Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Friso

Friso

Vi no friso à contraluz
Uma ideia que germina
Uma imagem que produz
Sofrimento.
Eras tu partindo
Livre e liberta
Era eu sentindo
A porta fechada,
A janela aberta.
Houve em mim
E no friso,
O raciocínio
E o juízo
De querer prender-te livre,
Libertar-te presa.
E nessa ideia que tive,
Vivia a chama acesa
Deste paradoxo amado,
Deste desejo infiltrado
Desta vontade indomável.
E tu pacificaste-me a alma.
Entregaste-me com calma
A tua vida
Como se fosse coisa pouca.
E eu fiquei suspenso
De gesto tão intenso
E tão abandonado à fortuna.
Senti-me um friso de vida
Sustentado por grácil coluna
Firmemente erguida.

jpv


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"Com Amor," – Documento 98

 

Boa noite, Alberto,

Só hoje reparei que tinha a sua mensagem no G-Mail. Pela data, ter-me-á escrito há uma semana atrás. Peço desculpa por só agora responder, acontece que sou bastante avessa a esta coisa das comunicações digitais. Só uso o e-mail por razões profissionais e, mesmo assim, sempre que posso, evito-o. Detesto a banalização dos conceitos de conhecimento, amigo, amizade, etc… da mesma forma que não me agrada a exposição a que ficamos sujeitos. Os meus filhos bem me incitam ao uso, mas eu reservo-me. A sua mensagem, por exemplo, esteve prestes a ser apagada. Valeu-lhe o título. É interessante.

Eu percebo porque foi para si uma ousadia. Para mim, esta resposta constitui um gesto inusitado. Há, contudo, dois aspectos que me levam a responder-lhe:  o facto de, efectivamente, já o conhecer, como referiu, e por ter pressentido em si uma pessoa muitíssimo prudente e educada. O respeito com que fez a sua abordagem, perdão, o seu contacto, foi determinante.

Sim, já havia notado em si o que notara em mim. A timidez ou, pelo menos, a reserva. Nunca me senti confortável naqueles encontros e percebi o mesmo desconforto em si.

Do seu divórcio e do meu falaremos em presença se isso alguma vez vier a constituir assunto. Não penso em nada, neste momento, que não seja em mim e nos meus filhos, logo, está de parte a hipótese de qualquer relacionamento, mas gosto de conversar com as pessoas em que confio. São poucas.

Talvez venha a confiar em si. Acho que vou confiar em si.

Tomaremos um café e conversaremos. O assunto há-de surgir.

Cumprimentos,
Patrícia Sousa


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"Com Amor," – Documento 97

Bom dia Patrícia.

Não sei se está recordada de mim, provavelmente não. Chamo-me Alberto Honorato e fui casado com uma colega do seu ex-marido, a Laura Duarte. Foi a própria Laura quem, em tempos, me deu o seu endereço de e-mail. Não sei, sequer, se é o mesmo pelo que esta mensagem pode simplesmente perder-se. Se a receber, peço-lhe o favor de, ao menos, me informar que a recebeu. Responder-lhe dependerá de si.

Nós cruzámo-nos em alguns almoços da empresa em que eles trabalham. Na altura íamos ambos a esses almoços na qualidade de esposos. O que sempre reparei em si é que ficava à parte das conversas em voz alta que nada tinham que ver connosco. Teve sempre uma atitude absolutamente reservada. Eu sou exactamente assim. De resto, esta mensagem constitui uma ousadia sem precedentes. Não condiz com a minha forma de estar nem de agir. Acontece que, em boa verdade, já fomos apresentados diversas vezes (eles esquecem sempre que já o fizeram) e não pode dizer-se que somos propriamente desconhecidos.

Não sei se sabe, mas eu estou divorciado há cerca de três anos e soube recentemente que a Patrícia e o Rui se haviam divorciado também.

Não se ofenda com a ousadia deste contacto. Ele não tem outro intuito que não seja o de propor-lhe que conversemos. Porquê? Pelos jantares em que participámos como “apêndices” pressenti que poderíamos ter alguns traços de carácter semelhantes, compatíveis, se quiser. A reserva, o recato, talvez certa insegurança…

Enfim, nunca entrei em contacto consigo por razões óbvias. Agora, contudo, nada encontro que impeça possamos conversar um pouco. Honestamente, nem sei bem sobre o quê, mas admito que consigamos encontrar assunto à volta de um café..

Por favor, não se sinta pressionada a rigorosamente nada.

Até Breve,

Alberto Honorato