Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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"Com Amor," – Documento 57

Rui,

Não esconderei. A minha opinião foi uma deixa, uma pequena provocação. Para mim era importante saber se quereria saber. Se quisesse, contar-lho-ia. Já havia decidido. A única pessoa que sabe o que estou prestes a contar-lhe é a minha irmã. Tenho sentido esta vontade esquisita e pouco habitual em mim de conversar estes assuntos com alguém completamente alheio aos meus problemas. Sei que não deveria fazê-lo. Há algo nisto que quebra as barreiras da lealdade, mas rebentaria se não desabafasse. Peço-lhe que me desculpe pelo meu atrevimento, mas, de facto, a sua explicação para o fenecer de um matrimónio veio acordar em mim um assunto que eu andava a existir que não existia. Mas existe.

Como sabe, eu sou casada com o Alberto Honorato. Ele é sócio-gerente de um dos nossos fornecedores de serviços, mais propriamente, do software de gestão. Temos dois filhos crescidos. Um, na faculdade, em engenharia informática, e o outro a terminar o secundário. Quer ir para o mesmo curso do irmão. Eles pensam que está tudo bem entre os pais, mas não está e esse tem sido um erro nosso, deixá-los acreditar numa mentira. O meu marido já só me procura para sexo e, mesmo assim, sem muita convicção. Quase não conversamos e quando o fazemos, ou estamos a tratar de aspectos logísticos de gestão da família, ou estamos a discutir. Eu nem preciso acabar de o ouvir falar para discordar dele. Muitas vezes, ainda ele não começou a falar e eu já sinto uma revolta no peito e sei que vou rebatê-lo. Isto é perfeitamente recíproco. Ele faz o mesmo comigo. Já conversámos mil vezes sobre o assunto. Já mil vezes prometemos que iríamos mudar, mas voltamos sempre ao mesmo. Eu digo-lhe que o amo, ele diz-me que me ama. E acho que falamos verdade. E é aqui que entra a sua explicação. A ser verdade que nos amamos, pode acontecer que não saibamos amar-nos… O certo é que não há carinho nem ternura. Somente alguma tolerância. Sabe, quando penso em nós, vêm-me com frequência à cabeça alguns versos de uma canção espanhola que se chama “Palabras”:

Que al igual que tu y que yoNi se importan ni se estorbanSe soportan amistosas.Mas no son una cancion…

Há mais de 20 anos casada, num casamento moribundo, de morte adiada por comodismo e depois um engano, um simples engano, traz-me ao conhecimento um texto pungente de dor, mas pleno de um amor intenso e forte. Meu Deus, quem me dera ser assim tão intensa e verdadeiramente amada, que alguém abdicasse de mim para me permitir ser feliz. Isto parece injusto, mas não é. São só saudades de mim. Saudades de ser a Laura que a Laura reconhece. Nestes últimos anos, Rui, tenho só sido mais uma Laura qualquer que nem eu reconheço.

Desculpe-me tudo isto. Se quiser, pode, pura e simplesmente, ignorar este desabafo. Se optar por dizer algo, seja benevolente com esta alma perdida.

Abraço.

Laura.


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"Com Amor," – Documento 56

Meu Amor,

Recebi a tua carta em papel perfumado que fiquei beijando infinitamente. Agora mesmo, enquanto alinhavo estas palavras no teclado, tenho-a aqui comigo.

Até ao falecimento da minha esposa, vivi um matrimónio feliz, mas nunca, efectivamente, com a ilusão e a fantasia que há em ti, em nós.

Quero que sejas a minha princesa, quero ajudar-te nos momentos de dificuldade e dor e quero partilhar contigo os sucessos e as conquistas. Sim, acho que ainda temos muito tempo para conquistar coisas à vida.

Senti-te sempre tão feliz, tão natural e relaxada… É assim que quero a vida contigo, um fruir sereno da companhia e da vida.

O trabalho toma-me muito tempo, mas preciso roubar esse tempo às obrigações para estar contigo.

Enamorado, serodiamente enamorado e feliz

Eduardo Luís.

PS: Precisamos combinar como conhecerei os teus filhos. Se não te incomodar a ideia, gostava de conhecê-los.