Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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O Clã do Comboio – O RB Fez Anos

O RB Fez Anos
Nas primeiras histórias do Clã do Comboio nasceu essa múltipla personagem, absolutamente fantástica, que são os Três Amigos que Querem Salvar o Mundo. A pouco e pouco, com o desenrolar das histórias, fomos conhecendo alguns pormenores de cada um deles. O JJ, O RB e o VM.
Já aqui se escreveu como é curioso o facto de um conhecimento informal e espontâneo ter vindo a transformar-se numa amizade bem disposta e cúmplice. Efectivamente, todos sabemos que estes laços são precários, mas todos sentimos a vontade de nos reencontrarmos, de conversarmos e brincarmos uns com os outros como que tentando que cada dia de trabalho comece bem para poder correr bem. Não constitui um problema quando um de nós falta, mas é muito melhor quando estamos todos. E esta união, precisamente porque é espontânea e natural, acaba por ser mobilizadora.
Ontem o VM teve uma ideia. Sabíamos que o RB fazia anos hoje, mas não combinámos nada. O VM pediu-me o número de telefone e a meio do dia ligou-me:
– Olha lá, o que é que combinámos para amanhã?
– Nada. Mas podemos combinar.
– E se a malta levasse um bolito?
– Quem leva um bolito, leva uma garrafita…
– Mas eu entro em Santarém com ele. Dá nas vistas.
– Não te preocupes. Traz os pratos, os copos e uns guardanapos que o resto arranja-se. Falo com a Rapariga do Riso Fácil.
E assim foi. O VM trouxe o hardware, a Rapariga do Riso Fácil cozinhou um esplêndido bolo do Lidl e o Escritor levou uma garrafinha de espumante italiano. Como Deus nosso Senhor protege os audazes, o Senhor da Mala Térmica, que é uma presença habitual, mas nada regular, nunca sabemos quando vem, hoje apareceu e trazia com ele a mala térmica! Ora, quando os Três Amigos que Querem Salvar o Mundo entraram em Santarém no interregional das 7:18, já lá ia a Senhora da Provecta Idade, a Rapariga com Brinco de Pérola, o Senhor da Mala Térmica, a Rapariga do Riso Fácil, o Escritor, o Ceguinho, o Aluno do Escritor e a Mulher Vampiro. A Stôra também ia, mas, como sempre, a dormir. Pelo menos, enquanto a malta deixa! E, um grupo de gente que há seis meses nem sequer se conhecia, entoou o Parabéns a Você em pleno comboio, houve palmas, o Escritor abriu a garrafa com estrondo e o VM confiscou a mala térmica ao Senhor da Mala Térmica para fazer de mesa. Ele não só não se aborreceu nada, como se voluntariou para cortar o bolo às fatias o que não foi difícil porque, de repente, vindas não sei de onde, apareceram diversas armas brancas com assinaláveis e proibidos tamanhos. Todos comemos um bocadinho e, em abono da verdade, ainda não eram oito da manhã e o Clã estava a beberricar espumante italiano. Deve ter sido um dia produtivo nos diversos locais de trabalho! Como sobrou um bocadinho, o Senhor da Mala Térmica levou a garrafa aos queixos e desfez-se do resto. Estragar é que não!
O ambiente ficou fantástico, disseram-se piadas várias e parvoíces diversas. A Mulher Vampiro e o VM tentaram, mais uma vez, denegrir a imagem do Escritor, mas sem sucesso. Virou-se o feitiço contra o feiticeiro. Porquê? O Escritor é um tipo superiormente culto! Por exemplo, o VM estava a tentar gozar com o Escritor e vai daí, no meio do discurso, diz “almentolia” em vez de almotolia. Vergonha. Muita vergonha! A Mulher Vampiro tenta dizer piadas a gozar com o Escritor, mas quando se ri, ronca! Vergonha. Muita vergonha! Hoje, a Mulher Vampiro não dormiu e, mesmo sendo de manhã, deu um arzinho da sua graça vespertina. A Rapariga do Riso Fácil falou pelos cotovelos, o Aluno do Escritor não só não dormiu, como bebeu um copinho e, espanto dos espantos, a Rapariga com Brinco de Pérola falou alto, riu-se e, claro, corou! A careca do JJ rebrilhou mais e a veia humorística do VM esteve particularmente apurada. O RB estava espantado. Ele sabia que nós éramos capazes disto, mas não tinha a certeza de que o faríamos. O rapaz estava sem palavras! Claro que todos gostámos de o ver feliz e claro que todos reclamámos com ele. Porquê? É simples. Então não é que o tipo, dizem as más línguas, levava uns celestes (deliciosa doçaria regional) para oferecer lá no trabalho aos chefes e, em vez de deixar a malta atirar-se aos celestes, escondeu-os nas profundezas da mochila e levou-os mesmo às chefias! Claro que o VM, que não tem vergonhita nenhuma, denunciou-o. Mas o tipo é resistente. Fomos toda a viagem a chateá-lo para morfarmos os celestes ali mesmo e ele nada! É mesmo de ideias fixas!
Enfim, a algazarra atingiu níveis inimagináveis e a camaradagem sentia-se nas vozes e nos olhares do Clã.
Resta dizer, Parabéns RB! Que contes muitos. Tens uma bonita idade: 48 anos! O quê? Não era para dizer? Ops! Tivesses partilhado os celestes!
O Clã está a crescer. Não em número de elementos. Isso também, mas em abono da verdade qualquer passageiro pode pertencer, já pertence, ao Clã. Está a crescer nas partihas, nas cumplicidades, nas entre-ajudas, na afabilidade. O melhor e mais significativo sinal é que gradualmente as viagens constituem um sacrifício menor, um peso mais fácil de suportar. Há até um certo prazer e um certo gosto em viajarmos juntos. Eu não sei quanto tempo vou andar neste vai-e-vem diário de comboio, mas sei que já sinto as saudades que terei no primeiro dia que os deixar.
O RB fez anos. E o Clã não foi indiferente num tempo em que a indiferença e a solidão são autênticas pragas a alastrar na Humanidade.
O RB fez anos. E o Clã não foi indiferente a isso. Eu gosto deste informal e extraordinário Clã do Comboio. Faz-me sentir menos anónimo num universo de anónimos. Menos só num mundo de solidão. Faz-me sentir entre amigos que é onde devíamos estar sempre.
O Escritor.


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O Mundo das Palavras

O Mundo das Palavras

Não sou desta vida.
Não conheço estas palavras.
Não tenho estes juízos.
Não são minhas
Estas determinações.
Não vivo nestas ideias
Nem navego estas ilusões.
Há na minha vida
Uma vida que não é minha.
E sei que vive algures
Uma vida que não sabia que tinha.
Não cresce em mim
Esse mundo que construíste,
Não chega a ter fim
Porque não conheço o que sentiste.

Minha vida é um terreno árido,
Seco, estéril e abandonado.
E tudo o que falta neste deserto
Vive em verdejante e longínquo prado.
Queria tanto,
Queria mesmo tanto
Que não sofresses.
Queria que percebesses
Que não és tu.
São as palavras,
As que digo e te não tocam,
As que dizes e me não importam.
São só as palavras
E as palavras são um mundo
Onde se esconde este sentir profundo
Que vive adormecido.
Faltam-lhe só as palavras
Para acordar e ser vivido.

jpv