Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."

O Clã do Comboio – A Face Humana da Mulher Vampiro

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A Face Humana da Mulher Vampiro

A Mulher Vampiro continua a viajar no seu banco e nunca mudou o seu aspecto nem a sua atitude. Sempre no banco lateral, sempre completamente vestida de negro com aquela variação pontual em castanho, sempre dormindo a viagem toda, sempre com os phones nos ouvidos, mergulhada na sua música, sempre sem dizer uma palavra. Sempre no sentido Entroncamento – Lisboa. Ao contrário de outros passageiros, nunca a encontrei numa viagem de regresso.
Foi hoje. E foi fantástico.
Regressei no regional das 18:48. Entrei numa carruagem semi-vazia e esperei. Estava a colocar a música nos ouvidos quando ela entrou. Não me viu. Ao contrário do que acontece pela manhã, entrou fazendo muitos e decididos gestos. Tirou a capa, tirou o casaco, colocou tudo num banco ao lado do seu. Poisou nele a carteira e uma mochila e uma pasta de documentos. Sentou-se. Tirou um computador pequenino da mochila, colocou-o no colo e só depois arrumou a capa e o casaco também no colo, por baixo do computador.
Quando me viu, abriu-se num sorriso e disse:
– Olá, é a primeira vez que o vejo no regresso.
– Pois é!
– Trago trabalho.
– Olhe que isso transforma-se num hábito.
– Já é!
E riu, riu abertamente e sonoramente e para além de todo este à vontade, havia cor.
Sem a capa nem o casaco, a Mulher Vampiro exibia uma camisola de lã verde-escura, um casaquinho de malha no mesmo tom, um enorme colar com pedras em tom esmeralda forte e um anel grande com uma pedra a condizer com o colar mas num tom mais aberto. E, imagine-se, trazia o cabelo apanhado o que lhe dá um ar mais executivo e deste mundo, menos etéreo. E o mais interessante e o mais fantástico é que olhava para ela e não conseguia ver a Mulher a Vampiro. Via só uma mulher bonita em trajes práticos de ir para o trabalho com espírito no olhar e expressão no sorriso. Havia toda uma humanidade que se esconde pela manhã. Se é verdade o que dizem dos vampiros, que andam de noite, hoje devo ter visto os últimos minutos da Mulher Vampiro pela manhã e os últimos minutos da sua face humana ao fim da tarde…

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Autor: mailsparaaminhairma

Desenho ilusões com palavras. Sinto com palavras. Expresso com palavras. Escrevo. Sempre. O resto, ou é amor, ou é a vida a consumir-me! Há tão poucas coisas que valem a pena um momento de vida. Há tão poucas coisas por que morrer. Algumas pessoas. Outras tantas paixões. Umas quantas ilusões. E a escrita. Sempre as palavras... jpvideira https://mailsparaaminhairma.wordpress.com

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