Monthly Archives: Maio 2012
Registo
55000
O Pingo está cada vez mais Doce
O Pingo Doce, recentemente estrela de televisão, rádio, jornais, Internet e tudo onde se pudesse ver, ouvir e ler, voltou a meter-se comigo. Desta vez, encontrei esta belezura de cartaz… Ou seja, a confiar no dito, o bacalhau é carninha, chichinha que anda a pastar na lezíria ribatejana antes de chegar ao Pingo mais Doce do país… Ah, pois é!
Publicidade – Eles mostram o que interessa
Bem-Vindos!
o vivo e puro amor de que sou feito
Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si sómente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.
Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim co'a alma minha se conforma,
Está no pensamento como ideia;
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como matéria simples busca a forma.Luís de Camões
O Clã do Comboio – O Sorriso Enigmático

O Sorriso Enigmático
Era tarde, quase 20h. Estava junto ao comboio olhando o vazio, descansando de um dia intenso, à espera de entrar. Fora um daqueles dias de tarefas inúmeras e infindáveis. De emoções fortes e contraditórias. Saudade, tristeza, alegria, entusiasmo, solidão. Uma profunda e inexplicável solidão. Como tinha, nesse dia, uma reunião de tom um pouco mais formal, de manhã saí de casa com um fato cinzento, uma camisa azul-clara e uma gravata azul-escura. E foi com esse fato-macaco que venci as tarefas e naveguei as emoções. E quando parei junto à carruagem, antes de entrar, foi para olhar a estação sob uma outra perspetiva. A de terminar. A de partir. A de mudar.
E foi então que ele apareceu. Teria cerca de setenta anos, cabelo branco, pouco, um polo castanho de manga curta, calças de ganga e sacos do supermercado antigos e usados, cheios de não sei o quê, em ambas as mãos. E começou a olhar para mim. Olhei de volta e desolhei. Um curioso, pensei. Mas quando voltei a olhar para ele, ele continuava a olhar para mim insistentemente e a sorrir como quem tenta descobrir alguma coisa. E não parava de olhar para mim com aquele sorriso enigmático enfiado na cara. E foi por isso que fiz a pergunta que fiz e obtive como resposta uma outra pergunta e foi essa outra que me fez registar o episódio:
– Boa tarde. O senhor deseja alguma coisa?
– Você por acaso não é revisor?
E pronto. Um sorriso. Um, Não sou não senhor e a vontade secreta de nunca mais vestir aquele fato com aquela camisa. Não tenho nada contra os revisores, pelo contrário. Só não sou um!
jpv
Por causa dA Dívida – XI

Por causa dA Dívida – XI
– Autor? Sr. João? Está a ouvir-me?
– Sim, estou aqui. O que me queres?
– É assim Sr. João: o Marinho ficou a trabalhar tarde hoje e eu aborreço-me aqui sozinha em casa. Então pensei que talvez o autor quisesse vir aqui … ter comigo … fazer-me companhia…
– Está parva ou quê? Onde é que já se viu um autor juntar-se com as suas personagens?
– Em muito lado. Além do mais, é bem comum a ideia dos autores se reverem nas suas personagens.
– Pois, mas eu não me revejo em si nem no parvo do seu marido. Esta história foi um erro meu e da Dulce. O vosso destino é o caixote do lixo.
– Meu Deus! Tão drástico! Se tenho estas formas e esta malandrice, a si o devo. E, além do mais, se me matar, morre também um pedaço de si…
– Bem visto, a Belinha não costuma fazer sentido, mas tem aí um argumento de peso.
– Vamos discuti-lo num jantar… Vá lá…
– OK. Amanhã, num local público.
– Combinado.
Era um restaurante agradável que, sem ser de luxo extremo, tinha as condições ideais para que, sendo uma refeição pública, fosse privada também. Como o autor é ribatejano, foram jantar ao Remédio D’Alma, em Constância, Vila Poema. Havia velas e um frappé junto à mesa com uma garrafa de champanhe. Ele foi de fato cinzento e camisa azul-clara. Ela levava um vestido encarnado cereja, colado às formas sensuais do corpo e um decote até ao umbigo num V imenso a convidar o olhar. E ela convidou o olhar e ele conteve-se. Conversaram sobre esta história e ela terá argumentado que o João e a Dulce tinham de a continuar porque essa seria a única forma das personagens viverem. João, o autor, criticou-lhe o caráter, assim como o de Mário e disse-lhe que estava determinado a pôr um fim a tudo. Foi uma refeição agradável, pautada por uma conversa tranquila e suave e muita sensualidade no ar. João, o autor, só pensava que a Dulce o havia metido num lindo sarilho e Belinha tentava seduzi-lo até que arriscou:
– João, eu fiquei hospedada na Quinta de Santa Bárbara para não voltar hoje a Lisboa… é muito acolhedor. Aceita um chá na Quinta?
– Está louca? Acha que quero alguma coisa consigo?
– Não está a entender. A ideia é conversarmos com o Mário e tentarmos resolver isto entre os três. Não é um passe amoroso, são negócios…
– Não tenho mais nada a dizer-lhe a ele do que lhe disse a si.
– Pois, mas quem sabe, entre homens, conseguem resolver este impasse.
– Enfim, quem já veio até aqui…
– Belinha, não está aqui o Mário.
– Esperemos um pouco. Deve estar a chegar. Olhe, vou fazer um chá para mim. São tão simpáticos, põem estas cafeteiras com as saquetas… Também quer para si?
– Pode ser…
– Mário, Mário, venha cá, querido, o JP já dorme que nem um anjo…
– Belinha, a menina é um génio. Esta ideia de o sedar com o chá foi brilhante… Como é que despejou o pó?
– O pacotinho de açúcar, Marinho, não tinha açúcar…
– Hahaha! Sua malvada brilhante. Então e agora?
– Agora pegamos no caderno dele e escrevemos o capítulo XI de “Por causa dA Dívida” de forma a assegurar o nosso futuro.
– Belinha, aí é que eu tenho as minhas reservas… Ele vai estranhar a caligrafia, o estilo, não se vai lembrar de o ter escrito…
– Marinho, vocês, homens, são uns inúteis. Então acha que eu não pensei nisso? Vá ao carro buscar a máquina fotográfica, a Polaroid que cospe as fotos no momento. Está no porta-bagagem.
– Para quê?
– Deixe-se de perguntas e faça o que eu digo.
– Belinha, nem acredito no que estou a ver. A menina está nua, completamente nua! E se o JP acorda?
– Não acorda nada. Eu dei-lhe dose de cavalo. Vá, ajude-me a despi-lo.
– A quê?! A Belinha enlouqueceu?!
– Deixe-se de parvoíces e faça o que eu digo! Vá, ajude aí a tirar os sapatos, as calças, cuequinhas, olha, tem o Diabo da Tasmânia nas cuecas, isto seria promissor… a camisa…
– Ai Belinha, a menina intriga-me. Então e agora?
– Agora eu vou deitar-me ao pé do nosso autor, abraço-o, ponho as mãos em sítios… quentes…
– Belinha!
– Cale-se! Não podem ser só sacrifícios, também tem de haver algum prazer. Vá, tire lá as fotos. Assim, assim, sim, assim também…
– Belinha, a menina está a… tem mesmo de pôr aí a mão?
– Cale-se! É pela nossa sobrevivência… vá, tire as fotos.
– Então e agora?
– Agora colocamos três fotografias destas aqui no caderno do senhor autor João Paulo Videira e escrevemos assim: “Senhor autor, andou em grandes noitadas e muito bem acompanhádo. Acha que esta sua escaldante escapadéla se pode turnar pública? É melhor não! Para que tal não acontessa, basta que publique o capítolo XI de “Por causa dA Dívida” que lhe deixamos aqui escrito no seu caderninho…”
– Belinha, isso é terrível, até deve ser crime!
– Deixe de ser parvo! Quem é que ia condenar uma personagem de uma história? Vá, vamos lá escrever o capítulo, vamos lá salvar as nossas vidas. Já sabe, quero ser rica. Isto vai ser assim, eu dito, o Marinho escreve.
Por causa dA Dívida – XI
– Autor? Sr. João? Está a ouvir-me?
– Sim, estou aqui. O que me queres?
– É assim Sr. João: o Marinho ficou a trabalhar tarde hoje e eu aborreço-me aqui sozinha em casa. Então pensei que talvez o autor quisesse vir aqui … ter comigo … fazer-me companhia…
– Claro que sim, quem podria rezistir aos seus incantos…
– Sabe caro e doçe autor é muito sensoal… deiche cá ver o mosculo… é firme!
– Belinha, você é uma Deuza… vou fazer de si uma princeza.
– Isso é que é falar.
E fizeram amor tórrido em caza dela e João Paulo sintiu-se tão apaichonado que lhe oferesseu um anel de brilhantes no dia seguinte. Belinha, avessa ao jogo, sintiu-se inspirada e jogou no euromilhões e saiu-lhe uma fortuna e Marinho pagou as dívidas e suburnou uns policias para apagarem os rastos dos seus pecados fiscais e hoje vivem nas Maldivas num chalé com vista para o mar e de vês em quando mandam um pustal ao seu amado autor.
— FIM —
– Dulce…
– Sim, JP…
– Preciso contar-te uma coisa…
– Força, amigo! Pareces preocupado. O que se passa?
– Nem vais acreditar, Dulce, nem vais acreditar… estamos metidos numa bela alhada.
jpv
Voz
Voz
Tem seda, a voz,
E um esgar de rouquidão
Que é sempre mais bonito,
O perfeito,
Com um traço de imperfeição.
E transporta tons
De sensualidade
E malandrice anunciada,
Pode ser séria e grave,
Ou rebentar
Numa gargalhada.
Tem promessas
E tem melodia.
Pinta palavras antigas
E desenha quadros
De sintonia.
É uma voz que vem de dentro
E preenche o espaço em volta.
É uma voz que prende
E é uma voz que solta.
E tem sexo e desejo,
Tem movimentos sensuais.
Tem o amor num gotejo
De palavras ideais.
E incita.
E motiva.
E conduz.
E cativa.
É um instrumento
De trabalho
E de amor.
E solta a cada momento
Uma força e um clamor.
Vive nela
Uma vida
Em pujança
E em emoção.
A minha voz traça sempre a dança
Da libertação.
E é com ela
Que me zango.
E é com ela
Que amo.
E é com ela
Que me entristeço.
E é com ela
Que me alegro.
É com a minha
Dolente e triste voz
Que me faço.
E dou,
Como num ritual antigo,
Um jogo de risco
E de perigo,
Ao mundo
A minha forma
Em palavras fundida.
É com a minha voz
Que escrevo a vida.
jpv







