Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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A Estação Inverno-Primavera

Por aqui, por bandas da Quinta de Sant’Iago, vive-se uma estranha estação a que chamo Inverno-Primavera. E não tem nada a ver com a falta de chuva. Todos os anos, mesmo quando chove muito, esta estação acontece. É verdade que a falta de chuva se está a tornar preocupante, mas a Natureza segue o seu curso. Os homens aprenderam a olhar o Sol e a medir-lhe e a contar-lhe as voltas. E é por isso que vieram a ter a arrogância de marcar datas para as estações. Agora termina o Inverno. Agora começa a Primavera. Pois, na Quinta de Sant’Iago, depois do Inverno e antes da Primavera há a estação Inverno-Primavera. Ainda aquele não terminou e já esta se nota no despontar esplendoroso da vida.

A folhagem dos limoeiros está amarelecida e o próprio fruto deixou de ter aquela cor clarinha e vigorosa e está agora pintado de um amarelo forte e carregado. As amendoeiras florescem como noivas saindo da igreja. Há-as, até, que, para além da flor, já mostram a folha verdejante. E a cabrinha, filha da mítica Gulosa, já pariu seu rebento. Fartou-se de estar prenhe. Não tem a experiência da mãe que aturou muito partos, mas tem o mesmo cuidado e o mesmo carinho. Para primeira vez, portou-se muito bem. E tem uma paciência notável. O pequenote, negro como o carvão, espinoteia como se quisesse saltar o Universo inteiro e caminha célere dando saltos com as quatro patas. É enérgico até quando mama. Como não gosta de esperar que o leite escorra lentamente das tetas, marra com força no úbere da mãe.

Sim. Ainda cá está o Inverno. As suas geadas e o lume crepitando na lareira. Sim. Já cá está a Primavera florindo amendoeiras e parindo cabritinhos irrequietos! É essa fantástica estação: Inverno-Primavera.

Amendoeiras em flor, com folha.
Amendoeiras em flor, sem folha.
 Limões de fim de Inverno
 Duas semanas de vida e já tanta energia. 
Assim, no colo, só uns segundinhos.


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A DÚVIDA – CAPÍTULO VIII

A DÚVIDA
CAPÍTULO VIII

Nunca pensei chegar a isto. Eu não duvido só do que ela me diz. Eu duvido dos meus próprios sentimentos. Dos meus próprios pensamentos. Por exemplo, esta coisa dela digitalizar o diário e me mandar como uma espécie de prova da verdade dos seus sentimentos, normalmente eu acreditaria nisto, mas não consigo deixar de pensar até que ponto aquilo é mesmo honesto e até que ponto é uma manobra para reconquistar a minha confiança e reconstruir a confiança do casal. Até que ponto aquelas palavras refletem a minha Bela e até que ponto são uma estratégia da Bela que me vasculha o telemóvel e a carteira para recuperar o clima de confiança.

Acusa-me de estar sempre a trabalhar e não ter tempo e não lhe dar atenção… mas como é que aquela alma acha que nós sustentamos o estilo de vida que temos? Casa, carros, roupas, almoços, jantares… nós temos padrões de vida muito acima da média. É quase um crime pensar isto, mas a verdade é que nem temos sentido muito a crise.

Pareceu-me honesta quanto ao Sebastião, aquele paspalho. Que raio de gajo a minha cunhada foi desencantar. Merecia bem melhor. Espero que seja verdade o que ela escreveu, mas, mais uma vez, pode só ser uma forma de me trazer descansado. Não sei que pense. Esta mulher está a dar comigo em doido. Preciso esclarecer e sistematizar as minhas ideias para saber o que fazer. Ora, deixa cá ver…

Trabalho: Acha que eu trabalho demasiado. Vive um profundo ressentimento pelos sacrifícios que fez. Ou seja, trabalho igual a ressentimento.

Filhos: Parece ser a grande questão da Bela. Eu pensei sempre que tinha sido uma decisão assumida pelos dois, mas agora percebo que não. Arrependimento é o que ela sente. Profundo! Ou seja, filhos igual a ressentimento.

Sexo: Um desencontro total. Eu quero, ela não. Ela diz que sim, eu acho que não. O sexo não é mau, pelo contrário. Mas quase nunca é! Estamos desencontrados. Ou seja, sexo igual a desencontro.

A nossa relação: Acho que ela se referiu a nós como se sentindo num atoleiro. Por mais que me ame, e é preciso ter em consideração esse amor, a Bela sente uma profunda e indisfarçável mágoa em relação a mim. E, se quiser ser honesto com os meus botões, eu também sinto essa mágoa em relação a ela. Ou seja, a nossa relação é igual a mágoa.

E tem estado entre nós a dúvida. E acho que esta dúvida nasce nestes aspetos todos. Repara, Mário, se a tua mulher sente por ti ressentimento, arrependimento, mágoa e… qual era a outra? Ah, já sei, desencontro sexual, em que é que tudo isto dá? Dá num clima de dúvida em que cada pequeno gesto ou pormenor pode ser mal interpretado. E depois, andamos desnecessariamente à defesa. Estou-me a lembrar dos recibos do hotel. Andei eu preocupado e afanosamente a gastar energias a esconder uns recibos de hotel que eram do aluguer de uma sala de reuniões. Desnecessário. E porquê? Por causa desta puta desta dúvida. O pior é que não sei se é só dúvida ou se tem fundamento.

Acho que nenhuma relação resiste a este clima. Eu sou um tipo pragmático e não convivo com estas situações. Vou mesmo conversar com ela. Tentarei ser meigo e delicado, mas não há dúvida que não acredito neste casamento, sobretudo, no ponto a que isto chegou. Amanhã, peço-lhe o divórcio. Tem de ser. É melhor uma má situação, mas definida do que o prolongamento da indefinição.

Só preciso esclarecer uma coisinha de mim para comigo. É que eu acho que ainda amo esta mulher… ou não? Não sei… preciso de um banho. Frio, de preferência!

jpv