Monthly Archives: Junho 2012
O Clã do Comboio – Terra de Ninguém

Terra de Ninguém
Fim de tarde. Viagem animada.
Com a Rapariga do Brinco de Pérola, a Senhora da Revista de Culinária, a Senhora das Caralhotas e o Escritor. A discussão começou com aquela história do bispo argentino que foi fotografado a banhos com uma amiga de infância que afinal era uma amante da meia-idade. Pormenores. O Escritor mais cauteloso e conservador nos juízos, a Senhora da Revista de Culinária, mais resoluta na mudança, apostava na liberalização da instituição do matrimónio e seu alargamento ao guias espirituais. Vai daí, começou-se interessante debate sobre o sentido do celibato, a vocação, a concentração na família espiritual, sem distrações nem perturbações, as perturbações diversas, como sejam, a participação regular em programas de televisão, concertos, eventos, etc e tal e tudo o que não vinha no jornal.
Íamos nesta elevação discursiva quando, em Azambuja, entra a Senhora das Caralhotas e deu uma volta à conversa como só ela sabe. Acabámos a falar da feira da Azambuja e dum tipo em quem ela quis bater nessa feira. Claro que abriu o livro da vida privada de certo padre que ela conhece e sua tendência para participar em eventos pagãos, contar anedotas picantes e, eventualmente, e provavelmente falsa, a sua tendência para chegar tardiamente à Casa do Senhor depois de demorados e fortuitos encontros com as Madalenas deste mundo.

E foi então que chegámos à Terra de Ninguém. Ali entre Mato de Miranda e Riachos, onde eu saio, a senhora do altifalante anunciou Riachos. O comboio parou e a CP deu mais uma demonstração de como, em pleno século XXI, era das tecnologias e do controlo das nossas vidas ao segundo, a empresa continua a controlar muito pouco e, tirando a simpatia dos seus revisores, a dar mostras de um serviço de qualidade sofrível e questionável. Parou. Olhei pela janela. E a estação que vi foi aquela que a imagem documenta. A Terra de Ninguém. Ninguém entrou. Ninguém saiu. Ninguém estava lá. Nada estava lá, a não ser o caniçal e o mato e o arvoredo ao fundo. E ali ficámos, até que a mesma voz que anunciara Riachos ecoou de novo para dizer que, devido a uma avaria nas linhas, estávamos atrasados. Pois… era óbvio. Devíamos estar a andar. Estávamos parados. O atraso é a consequência natural, física e cronológica expectável.
Volvidos uns minutos, arrancou. Levou-nos a nós e ao atraso. E agora fica-me a curiosidade de verificar se nas próximas viagens paramos entre Mato de Miranda e Riachos nessa bela localidade que a CP serve: a Terra de Ninguém
jpv
Haicai – Autobiografia
Vendo o meu Land Rover Defender
Necessidades e Estados de Alma
Porque há imagens que não precisam de palavras.
Encarnado
Encarnado
Não eram cerejas
Escarlate,
Nem morangos
Carmim.
Eram uma provocação
Que me deixou assim:
A olhar-te.
Nesse sangue
Encarnado
E vivo
De desejo,
Nesse tom desenhado
A marcar-te a presença.
Para ti, só unhas.
Para mim, uma sentença!
Entras, simpática e gentil,
Saúdas a manhã,
E fico com este ar frustrado,
Servo e escravo
De teu incandescente
Encarnado!
jpv
Vai, Estranha, Vai
Vai, Estranha, Vai
Era preocupado
O teu olhar
E a tua pose contrita
Mas havia
Nesse sobrolho franzido
Uma linha bonita.
Era um traço
Pesado e sério,
Uma mãe preocupada,
Uma mulher atormentada
Carregando na face o mistério.
E tinhas nessa escuridão
Uma aura e uma luz
Grácil e feminina.
Elegante porte de menina
Que nos conduz
A alma para o desejo.
Seio firme e redondo,
Lábios a pedir um beijo.
E vi-te,
Por trás dos óculos escuros,
Uma lágrima atrevida.
E apeteceu-me abraçar-te,
Saltar, do preconceito, os muros
E devolver-te à vida!
Com uma carícia,
Uma festa,
Singelo beijo na testa
Pousado.
Sem mácula
Nem pecado.
Só a ressurreição.
Mas é este
O mundo em que vivemos.
E não outro.
Um mundo onde vemos
Sofrer a elegância.
E deixamo-la
Entregue à sua triste
E solitária errância.
É este o meu abraço.
Este sou eu.
Não há entre nós
Qualquer laço
Para além deste
Gesto meu.
Anónimo.
E honesto.
E que a vida
Te sorria.
Que esta passagem
Breve e fugidia
Te traga o sol
E a alegria.
Que a singeleza
Da tua cintura
A abrir-se para a anca larga
Possa subjugar dos homens
A natureza amarga,
E frutificar em amor
E sucesso.
Em harmonia, como tu.
Sem excesso.
Vai, estranha, vai.
Leva contigo as intenções
E a fortuna.
Eu sou poeta,
Bastam-me da vida
Os estilhaços dispersos
Que vagueiam, indecisos,
No ondular dos meus versos.
jpv


























