Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Eu gosto é do Verão

À meia-noite, exatamente, começa mais um! Verão.
Estou ansiando, mesmo com a crise, pelos centímetros a menos de roupa, pelo sol, pela imperial, pelos tremoços, pelos gelados, pelas t-shirts, pelas minissaias, pelas caminhadas ao longo dos passeios com vista para o mar, pelo calor, a praia e, sobretudo, acima de todas as outras coisas, o mar.

Estas coisas não acontecem de repente. Vão acontecendo. Acontece que, segundo a malta da ciência hoje é o solstício de verão, logo, à meia-noite, começa a estação da areia na vrilha, das pranchas de surf, dos piqueniques e daqueles dias de férias… tão necessários para recuperar.

Saudemos, então, o verão e esperemos conseguir reinventar a vida e fazer um veraneiozinho para além da crise!


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Citation des Bras


“Il me serait précieux de pourvoir me plonger dans ton amour comme on saute du plus haut plongeoir de la piscine pour se noyer dans l’affection infinie d’un être cher. J’aimerais m’enterrer dans tes bras, à l’abri des vents et des tempêtes de l’existence.”

Dulce Morais in


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Por causa dA Dívida – XIII

Por causa dA Dívida – XIII

É um edifício antigo, de corredores estreitos e portas de madeira. Tem lâmpadas amarelas e solitárias enforcadas num fio coberto de pó. Cada porta do corredor tem uma placa em metal branco com um número azul. O chão é soalho e esteve encerado em tempos. A tinta da parede descasca-se e há enormes pedaços onde o reboco está visível. À medida que João Paulo e Dulce caminham, o chão range-lhes debaixo dos pés. O gabinete do Inspetor Patilhas e seu diligente ajudante Ventoinha seria o último à direita e teria o número 13.

– JP…
– Sim, Dulce…
– Tinhas dito que ia ser o último à esquerda…
– E qual é a diferença? Temos de nos apresentar na PJ ficcional e não na real.
– Está bem, mas disseste que a esquerda era um sinal de azar porque em latim “esquerda” diz-se “sinistra”… manias! Mas lá que disseste…
– Pronto, pronto, está bem. Arranjas-me a alhada da PJ e ainda queres precisão e rigor na escrita! Altera-se já.
– JP…
– Sim, Dulce…
– Que raio de nomes são esses, Patilhas e Ventoinha? Estás a gozar?
– Estou. Eram os inspetores dos Parodiantes de Lisboa.
– Dos quê?
– Esquece… estou a reescrever.

O gabinete do inspetor Patilhas e seu diligente ajudante Ventoinha seria o último à esquerda e teria o número 13. Bateram.

– Entrem!

Assim que abriu a porta, JP perguntou:

Como é que sabia que era mais do que uma pessoa?
– Antes de mais, Bom dia! E depois fique sabendo que tenho as minhas fontes de informação. Eu trato por tu os seis maiores artolas do FBUI…
Do quê?
– Cale-se e sente-se! O senhor é acusado. E essa senhora também.
Eu?! De quê?
– De cumplicidade.
Acusados?! Senhor Inspetor, peço perdão, mas que eu saiba isto é a PJ, não é um tribunal… E tanto quanto sei, os senhores ainda estão a averiguar… não se percebe o quê, nem porquê, mas ainda estão a averiguar.
– O senhor cale-se! Qualquer coisa que diga neste gabinete pode ser usado contra nós.
Nós?!
– Sim, vós.
Vós?!
– Não nós, vós.
Hã?!
– Deixe-se de confusões. O meu nome é Inspetor Patilhas e este é o meu ajudante Ventoinha, homem de pouca coragem mas que faz tudo o que eu mando. Trabalhámos no privado, mas a coisa estava a ficar feia, o negócio estava fraco. Por causa dos telemóveis e dos computadores já ninguém precisa de inspetores para resolver casos de adultério e crime. Aparece tudo primeiro na Internet. Então, viemos operar para o público. Nas secretas.
Hã?! E nós? O que estamos aqui a fazer?
– Ventoiiiiiinha…
– Sim chefe, diga chefe, pronto chefe…
– Escreva tudo o que estes alegados senhores disserem daqui para a frente.
– Da sua secretária para a frente, chefe?
– Não, seu estúpido, deste minuto para a frente.
– E qual minuto, chefe? O do seu relógio ou o do meu?
– Irrraaa que é burro! Cale-se e escreva!
– Sim chefe, é para já chefe.
– Os alegados autores João Paulo Videira e Dulce Morais alegadamente compareceram nas instalações e nomeadamente da Polícia Judiciária e alegadamente para serem interrogados, quiçá torturados…
Hã?! Tá louco? Torturados?
– Cale-se! Isto aqui não é a sua realidade, é a nossa ficção.
– Como?
– Sim, caro autor, e alegadamente e o senhor não está lá fora, está cá dentro.
Cá dentro de quê?
– Da escrita. Da ficção. Comporte-se! Ventoiiiiiinha…
– Sim chefe…
– Chegue um copo de água ao alegado autor que ele está a suar.
– Sim chefe… … … aqui tem.
– Ventoiiiiiinha…
– Sim chefe…
– ESSE COPO ESTÁ VAZIO!!!
– Ó chefe, e o chefe disse e um copo de água e o chefe não disse e um copo COM água.
– Irrraaa que é burro! Mate a sede ao homem!
– E chefe, isso é que vai ser! E com que arma chefe?
– Irrraaa que é burro! Ventoinha, vá ver se eu estou lá fora!
– Sim chefe. É para já chefe.

Ventoinha abandona o gabinete e Patilhas volta à carga:

– E o senhor alegadamente sabe nomeadamente do que é acusado?
Não faço a mínima ideia, chefe.
– Para si, senhor Inspetor Patilhas!
Certo. Desculpe. Senhor Inspetor Patilhas, não precisa estar sempre a dizer “alegadamente”.
– Culpa sua!
Culpa minha? Isso é absurdo.
– Não é não! E o senhor e é que está e alegadamente a escrever isto! E se quer a minha opinião, eu digo demasiadas vezes alegadamente e nomeadamente, nomeadamente.
Touché!
– Vamos e alegadamente, ao que interessa… o senhor é acusado do crime de abuso sexual de uma personagem de uma história, de seu nome Belinha, o crime agrava-se porque, ainda por cima, não só é autor do crime, como da história onde ele decorre pelo que incorre e alegadamente e na pena de duas prisões perpétuas!
Duas perpétuas?! Está louco?!
– Não! Estou em ficção. Não se preocupe, na página seguinte muda tudo. Mas há mais, sendo e alegadamente e nomeadamente a alegada vítima casada com uma personagem também ela ficcional, de seu nome Marinho, e sendo o senhor autor e alegadamente e nomeadamente casado lá fora e como nesta história realidade e ficção estão misturadas, incorre também no crime de duplo adultério.
Duplo?
– Sim! O seu porque o cometeu e o da personagem porque o escreveu.
Ah, quer dizer que eu sou culpado pela galderice da Belinha?!
– Exatamente. E é aqui que entra e a alegada autora e nomeadamente a Dona Dulce Morais que vai acusada de cumplicidade no alegado crime.
Ó senhor Inspetor, pense comigo, já reparou que essa parte do adultério tem outro tipo de escrita? ESTÁ CHEIA DE ERROS!!! Porque é ficção e porque a Belinha e o Marinho são dois energúmenos!
– Confere. Até para mim aquilo está demasiado mal escrito. Veja lá que escreveram apaichonadocom um “o” no fim e toda a gente sabe que é com um “u”.
Tirem-me daqui!!!
– Não posso. Pelo contrário!
Hã?! Como?!
– Mesmo considerando e a alegada e nomeadamente e a pertinência da sua argumentação e mesmo admitindo que não praticou o adultério que escreveram por si, a verdade é que permanecem provas.
Permanecem provas?!
– Sim, as fotos. Veja!

Patilhas atira com um maço de fotos para cima da secretária onde João Paulo aparece em poses comprometedoras com Belinha. Diversas poses. Muuiiito comprometedoras.

– E o que me diz e nomeadamente agora, senhor autor?
Que vou reescrever esta trapalhada toda!
– Demasiado tarde! Enquanto está aqui a ser interrogado, as personagens Belinha e Marinho foram contactar e nomeadamente um novo autor e uma nova autora, uns que escrevam bem, para lhes reescreverem a história e darem um final digno.
Isso é impossível!
– Impossível? Nada mais fácil. Não esqueça o alegado senhor autor que e nomeadamente da mesma forma que entrou na ficção, também as personagens podem visitar o mundo real.
Absurdo!
– Ai é? Então espere para ver. Mas vai esperar nos calabouços. Ventoiiiiiinha…
– Sim chefe, pronto chefe. E o chefe não estava e lá fora!
– Irrraaa que é burro! Algeme estes dois e leve-os para o calabouço. Mas, Ventoinha…
– Sim chefe…
– Não os ponha ao pé do Esmaga-Ossos que ele anda irritadiço e ainda triturava estes dois e também não os ponha ao pé do leão que eu desde ontem que não dou de comer à besta e podia ser perigoso…
– Atão onde é que eu os ponho, chefe?
– Ó sua cavalgadura, se não ficam com o leão nem com o Esmaga-Ossos e só temos três celas, têm de ficar na do meio!
– Mas… chefe…
– Sim Ventoinha…
– A do meio não tem porta!
– Irrraaa que é burro! Algeme-os às grades!

– JP…
– Sim, Dulce…
– Acho que estamos numa cela sem porta com um bruta-montes à esquerda e um leão à direita!
– Não faz mal, Dulce. O leão está a dormir.
– Deixa-te de brincadeiras, JP. Como é que vamos sair daqui?
– Sei lá! Tu é que vais escrever o próximo capítulo!
– Irrraaa que é burro!

jpv


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O Ofício da Memória – 2 – Verão

Verão

Toda a primavera dá lugar a um verão. E o nosso também chegou. Quente, por sinal. E com o verão chegou o fim das aulas. Há já algum tempo que pairava entre nós certa apreensão mesmo que não confessada. Era a incerteza de não sabermos como seria a vida depois do final das aulas. Era a antecipação de que poderíamos não sobreviver a essa separação porque as nossas vidas tinham caminhos diferentes. Muito diferentes. Fiz um exame importante e a MJ esteve sempre a meu lado. No fim, quando nos despedimos, ambos sabíamos que não havia qualquer razão para voltar à escola. Era verdade, um facto incontestável, que nos amávamos profundamente como só na adolescência se ama, que gostaríamos de passar o tempo das nossas vidas lado a lado. Mas era também verdade que ambos queríamos outras coisas da vida, mais coisas da vida. Caminhadas de aventura com outras pessoas, noutros locais.

E, com a mesma espontaneidade com que começáramos a namorar, assim terminámos. Não houve juras. Não houve promessas. Fomos juntos até onde o caminho nos separava. Abraçámo-nos longamente. Não nos beijámos. Todos os beijos haviam sido dados com toda a intensidade possível. Uma vez mais decidimos não decidir nada. Dissemos qualquer coisa desacertado como Até breve, Até já, Vemo-nos por aí, Vemo-nos por aí.

Lembro-me de que tínhamos as mãos dadas e lembro-me do momento em que as soltámos e as minhas ficaram de novo vazias no extremo dos meus braços caídos ao longo do corpo. E quando voltámos costas, levávamos a esperança de nos reencontrarmos depois das aventuras que havia para viver. Perdemo-nos ou encontrámo-nos nessas aventuras. O que foi não interessa para esta história. Interessa que nunca mais nos vimos. Passaram vinte e oito primaveras e vinte e oito verões de saudade e ternura. De memórias gratas. De revisitações frequentes à fantástica mulher que me engatou com uma Bolacha Maria, que caminhou a meu lado por montes e cabeços, que me beijou apaixonadamente e com volúpia, que me preencheu as mãos, que me iluminou os dias, que chegou suave e suave me viu partir. O tempo, inexorável, não volta atrás, não devolve o que se viveu nem oferece o que não se viveu. Só a memória pode ser um doce lenitivo para as ausências e para as falhas do que não se viveu porque se não quis ou não pôde. Mas a memória desvanece-se. A escrita pode, contudo, reter estilhaços, preservar o que se sentiu, o que se experienciou. E por isso escrevo estas linhas. Para oficiar a memória. Para não deixar escapar entre os dedos a grata recordação de um amor tão intenso quanto puro, quanto ingénuo, quanto efémero. Escrevo-te, MJ, para te não perder. Assim como quem grava uma tatuagem na alma.

À MJ,
primavera de sempre.

jpv