Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


Deixe um comentário

Uma Noite Nicola

“Hoje, calhou-me este”


2 comentários

Líquido Elemento

Líquido Elemento

Tamborila a água
No telhado
E no mesmo instante
Salpica a vidraça.
Jorra em abundância
Pelas ruas
E molha a gente que passa.

Mitiga a sede
Ao sedento.
Dos rios enche o caudal
Que corre suave
Sob o vento.

Lava o corpo
E limpa a alma,
E mora na sua frescura
A fonte da calma.

É vida e movimento,
É luz e brilho.
E tem em si a energia
De perpétuo elemento.

Passa pelas mãos
Da lavadeira,
Pelos pés do caminhante.
É bênção dos céus
Para a terra germinante.

Vive dela o agricultor
Vive com ela o pescador
E vive no seu poder
De multiplicação
Um segredo de libertação.
Conta-lhe os teus segredos,
Homem que passas e bebes,
Deixa-a levar os teus medos
Enquanto o teu sonho segues.

jpv


Deixe um comentário

De Negro Vestida – Abandonar o Negro

Amigos leitores, para os que têm acompanhado a evolução do romance “De Negro Vestida”, venho prevenir-vos para o facto de ter acabado o segmento cujo título era “De Negro Vestida”, ou seja, o segmento que deu nome ao romance. A partir do próximo capítulo entramos no segmento que designei por “Abandonar o Negro”. Divirtam-se.
jpv


Deixe um comentário

De Negro Vestida – LXII

 

De Negro Vestida – XXVI

Maria de Lurdes leu a crónica. Várias vezes. Releu alguns parágrafos. Deteve-se em palavras e momentos específicos e, sobretudo, saboreou. Qualquer coisa naquele texto a deliciava e não era, só, o seu nome no fim. Não era essa vaidade que a movia. Era mais o hino à sua condição. A justiça que lhe pedira havia sido feita. O texto entusiasmou-a e fê-la acreditar de novo na Humanidade e em particular na masculinidade. Esse universo tão próprio, tão acessível ao corpo, tão inacessível na alma. Engana-se quem pensa que os homens são básicos, pensou, são básicos na carne.

————————————————–

O Romance “De Negro Vestida” foi publicado, capítulo a capítulo, neste blogue, entre 26 de janeiro de 2010 e 22 de abril de 2011.

Agora que conhecerá outros voos, nomeadamente, a publicação em livro, deixamos aqui um excerto de cada capítulo e convidamos todos os amigos e leitores a adquirirem o livro.

Obrigado pela vossa dedicação.

Setembro de 2013

João Paulo Videira

————————————————–


Deixe um comentário

De Negro Vestida – LXI

De Negro Vestida – XXV

Há jornais abertos nas paragens de autocarro, nos bares e cafés, nos eléctricos e no Metro, há um homem que parou a caminhada que ia fazendo no passeio e ficou a ler, nos restaurantes, nas salas de professores, nas repartições de finanças, nas salas de espera e entre duas torradas com doce de maçã e uma chávena de chá. E muitos não estarão lendo a crónica de Gabriel, mas muitos haverá, também, que o estão fazendo. O texto é simples e fluido. Despretensioso. Mas faz demorar alguns olhares, faz reflectir algumas consciências. Normalmente, não reproduziríamos aqui o texto para não sermos acusados de concorrência desleal por parte do Jornal onde trabalha Gabriel. Acontece que…

————————————————–

O Romance “De Negro Vestida” foi publicado, capítulo a capítulo, neste blogue, entre 26 de janeiro de 2010 e 22 de abril de 2011.

Agora que conhecerá outros voos, nomeadamente, a publicação em livro, deixamos aqui um excerto de cada capítulo e convidamos todos os amigos e leitores a adquirirem o livro.

Obrigado pela vossa dedicação.

Setembro de 2013

João Paulo Videira

————————————————–


Deixe um comentário

De Negro Vestida – LX

 

De Negro Vestida – XXIV

Ultimamente os homens andavam com uma séria tendência para agarrá-la por um braço e arrastá-la da igreja para fora. Carlos José levara-a gentilmente para a sacristia e aí a beijara. Gabriel pegava-lhe firme num braço, arrastava-a para a rua e vociferava palavras de repreensão e raiva. Era a véspera do funeral de Maria da Graça, alguns familiares e amigos estavam velando a falecida na casa mortuária contígua à igreja e Maria de Lurdes andava distribuindo pelos bancos umas ramagens que decidira colocar a expensas próprias para que, ao menos, se simulasse alguma compostura do espaço. Quando chegou à rua, arrastada por Gabriel, sabia que não iriam trocar-se beijos, o olhar dele flamejava indignação:
– Mas quem é que a senhora julga que é?

————————————————–

O Romance “De Negro Vestida” foi publicado, capítulo a capítulo, neste blogue, entre 26 de janeiro de 2010 e 22 de abril de 2011.

Agora que conhecerá outros voos, nomeadamente, a publicação em livro, deixamos aqui um excerto de cada capítulo e convidamos todos os amigos e leitores a adquirirem o livro.

Obrigado pela vossa dedicação.

Setembro de 2013

João Paulo Videira

————————————————–


Deixe um comentário

O Clã do Comboio – Faz o que Quiseres

Faz o que Quiseres.

Não é passageira frequente.
Chegou rosada e anafadinha com as carnes a esticarem-lhe a napa encarnada do casaco. Tem mais de 50. Menos de 60. Umas calças de ganga com o tecido propositadamente arrepanhado numa imitação de feira dessas que estão na modinha. Apresentou-se com o cabelo preso atrás com um gancho de plástico a imitar osso de baleia e trazia um chapéu-de-chuva e três sacos. Um verde pequenino, uma mala de mão que mais parecia um saco de viagem em tons de castanho e lilás e um enorme saco às flores brancas e cor-de-rosa que colocou aos meus pés ocupando todo o espaço entre nós. Íamos de frente um para o outro. Óculos de ver ao perto. Unhas pintadas de encarnado já com pouco encarnado. Tirou do caso pequeno uma toalha turca de cozinha amarela com uns limõezinhos verdes estampados, linhas e uma agulha de croché e começou a bordar uma renda a toda a volta da toalha que lhe dava um ar mais… rendado.
Depois deu-se a conversa. Foi ela que ligou. Poisou a toalha no colo, coçou a cabeça com a agulha de croché que a seguir pôs na boca enquanto falava ao telefone em tom audível em toda a carruagem.
– Sim, és tu?
– (…)
– Entrei há 5 minutos.
– (…)
– Este não é o regional. Chega mais cedo.
– (…)
– Faz o que quiseres, mas está lá à hora.
– (…)
– Olha, faz o que quiseres, mas já que lá vais, traz o detergente p’rá roupa.
– (…)
– Faz o que quiseres, mas não te esqueças das minhas luvas.
– (…)
– Faz o que quiseres, mas prepara o jantar. Estão aí as coisas.
– (…)
– Não. Chego mais cedo. Este é mais rápido.
– (…)
– Não sei.
– (…)
– Faz o que quiseres, mas não te esqueças das minhas luvas.
– (…)
– Não sei. Faz o que quiseres. Desde que estejas lá à hora.


Deixe um comentário

Butterfly


Butterfly

Deslizas pela vida
À procura de te entregar
E fazes um sorriso
Ao mundo
E às pessoas
E transportas contigo
As soluções fáceis
Para as decisões difíceis.
E curas.
E sofres.

E sempre que a terra completa
Uma volta estelar
É tempo de anunciar
Aos homens
Que renasceste
E és de novo dádiva,
Luz,
Caminho aberto.
Mão dada.
Apoio
E conforto.
E curas.
E sofres.

E os homens
Perdidos e pequeninos
Não podem
Senão maravilhar-se
Com tua doce presença.
Ver-te esvoaçar,
Cortar o espaço
Com elegância
E gentileza
No teu voo
De cura.
De sofrimento.

jpv


Deixe um comentário

O Clã do Comboio – A Greve

A Greve.

Hoje, o interregional das 7:18 foi às 9:43. E não foi interregional, foi regional. Ou seja, um trabalhador que, normalmente, chegue ao local de trabalho por volta das 9h, hoje não o conseguirá antes das 11:30h.
A razão é a greve da CP. Esta composição não substitui só o interregional das 7:18, substitui tudo o que havia antes uma vez que é o primeiro comboio do dia a ligar o Entroncamento a Lisboa.
Sobre a legitimidade da greve nem falarei. A democracia tem os seus mecanismos de participação, a greve é um deles e, quanto ao resto, são razões e motivos legítimos que uns apresentam de uma forma e outros de outra. Esta é uma consequência inevitável da gestão de um país mergulhado numa profunda crise financeira e social.
O comboio está cheio!
As pessoas conversam sobre a greve e a crise e ninguém fica indiferente a este estranhamento que é estarmos a sair a uma hora em que já costumamos ter a viagem feita e algum tempo de trabalho realizado. Outros brincam, passam pelos colegas e dizem, Isto é que são horas? E depois riem-se e brincam com a situação.
Vai aqui muita gente das 7:18, mas também vai aqui muita gente de outras horas. Vêem-se algumas caras conhecidas e muitas desconhecidas. Todos com os lugares trocados, como alguém disse, Hoje não há reservados! E, imagine-se, ninguém dorme. É um comboio em alvoroço com conversas altercadas, jornais abertos e o sol alto e quente a iluminar a composição. Emerge algo das conversas: é que nenhum de nós sabe a que horas volta ou mesmo se volta porque não há garantias de haver transporte. É a primeira vez que coloco os óculos de sol. Sabem, acho que toda esta diferença traz algo de positivo. É uma pedrada nas rotinas, um desalojar de repetições. Lembram-se quando éramos miúdos e, por qualquer razão, chegávamos de manhã à escola e não havia aulas. A miudagem não arredava pé. Ficávamos ali a usufruir da companhia uns dos outros e da diferença de um dia desusado. Ou porque havia uma greve, ou um congresso na escola, ou porque tinha nevado, ou porque se tinha rompido um cano de esgoto, ou porque os portões não abriam, ou porque tinha morrido alguém importante. E isso, sendo diferente, era saboroso. É esse o sentimento que noto neste estranho interregional-das-7:18-9:43-cheio-de-gente-que-sendo-de-cá-não-é-de-cá.
E logo? Logo, se vê!


Deixe um comentário

O Clã do Comboio – Lonely

Lonely.

Sabem aquelas pessoas com que simpatizamos naturalmente mesmo sem as conhecermos? Hoje NÃO conheci uma! Não conheci, mas vi.
E, ao contrário do que normalmente acontece com os textos do Clã do Comboio, hoje não tenho mesmo nenhum motivo para escrever este texto a não ser ter-me apetecido.
Regional das 20:48. Não houve um episódio. Não houve uma curiosidade. Não houve uma conversa. Houve só uma moça com calças de ganga, uma blusa colorida em verdes e rosas, cabelos castanhos pelos ombros e um ar doce e triste, sentada sozinha num banco de madeira à espera de acabar um cigarro para entrar no comboio. E essa meiguice, que não conheço, e essa tristeza, que não conheço, e esse ar solitário, que não conheço, esvaíram-se como por magia no momento em que sorriu.
Eu estava cansado. Precisava entregar o olhar ao sono e a cabeça à música para descansar. Não foi preciso. Ela sentou-se e sorriu para qualquer coisa que tinha na mão, talvez um telemóvel, e foi como se eu estivesse contemplando a imensidão do mar nos seus olhos.
Às vezes ouvimos teorias avulsas e populares sobre pessoas que infundem tranquilidade só com a sua presença. Ela fez isso e nem soube.
Obrigado, estranha do olhar doce.