, o reflexo de um traço de caráter.
Do ombro direito até quase ao cotovelo estende-se uma enorme tatuagem a ocupar-lhe quase todo o braço. É um complexo desenho de flores e ramagens entrelaçadas onde pontua uma palavra e duas violas cruzadas. No pulso do antebraço direito mais um complexo apontamento gravado a tinta. No braço esquerdo, junto ao ombro, a imagem de duas mulheres em jeito de pin-up girls e, nesse antebraço, uma inscrição em chinês.
Não sou muito bom a adivinhar idades, quer dizer, até me dizem que sou mas, para isso, tenho de conhecer minimamente as pessoas, o que não é o caso. Ainda assim, diria que a Amy Winehouse de Riachos tem entre 17 e 20 anos. E, com uma idade tão tenra, tão jovem, ter já assumido o compromisso de marcar e alterar o seu corpo para toda a vida parece-me de uma alma com grande determinação, muito segura de si, muito convicta das suas opções e foi por isso que perguntei o que perguntei. Não tanto pela resposta concreta, a do sim ou não, mas mais para perceber se essa determinação e essa força de caráter habitavam o corpo tatuado. Acho que a resposta dela foi inequívoca e fala por si:
– Essas tatuagens são permanentes?
– Mas porque é que toda a gente me pergunta o mesmo? Quando se faz uma tatuagem tem de ser para sempre, para toda a vida, se não for, não é uma tatuagem.
E pronto. Eis uma pessoa que na aurora da vida tem convicções para todo o caminho a percorrer. É raro na juventude, mas acho que é muito saudável. Falta este caráter ao nosso país. E a jovem Amy Winehouse de Riachos tem-no.
É muito interessante a semelhança física entre ela e a cantora falecida. Espero, sinceramente, que viva muitos mais anos, uma vida longa a passear pelo Universo a sua determinação e as suas tatuagens. As do corpo. E as da alma.
jpv
Saudade que Fica
Desejo ao novo proprietário tantos bons momentos quantos o Bronco me proporcionou a mim e à minha família.
Não sei como é que se agradece a um carro. Nunca tive de o fazer antes. Sei que fica a saudade da sua força. Da sua incapacidade de desistir, da forma como conversava comigo, da sua generosidade, das paisagens que nos levou a ver, do mato, da serra, da praia, das noites ao relento só com o céu por manto. Não foi um carro, foi um verdadeiro companheiro. Mas a vida espreita ali àquela esquina e a mudança anuncia-se.
Um LandRover Defender não é um carro. É um conceito. Uma forma de estar na vida. Hei de voltar!

