Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Citation des Bras


“Il me serait précieux de pourvoir me plonger dans ton amour comme on saute du plus haut plongeoir de la piscine pour se noyer dans l’affection infinie d’un être cher. J’aimerais m’enterrer dans tes bras, à l’abri des vents et des tempêtes de l’existence.”

Dulce Morais in


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Por causa dA Dívida – XIII

Por causa dA Dívida – XIII

É um edifício antigo, de corredores estreitos e portas de madeira. Tem lâmpadas amarelas e solitárias enforcadas num fio coberto de pó. Cada porta do corredor tem uma placa em metal branco com um número azul. O chão é soalho e esteve encerado em tempos. A tinta da parede descasca-se e há enormes pedaços onde o reboco está visível. À medida que João Paulo e Dulce caminham, o chão range-lhes debaixo dos pés. O gabinete do Inspetor Patilhas e seu diligente ajudante Ventoinha seria o último à direita e teria o número 13.

– JP…
– Sim, Dulce…
– Tinhas dito que ia ser o último à esquerda…
– E qual é a diferença? Temos de nos apresentar na PJ ficcional e não na real.
– Está bem, mas disseste que a esquerda era um sinal de azar porque em latim “esquerda” diz-se “sinistra”… manias! Mas lá que disseste…
– Pronto, pronto, está bem. Arranjas-me a alhada da PJ e ainda queres precisão e rigor na escrita! Altera-se já.
– JP…
– Sim, Dulce…
– Que raio de nomes são esses, Patilhas e Ventoinha? Estás a gozar?
– Estou. Eram os inspetores dos Parodiantes de Lisboa.
– Dos quê?
– Esquece… estou a reescrever.

O gabinete do inspetor Patilhas e seu diligente ajudante Ventoinha seria o último à esquerda e teria o número 13. Bateram.

– Entrem!

Assim que abriu a porta, JP perguntou:

Como é que sabia que era mais do que uma pessoa?
– Antes de mais, Bom dia! E depois fique sabendo que tenho as minhas fontes de informação. Eu trato por tu os seis maiores artolas do FBUI…
Do quê?
– Cale-se e sente-se! O senhor é acusado. E essa senhora também.
Eu?! De quê?
– De cumplicidade.
Acusados?! Senhor Inspetor, peço perdão, mas que eu saiba isto é a PJ, não é um tribunal… E tanto quanto sei, os senhores ainda estão a averiguar… não se percebe o quê, nem porquê, mas ainda estão a averiguar.
– O senhor cale-se! Qualquer coisa que diga neste gabinete pode ser usado contra nós.
Nós?!
– Sim, vós.
Vós?!
– Não nós, vós.
Hã?!
– Deixe-se de confusões. O meu nome é Inspetor Patilhas e este é o meu ajudante Ventoinha, homem de pouca coragem mas que faz tudo o que eu mando. Trabalhámos no privado, mas a coisa estava a ficar feia, o negócio estava fraco. Por causa dos telemóveis e dos computadores já ninguém precisa de inspetores para resolver casos de adultério e crime. Aparece tudo primeiro na Internet. Então, viemos operar para o público. Nas secretas.
Hã?! E nós? O que estamos aqui a fazer?
– Ventoiiiiiinha…
– Sim chefe, diga chefe, pronto chefe…
– Escreva tudo o que estes alegados senhores disserem daqui para a frente.
– Da sua secretária para a frente, chefe?
– Não, seu estúpido, deste minuto para a frente.
– E qual minuto, chefe? O do seu relógio ou o do meu?
– Irrraaa que é burro! Cale-se e escreva!
– Sim chefe, é para já chefe.
– Os alegados autores João Paulo Videira e Dulce Morais alegadamente compareceram nas instalações e nomeadamente da Polícia Judiciária e alegadamente para serem interrogados, quiçá torturados…
Hã?! Tá louco? Torturados?
– Cale-se! Isto aqui não é a sua realidade, é a nossa ficção.
– Como?
– Sim, caro autor, e alegadamente e o senhor não está lá fora, está cá dentro.
Cá dentro de quê?
– Da escrita. Da ficção. Comporte-se! Ventoiiiiiinha…
– Sim chefe…
– Chegue um copo de água ao alegado autor que ele está a suar.
– Sim chefe… … … aqui tem.
– Ventoiiiiiinha…
– Sim chefe…
– ESSE COPO ESTÁ VAZIO!!!
– Ó chefe, e o chefe disse e um copo de água e o chefe não disse e um copo COM água.
– Irrraaa que é burro! Mate a sede ao homem!
– E chefe, isso é que vai ser! E com que arma chefe?
– Irrraaa que é burro! Ventoinha, vá ver se eu estou lá fora!
– Sim chefe. É para já chefe.

Ventoinha abandona o gabinete e Patilhas volta à carga:

– E o senhor alegadamente sabe nomeadamente do que é acusado?
Não faço a mínima ideia, chefe.
– Para si, senhor Inspetor Patilhas!
Certo. Desculpe. Senhor Inspetor Patilhas, não precisa estar sempre a dizer “alegadamente”.
– Culpa sua!
Culpa minha? Isso é absurdo.
– Não é não! E o senhor e é que está e alegadamente a escrever isto! E se quer a minha opinião, eu digo demasiadas vezes alegadamente e nomeadamente, nomeadamente.
Touché!
– Vamos e alegadamente, ao que interessa… o senhor é acusado do crime de abuso sexual de uma personagem de uma história, de seu nome Belinha, o crime agrava-se porque, ainda por cima, não só é autor do crime, como da história onde ele decorre pelo que incorre e alegadamente e na pena de duas prisões perpétuas!
Duas perpétuas?! Está louco?!
– Não! Estou em ficção. Não se preocupe, na página seguinte muda tudo. Mas há mais, sendo e alegadamente e nomeadamente a alegada vítima casada com uma personagem também ela ficcional, de seu nome Marinho, e sendo o senhor autor e alegadamente e nomeadamente casado lá fora e como nesta história realidade e ficção estão misturadas, incorre também no crime de duplo adultério.
Duplo?
– Sim! O seu porque o cometeu e o da personagem porque o escreveu.
Ah, quer dizer que eu sou culpado pela galderice da Belinha?!
– Exatamente. E é aqui que entra e a alegada autora e nomeadamente a Dona Dulce Morais que vai acusada de cumplicidade no alegado crime.
Ó senhor Inspetor, pense comigo, já reparou que essa parte do adultério tem outro tipo de escrita? ESTÁ CHEIA DE ERROS!!! Porque é ficção e porque a Belinha e o Marinho são dois energúmenos!
– Confere. Até para mim aquilo está demasiado mal escrito. Veja lá que escreveram apaichonadocom um “o” no fim e toda a gente sabe que é com um “u”.
Tirem-me daqui!!!
– Não posso. Pelo contrário!
Hã?! Como?!
– Mesmo considerando e a alegada e nomeadamente e a pertinência da sua argumentação e mesmo admitindo que não praticou o adultério que escreveram por si, a verdade é que permanecem provas.
Permanecem provas?!
– Sim, as fotos. Veja!

Patilhas atira com um maço de fotos para cima da secretária onde João Paulo aparece em poses comprometedoras com Belinha. Diversas poses. Muuiiito comprometedoras.

– E o que me diz e nomeadamente agora, senhor autor?
Que vou reescrever esta trapalhada toda!
– Demasiado tarde! Enquanto está aqui a ser interrogado, as personagens Belinha e Marinho foram contactar e nomeadamente um novo autor e uma nova autora, uns que escrevam bem, para lhes reescreverem a história e darem um final digno.
Isso é impossível!
– Impossível? Nada mais fácil. Não esqueça o alegado senhor autor que e nomeadamente da mesma forma que entrou na ficção, também as personagens podem visitar o mundo real.
Absurdo!
– Ai é? Então espere para ver. Mas vai esperar nos calabouços. Ventoiiiiiinha…
– Sim chefe, pronto chefe. E o chefe não estava e lá fora!
– Irrraaa que é burro! Algeme estes dois e leve-os para o calabouço. Mas, Ventoinha…
– Sim chefe…
– Não os ponha ao pé do Esmaga-Ossos que ele anda irritadiço e ainda triturava estes dois e também não os ponha ao pé do leão que eu desde ontem que não dou de comer à besta e podia ser perigoso…
– Atão onde é que eu os ponho, chefe?
– Ó sua cavalgadura, se não ficam com o leão nem com o Esmaga-Ossos e só temos três celas, têm de ficar na do meio!
– Mas… chefe…
– Sim Ventoinha…
– A do meio não tem porta!
– Irrraaa que é burro! Algeme-os às grades!

– JP…
– Sim, Dulce…
– Acho que estamos numa cela sem porta com um bruta-montes à esquerda e um leão à direita!
– Não faz mal, Dulce. O leão está a dormir.
– Deixa-te de brincadeiras, JP. Como é que vamos sair daqui?
– Sei lá! Tu é que vais escrever o próximo capítulo!
– Irrraaa que é burro!

jpv


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O Ofício da Memória – 2 – Verão

Verão

Toda a primavera dá lugar a um verão. E o nosso também chegou. Quente, por sinal. E com o verão chegou o fim das aulas. Há já algum tempo que pairava entre nós certa apreensão mesmo que não confessada. Era a incerteza de não sabermos como seria a vida depois do final das aulas. Era a antecipação de que poderíamos não sobreviver a essa separação porque as nossas vidas tinham caminhos diferentes. Muito diferentes. Fiz um exame importante e a MJ esteve sempre a meu lado. No fim, quando nos despedimos, ambos sabíamos que não havia qualquer razão para voltar à escola. Era verdade, um facto incontestável, que nos amávamos profundamente como só na adolescência se ama, que gostaríamos de passar o tempo das nossas vidas lado a lado. Mas era também verdade que ambos queríamos outras coisas da vida, mais coisas da vida. Caminhadas de aventura com outras pessoas, noutros locais.

E, com a mesma espontaneidade com que começáramos a namorar, assim terminámos. Não houve juras. Não houve promessas. Fomos juntos até onde o caminho nos separava. Abraçámo-nos longamente. Não nos beijámos. Todos os beijos haviam sido dados com toda a intensidade possível. Uma vez mais decidimos não decidir nada. Dissemos qualquer coisa desacertado como Até breve, Até já, Vemo-nos por aí, Vemo-nos por aí.

Lembro-me de que tínhamos as mãos dadas e lembro-me do momento em que as soltámos e as minhas ficaram de novo vazias no extremo dos meus braços caídos ao longo do corpo. E quando voltámos costas, levávamos a esperança de nos reencontrarmos depois das aventuras que havia para viver. Perdemo-nos ou encontrámo-nos nessas aventuras. O que foi não interessa para esta história. Interessa que nunca mais nos vimos. Passaram vinte e oito primaveras e vinte e oito verões de saudade e ternura. De memórias gratas. De revisitações frequentes à fantástica mulher que me engatou com uma Bolacha Maria, que caminhou a meu lado por montes e cabeços, que me beijou apaixonadamente e com volúpia, que me preencheu as mãos, que me iluminou os dias, que chegou suave e suave me viu partir. O tempo, inexorável, não volta atrás, não devolve o que se viveu nem oferece o que não se viveu. Só a memória pode ser um doce lenitivo para as ausências e para as falhas do que não se viveu porque se não quis ou não pôde. Mas a memória desvanece-se. A escrita pode, contudo, reter estilhaços, preservar o que se sentiu, o que se experienciou. E por isso escrevo estas linhas. Para oficiar a memória. Para não deixar escapar entre os dedos a grata recordação de um amor tão intenso quanto puro, quanto ingénuo, quanto efémero. Escrevo-te, MJ, para te não perder. Assim como quem grava uma tatuagem na alma.

À MJ,
primavera de sempre.

jpv


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O Ofício da Memória – 2 – Primavera

Primavera

É um dado da cultura popular, o facto da Primavera ser a estação onde tudo explode em som e cor e onde se realiza, de preferência, o amor. Não contrariemos o povo que tem sábios e empíricos conhecimentos a que já vimos a ciência curvar-se por mais do que uma vez.

Era, pois, primavera. E essa manhã, a mesma que já aqui referimos, viria a aquecer e viria a ser uma manhã de beijos e transgressões.

Comecemos pelas transgressões. Não sei se a MJ já alguma vez tinha feito gazeta que era o nome que dávamos quando um aluno faltava deliberadamente a uma aula. Eu nunca tinha feito gazeta. Para mim, as aulas eram sagradas. Afinal de contas, eu ia à escola para assistir às aulas! A própria palavra gazeta tinha, entre alunos e professores, uma conotação justamente pejorativa. Justamente, mas não sempre. Posso dizer com algum orgulho e alguma emoção que a MJ foi a primeira mulher por quem fiz gazeta. E essa manhã de primavera foi o primeiro dia em que tal aconteceu. Talvez tenha sido, também, o meu primeiro pecado de amor. Delicioso pecado, doce transgressão.

Estava calor. Debaixo da enorme ameixieira de jardim corria uma brisa suave. Ela estava de branco. Fomos buscar dois blocos de cimento, desses da construção, que estavam por ali e sentámo-nos neles. Fizemos riscos no chão, mergulhámos no olhar um do outro e conversámos. Descobrimos, de imediato, o gosto pela conversa, pelas ideias, pela leitura e, imagine-se, pela escrita. Ambos adorávamos escrever e adivinhávamos no outro um leitor especialmente interessado. E assim foi. Escrevíamos e líamos um para o outro. E depois conversávamos sobre o que escrevêramos. Quase a terminar o tempo da gazeta, as nossas vozes ficaram mais serenas, tombámos lentamente um para o outro e trocámos o primeiro beijo. Terno, suave, pouco invasivo. E depois um outro mais caloroso e depois um outro ávido e enérgico e depois, ao longo dessa primavera, demos milhares desses beijos voluptuosos. Longos e demorados, curtos e rápidos. De saudação, de despedida, acompanhados por mãos atrevidas ou entregues à suavidade de dois lábios numa testa. E apaixonámo-nos com a mesma naturalidade com que demos o primeiro beijo, partilhámos a primeira Bolacha Maria.

Esperávamos um pelo outro antes de chegar à escola, nos intervalos, na hora da saída e íamos juntos até ao último metro, à última passada possível antes do caminho nos separar. E marcávamos tudo com carinho, com beijos, com festas, com mãos dadas nas mãos. E fomos ficando companheiros e cúmplices e aprendemos a apoiar-nos um ao outro. Uma vez fui fazer um teste. Era importante para mim e ela sabia. Enquanto o fazia, ela escreveu-me palavras de encorajamento numa folha a que juntou uma flor. Guardou tudo num sobrescrito e deu-me à saída. Não sei a relação. Não sei se há relação. Sei que passei no teste. Éramos companheiros. Partilhávamos alegrias e tristezas e ajudávamo-nos mutuamente a conhecer os nossos próprios limites. E beijávamo-nos, meu Deus, como nos beijávamos! E ficávamos minutos intermináveis a olhar um para o outro. Ainda hoje me lembro de pormenores da sua face. A cor dos olhos, as diferentes expressões que fazia, o desenho da sombra e o risco do lápis ou a forma como colocava o rímel, o desenho dos lábios, as ondas do cabelo… e por aqui me fico que havia mais corpo do queixo para baixo mas desse falarei mais adiante e em registo parcimonioso.

A primavera tem outras virtudes. Permite atividades ao ar livre. Não tem os inibidores do inverno nem os desencorajadores do verão. E descobrimos então que gostávamos de fazer algo mais em comum: andar. Pode parecer esquisito para miúdos da escola que têm a oportunidade de passar o tempo todo a beijar-se e a agarrar-se, mas era a mais absoluta verdade. Visitámos todos os jardins, parques e quintas da cidade e arredores. Íamos sem destino, só caminhando lado a lado, admirando a paisagem, os pássaros, as flores e os odores. Ela gostava de explicar-me coisas da Natureza e eu de parar e rabiscar um poema para lho oferecer ou beijá-la terna e avidamente. E caminhámos, caminhámos, subimos montes e cabeços e, uma vez lá em cima, olhávamos para baixo, contemplávamos a paisagem e descíamos tudo outra vez. Alguns dos pormenores dessas aventuras continuam a revisitar-me a consciência e o coração. Numa dessas saídas caminhantes, chegámos a um monte onde estava um depósito de água com uma escada de ferro muito estreita. Ela estava de saias e já ia a meio da escada quando se apercebeu que eu lhe oferecera a primazia de subir na frente no meu próprio interesse de espreitar-lhe as pernas e o mais que Deus me oferecesse à vista. Lembro-me de a ver, de repente, deitar uma mão à saia cingindo-a ao corpo e dizer fingindo-se surpreendida:

         – Ah seu malandreco!

Uma vez lá em cima, contemplámos a paisagem sentados no depósito com as pernas penduradas balançando e batendo com os calcanhares na parede e, por fim, caímos nos braços um do outro, nosso lugar preferido de estar por esses dias. O que apreciávamos era, sobretudo, a companhia um do outro. Isso era o essencial. E fizemos juras de amor. Deliciosas juras de amor. Sempre sem decidir nada que não fosse aquilo que queríamos no momento. E crescemos na intimidade e nessa intimidade houve sexualidade, sim. Mas sexo não. Beijámo-nos das maneiras todas que conseguimos inventar. As mãos dela descobriram o meu corpo mesmo onde eu pensava que não havia nada para descobrir e eu encontrei-lhe as formas todas do corpo de menina-mulher sensual e atraente. Percorri-lhe as curvas, os montes e as planícies em aventuras de desvendar segredos da intimidade. Um dia, num jardim, enquanto nos encontrávamos afanosamente, aproximaram-se uns turistas franceses que, ao depararem connosco, disseram como se fizéssemos parte dos monumentos a visitar:

         – Et voilá, les amoureux!

Rimos em gargalhadas sonoras. Depois fizemos um ar sério e compenetrado. Por baixo da blusa, procurei-lhe os seios que acariciei olhando-a sempre nos olhos e, por fim, abri-lhe um botão mais e beijei-os como se acariciasse um tesouro:

         – És um atrevido. Já chega. Pode vir alguém.

E saiu correndo e rindo e abotoando o botão solto e deixou-me com o calor no tato e o sabor perfumado nos lábios. Aí ficou, o sabor. Para sempre. Às vezes, ainda tenho a sensação que acabei de lhos beijar de novo!

E, em meio de toda esta sensualidade e de toda esta sexualidade que nos trazia ébrios de comunhão, de paixão e de excitação, nunca, sem nunca sabermos porquê, tivemos o impulso de nos deitarmos para fazer sexo como fazem os adultos. Talvez estivesse para além dos nossos limites e da nossa espontaneidade, talvez não o considerássemos porque tudo entre nós era perfeito como estava e não precisava do sexo para ficar melhor, talvez o nosso ADN a dois não incluísse o gene do sexo. Talvez. Sei que não foi esse o caminho porque nunca nenhum de nós individualmente, nem os dois em conjunto, mencionou isso, pediu isso, sugeriu isso. A nossa primavera já tinha a escrita, a leitura, as conversas, as caminhadas, os beijos e as mãos navegantes pelas ondas agitadas dos corpos adolescentes e não carecia de sexo. Bastou-nos a nossa deliciosa sexualidade. O explorado e o inexplorado. Ali. À espera de quando quiséssemos inaugurar esse caminho. Nunca o fizemos. Nunca o percorremos. Nunca me arrependi disso. Toda a gente precisa da sua memória de ingenuidade e pureza. Nós guardámos esta. Preciosa. Para sempre. Para todas as primaveras que se seguissem mesmo que nenhuma fosse, alguma vez mais, em comum. E não foi. E foi sempre. Às vezes, não é preciso o corpo das pessoas para as pessoas habitarem em nós. A MJ habita em mim.

jpv

Nota do Autor:
Primavera é o segundo de três capítulos de “O Ofício da Memória – 2 – “


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Rescaldo

Pooortuuugaaal!

E quem é que tinha razão?! Quem disse que o Popas ia marcar golos contra a Holanda? Ah pois é…

Agora venham lá dizer mal do CR!

O que importa é que esprememos a laranja, ganhámos, jogámos muito bem e agora vamos ser campeões! Mai nada!

A verdade é que não nos faltam virtudes:

(Em cada jogo de Portugal, Mails para a minha Irmã vai revelar uma virtude da Nação!)


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Força Portugal!

Pooortuuugaaal!

Bora lá miúdos… vamos lá espremer a laranja!

Hoje, toda a gente vai jogar bem. Até o Popas vai marcar um gooooooolo!

Vamos lá mostrar as nossas virtudes:


(Em cada jogo de Portugal, Mails para a minha Irmã vai revelar uma virtude da Nação!)


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O Ofício da Memória – 2 – Bolacha Maria

Bolacha Maria

Lembro-me como se tivesse sido ontem, uma memória fresca e recente. E intensa. Sobretudo intensa. Além disso, tudo aquilo foi pueril, diria até, inocente. Faz este ano vinte e oito anos que aconteceu esse pouco que na altura foi tudo, que me marcou para sempre pela simplicidade dos gestos, pela sensibilidade com que as emoções nos perpassaram o coração e a alma.

Vou contar-vos a história do dia em que fui engatado e da fantástica mulher que me engatou com uma Bolacha Maria.

Não gosto muito da palavra engatar. Contudo, não me ocorre melhor. Conquistar, não sendo mentira, é demasiado cavaleiresco. Faz lembrar novelas de cavalaria e Bernardim Ribeiro. Namorar, não sendo mentira, é mais alongado no tempo e eu quero concentrar-me naquela manhã. Por outro lado, engatar é uma expressão, quer gostemos quer não, de conhecimento generalizado. Toda a gente percebe, de imediato, do que se trata.

Ela namorava com o A e eu andava a tentar esquecer esse complexo pântano de sentimentos em que estivera mergulhado: a ML. O que quer que seja que houvesse entre eles, estava a desvanecer-se por desinteresse mútuo. Nunca explorámos isso porque decidimos não olhar para trás, não fazer perguntas, não dar respostas, mas acho que ela estava desiludida. Decidimos não decidir nada. Somente usufruir da companhia um do outro. Terá sido, talvez, a abordagem menos elaborada e menos refletida que alguma vez fiz de um relacionamento a dois e nem por isso deixou de ser uma das mais bem sucedidas. Foi um enamoramento espontâneo e desinteressado, uma espécie de Carpe Diem do amor. No que desse, daria. No que não desse, não lhe tinha sido exigido.

Era uma manhã fresca de primavera, mas soalheira, e o dia prometia aquecer. Naquela altura tínhamos descoberto o fantástico poder da conversa, o gosto por uma troca de ideias entusiasmante e estimulante e, por isso, o que mais gostávamos das aulas era o intervalo. Deixáramos de correr atrás da bola, de jogar às escondidas ou qualquer atividade fisicamente mais exigente. Fazíamos círculos de oito, dez, doze colegas, raspávamos o chão com a ponta das sapatilhas desenhando outros círculos, os de acompanhar as conversas. Olhávamos nos olhos uns dos outros, falávamos, perguntávamos, respondíamos, ríamos.

E a vida era interessante, assim debatida e partilhada. Futebol, música, moda, livros, teatro, arte, aulas, professores, caráter, comportamentos e, claro, os relacionamentos: o tópico dos tópicos. Sem tabus, rapazes e raparigas numa roda de aprender uns com os outros o pouco que uns e outros tinham para ensinar.

Lembro-me muito bem onde estava, no átrio, junto à imensa frente envidraçada da escola. Tinha os braços estendidos ao longo do corpo e as mãos vazias. Muitas vezes na vida tive as mãos vazias. Não era o meu círculo mais frequente, mas conhecia-os todos. Até a ela. De vista. Sempre lhe reconhecera a beleza nas formas e o brilho no olhar a contaminar o sorriso, mas, como disse, ela tinha namorado e eu namorada e nessas alturas o mundo fecha-se à nossa frente. Como andava procurando afastar-me da ML, juntei-me a esta roda de conversadores e abandonei aquela onde tinha lugar cativo. Ela não estava lá. Chegou momentos depois. Lembro-me de ter pensado que era diferente ao perto. Mais bonita, mais presente, mais interessante.

Com naturalidade, aproximou-se, cumprimentou a malta, abriu um sorriso largo e disse como se soubesse há muito que eu estava ali, como se tivesse estado à espera que eu aportasse naquele cais de conversa:

– Olá! Queres uma bolacha?
E estendeu-me uma Bolacha Maria.

– Está bem, pode ser.

Sempre gostei da expressão pode ser. É que, sendo afirmativa e de anuência, não é intrusiva nem excessiva. Ela estendeu-me a bolacha para a mão esquerda, a mais distante dela, que estava à minha direita e com a sua mão esquerda segurou a minha mão vazia. Preencheu-a de calor, energia e humanidade. E pronto. Ficámos de mãos dadas. Acho que éramos namorados. Há quem troque alianças, Baltasar e Blimunda partilharam uma malga e uma colher, nós partilhámos uma Bolacha Maria. Algum tempo depois, alguém arriscou uma pergunta que não perguntava o que as palavras diziam mas o que os gestos implicavam:
– Vocês estão de mãos dadas?
Ela nem me deixou pensar, quanto mais responder. Adiantou-se. Respondeu e fechou o assunto:
– Sim. Somos namorados.

E pronto. Foi assim que fiquei a saber que namorava com a MJ!

jpv

Nota do Autor:
Bolacha Maria é o primeiro de três capítulos de “O Ofício da Memória – 2 – “


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Uma Boa Média

(Clique na imagem para ver maior)

Continuo a dizer o que sempre disse: não gosto do jornal em questão por razões de ordem diversa e, em última análise, por ser o órgão oficial do PC. Mas, como sempre disse, também, até porque sou um tipo honesto, este jornal tem o melhor Cartoon de toda a imprensa escrita portuguesa. É oportuno, tem espírito, é incisivo e tem um sentido de humor fantástico. De vez quando partilho um. Este não resisti…


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Crónicas de Maledicência – Saudação



Saudação

Ontem à noite, a República da Irlanda perdeu 4-0 com a Espanha, mas conquistou o mundo! 

Não o conquistou com a qualidade do futebol, não o conquistou com uma vitória estrondosa nem com golos bonitos nem com nenhuma espécie de soberba manifestação de superioridade. Perdeu 4-0 contra uma seleção mais experiente e mais capaz técnica e taticamente.

Conquistou-o pela abnegação de jogadores e adeptos, conquistou-o por nunca desistirem os jogadores, do jogo, nem os adeptos da sua equipa. Conquistou o mundo pela solidariedade, pelo patriotismo enraizado, pela festa, pela alegria genuína.

A verdade, caros leitores, é que junto ao final do jogo, já a República da Irlanda perdia por 4-0, os adeptos irlandeses silenciaram os espanhóis com os seus cânticos de incentivo, de identidade nacional, de comunhão com a equipa. Silenciaram o estádio e silenciaram o mundo. Aqueles jogadores estavam a passar um mau bocado, mas nunca estiveram sozinhos ou entregues ao silêncio. Souberam sempre que a sua Nação estava ali e reconhecia o seu esforço e a sua dedicação. O seu empenho pela pátria nunca esteve em questão, pese embora o resultado. Pelo contrário, esse claríssimo empenho foi exaltado e exultado.

Aquilo é uma Seleção a sério. Dentro e fora das quatro linhas.

Curvo-me e saúdo uma Seleção assim, com uma tal abnegação e dedicação. Saúdo adeptos assim, que fazem a sua festa e apoiam os seus rapazes (lads) sempre e independentemente das circunstâncias. Saúdo um povo que consegue comportar-se desta forma…

É preciso saudar estas manifestações e… aprender com elas!

Tenho dito!
jpv


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O Ofício da Memória – 2 – Apresentação

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Caros leitores e amigos,

Muito brevemente publicarei uma segunda história sob o título “O Ofício da Memória“.

Não se trata da continuação da primeira nem das mesmas personagens. Mantenho o nome porque a história vive do mesmo princípio: rememorar a vida.

Ainda não tem uma imagem que a caracterize porque aguardo autorização para usar uma específica e já está completamente redigida. A única coisa que vos posso dizer é o nome dos três capítulos que a vão compor:

Bolacha Maria
Primavera
Verão

Espero que venham a gostar.
Boas leituras.

jpv