Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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"Com Amor," – Documento 82

Olá Tânia,

Eu devo ser a pessoa menos indicada para ajudar-te e a razão é simples. Há alguns que vivo esse problema com a Patrícia e não o consegui resolver ainda. Com uma agravante, eu entreguei-me a essa ideia e a esse modo de vida. Fi-lo por amor e por isso assumo todos os compromissos inerentes, mas hoje sei que não me revejo nessa forma de estar e nesse modo de vida. É tudo demasiado efémero, Tânia, para que nos percamos nesses esforços hercúleos que não nos levam senão ao desgaste e à desilusão.

Vamos ao teu caso. Do teu texto retive dois ou três aspectos em que talvez possa ajudar-te ou, pelo menos, dar a minha opinião. Falas em dois conflitos, num com o Zé Pedro e noutro contigo mesma. O que tens de resolver primeiro, Tânia, é o teu. Tens de definir para ti, e até com uma boa dose de egoísmo, aquilo que queres da vida neste momento e aquilo que queres da vida a longo termo. Nessa vontade intrínseca encontrarás os teus princípios. Não te desvies deles. Esse é o preço que não podes pagar.

Sempre dizemos a quem atravessa esse tipo de problema para conversarem e comunicarem. Vejo que já fizeste isso, embora, de facto, nunca seja demasiado. O essencial, Tânia, é que tomes a tua decisão em paz contigo própria. Podes resistir a tudo, mas não resistirás à ausência da tua paz interior. Como te disse, fiz esse caminho de crescimento financeiro, patrimonial e social e acho que nunca me senti mal porque estive sempre em paz comigo, mas ultimamente ando agitado, sinto que me traí a mim mesmo e apetece-me começar do nada. A minha mulher, ao contrário, pretende continuar a “crescer” e este tem sido o motivo central do nosso conflito.

Não sei se ajudei ou… compliquei!
Tentei,

Até sexta.

Rui.


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"Com Amor," – Documento 81

Olá Rui.

Estamos combinados para sexta.
talvez não seja justo andar a espicaçar-te a curiosidade para depois te deixar sempre em suspenso. por resolvi escrever-te este mail em que te dou uma visão geral do meu problema, que é um problema bom. Aproveito para desabafar. Preciso de “falar” com alguém sobre isto.

Somos colegas há muitos anos, conheceste-me solteira e boa rapariga 🙂 depois casada e agora divorciada. E, à distância, tens assistido à minha relação com o Zé Pedro. O Zé Pedro, como sabes, é uma excelente pessoa. Temo-nos apoiado mutuamente e esse foi um dos pilares do nosso relacionamento. O irónico é que eu comecei por não esperar muito desse relacionamento e um dia convenci-me de que talvez pudesse confiar nele e esperar dele algo de mais sólido, assumido e definitivo, e quando isso aconteceu, eu reagi mal, muito mal. Quando finalmente o Zé Pedro me propôs que vivêssemos juntos como um casal, eu assustei-me. Não tanto pela proposta que eu esperava  mais tarde ou mais cedo, mas pelo teor dela.

Tu conheces-me. Sabes que sou uma pessoa livre e despreocupada e gosto de viver um dia de cada vez. Ora, o Zé Pedro fez-me a proposta-maravilha, mas ela pareceu-me demasiado calculada, muito como um negócio, com tudo previsto num contrato de compra e venda. Ele vendia o apartamento dele e eu o meu e íamos comprar um muito maior e mais caro, comprávamos um monovolume, também mais caro, mobílias, cortinados, televisão frigorífico… ufa… assustei-me. Agora que eu me habituara a meu canto e ao meu pouco e achava que era já muito, vejo-me confrontada com um homem que eu amo, que me ama, que me quer assumir, mas sinto a minha vida a ser enfiada numa folha de cálculo do excell. O compromisso de amor com o Zé Pedro não me assusta, mas tudo o resto me deixa aterrada e sufocada. Eu quero-o a ele, mas não preciso destas mudanças todas, destas coisas todas, destes compromissos todos. É evidente que lhe fiz sentir isso, mas ele está muito convicto do que quer, muito seguro dos passos a dar e começa logo a argumentar e eu até percebo que, racionalmente, tudo aquilo faz sentido, mas não consigo apropriar-me da ideia nem consigo sentir-me confortável com ela.

De repente, já não estamos a falar de nós, nem do muito que nos amamos, mas estamos a discutir o valor e a importância do património. Algures, nestes dois anos de namoro sério, eu devo ter dado a entender que aceitaria um tal cenário, mas, se o fiz, juro que foi involuntário. Há aqui um conflito que é meu e do Zé Pedro, mas também há aqui um conflito que é só meu.

Vês, eu não te disse que era um problema bom? Eu não te disse que qualquer outra mulher teria aceitado?

Pronto, já desabafei.
Não precisas comentar nem dar conselhos, mas podes, claro! 🙂

Tânia.


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In Memoriam

Este fim de semana foi triste. Foi triste porque faleceu o meu amigo Joaquim. Faleceu da pior forma possível para quem cá fica. Novo, saudável e vigoroso. Na quinta-feira era um homem saudável, o mesmo Joaquim de sempre. Na sexta-feira faleceu de forma fulminante nos braços impotentes da esposa e de uma das filhas. No sábado foi o funeral.

A minha ligação ao Joaquim advém do facto de eu e a minha mulher termos sido professores das duas miúdas. As miúdas têm hoje trinta anos, a mais velha, e menos dois ou três a mais nova. Nada nem ninguém ficava indiferente ao Joaquim e, enquanto encarregado de educação, quis-nos conhecer e transportou-nos para a sua vida da mesma forma que entrou na nossa. De forma impetuosa e franca e aberta e conversadeira. A única com que sabia viver.

Normalmente, quando morre uma pessoa, realçamos as suas virtudes. Isso é normal. Mas hoje eu não queria falar tanto do Joaquim como das filhas. Ontem, elas preocuparam-me. Uma é mais expansiva e a outra é mais introvertida, mas as duas são mulheres de garra e de força e, contudo, ontem, ambas duvidavam de que seriam capazes de continuar. E é por isso que resolvi escrever este texto. Porque, de certa forma, ainda sou vosso professor. Porque acho que o vosso pai gostaria que eu vos dissesse estas palavras. Cá vão elas.

Eu sei que vocês vão conseguir. Eu sei que vão superar todas as dificuldades e todo o sofrimento e a razão é simples. O vosso pai superaria e a força dele vive em vós. Ele tinha três caraterísticas que vocês também têm. Um amor e uma dedicação profundos pela sua família. Uma generosidade extrema para com todas as pessoas que o rodeavam e uma atitude construtiva e proativa. Ora, se vocês mantiverem a união e a coesão familiar que o vosso pai construíu pelo amor, se vocês souberem ser generosas com o mundo e com as pessoas como ele era e se vocês forem dinâmicas e correrem riscos como ele correu, a vida vai sorrir-vos como lhe sorriu e, mais do que tudo, estarão a entregar uma preciosa herança do vosso pai aos vossos filhos, o que já existe e os que hão de vir, a herança de viver a vida pela postiva, distribuindo generosidade e alegria à sua volta.

Minha querida Carolina, minha querida Filipa,
a vida não vai ser um problema. As dificuldades não vão ser insuperáveis. Vive em vós a essência da superação que orientou a vida do vosso pai. Basta, perante um problema, pensarem como ele faria e já têm metade da solução. Sabem, eu aprendi que as pessoas não morrem verdadeiramente. Parte o corpo, mas fica a vida, a orientação, fica a postura e, com o tempo, à medida que a dor for adoçando, a memória do Joaquim vai erguer-se mais forte e mais límpida e a vida será de novo partilhada com ele, com o espírito dele. Minhas queridas, vocês têm um excelente pai. Comportem-se à altura da sua estatura humana e ficará de vós um rasto de generosidade e sucesso. 

Um beijinho,
Prof.