Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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Fevereiro

Hoje parece que é dia de falar de números. São 2 da manhã do dia 28 de Fevereiro e, mesmo sendo um mês mais curto do que os outros, já é o melhor de sempre em termos da frequência de Mails para a minha Irmã!!


Mais de 4000 leituras em cerca de 1900 visitas!
Há coisas fantásticas, não há?


Obrigado!


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576

576
É um número como outro qualquer. Todos os números têm seu significado e são mais ou menos relevantes. Este teve significado e deixou marcas.


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De Negro Vestida – LXVIII

 

Abandonar o Negro – VI

As pessoas já não namoram, andam. Já não fazem amor, curtem. Ainda assim, mudem os nomes como mudarem, haja as evoluções e as adaptações semânticas que houver, a fase do encantamento, da descoberta mútua, do Diz-me como preferes, dir-te-ei como prefiro, Mostra-me como gostas, mostrar-te-ei como gosto, sempre se há-de chamar namoro.
Os comportamentos podem tornar-se absurdamente ridículos, namoradamente carinhosos. Inventam alcunhas ou abreviaturas um para o outro, tratam-se por amorzinho, esperam-se à saída do trabalho com flores na mão, dão comidinha à boca um do outro, entregam-se em conversas ávidas de conhecer o corpo e passam imenso tempo falando, sempre falando, basicamente dizendo do que gostam e que gostam um do outro. Fazem juras de amor.

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O Romance “De Negro Vestida” foi publicado, capítulo a capítulo, neste blogue, entre 26 de janeiro de 2010 e 22 de abril de 2011.

Agora que conhecerá outros voos, nomeadamente, a publicação em livro, deixamos aqui um excerto de cada capítulo e convidamos todos os amigos e leitores a adquirirem o livro.

Obrigado pela vossa dedicação.

Setembro de 2013

João Paulo Videira

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De Negro Vestida – LXVII

 

Abandonar o Negro – V

Fazem coisas estranhas, os amantes.
E só à sua compreensão devem explicações. Estes decidiram não tomar banho. Não foi combinado. Foi só o desejo mútuo de manterem no corpo o cheiro da entrega. De prolongarem o momento para além do momento, a fantasia para além da realidade. E foram para a cozinha como quem vai para um parque de diversões. Colocaram aventais de cozinheiro sobre os corpos nus e ficaram cozinhando omeleta.
Fazem coisas estranhas, os amantes.

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O Romance “De Negro Vestida” foi publicado, capítulo a capítulo, neste blogue, entre 26 de janeiro de 2010 e 22 de abril de 2011.

Agora que conhecerá outros voos, nomeadamente, a publicação em livro, deixamos aqui um excerto de cada capítulo e convidamos todos os amigos e leitores a adquirirem o livro.

Obrigado pela vossa dedicação.

Setembro de 2013

João Paulo Videira

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De Negro Vestida – LXVI

 

Abandonar o Negro – IV

Maria de Lurdes não o disse a Carlos José para lhe não parecer que estava ansiosa, mas a verdade é que lhe pediu que a apanhasse em casa porque tencionava tirar esse dia para si. E tirou. Algo lhe dizia que ele merecia o tempo que levaria a preparar-se antes do almoço e algo lhe dizia também que a conversa entraria tarde dentro. Não estava ansiosa como se algo determinante estivesse para acontecer, mas queria colocar alguma dedicação naquele almoço. Havia da parte dele uma disponibilidade, uma franqueza no trato e nas palavras, uma abertura na face que pareciam estender-lhe uma carpete e não fechar uma porta.

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O Romance “De Negro Vestida” foi publicado, capítulo a capítulo, neste blogue, entre 26 de janeiro de 2010 e 22 de abril de 2011.

Agora que conhecerá outros voos, nomeadamente, a publicação em livro, deixamos aqui um excerto de cada capítulo e convidamos todos os amigos e leitores a adquirirem o livro.

Obrigado pela vossa dedicação.

Setembro de 2013

João Paulo Videira

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Curtas do Metro – O Balde

O Balde

Ao longo da plataforma que dá acesso às carruagens e já à beira dela, há uma enorme linha amarela que marca a distância de segurança. Enquanto esperam, as pessoas não devem ultrapassar essa linha.

Normalmente, as pessoas esperam em aglomerados distanciados uns dos outros por alguns metros. Colocam-se onde prevêem que vai parar a porta que lhes interessa. O interesse, no caso do Metro, é diferente do do comboio. Não tem a ver com caras familiares nem rotinas, tem a ver com a proximidade dessa porta em relação à saída na estação de destino. Por exemplo, na estação de Baixa-Chiado, quem entrar e viajar nas últimas carruagens, ao sair no Cais do Sodré, fica mais próximo das escadas e dos controladores de saída, logo, não leva com filas.

Um dia destes, precisamente em Baixa-Chiado, estava um enorme balde branco opaco com uma tampa verde em cima da linha amarela. Aparentemente só, sem ninguém próximo ou a reclamar a sua pertença. As pessoas desviavam-se dele passavam de largo e olhavam umas para as outras a ver se pertencia a alguém mas todas pareciam negar a posse. E foi-se gerando um ambiente de desconfiança. Nas nossas cabeças, entre outras, iam algumas perguntas. De quem era o balde? O que tinha lá dentro? O que estava ali a fazer?
Gerou-se um círculo de gente à volta do balde mas à distância porque toda a gente se foi afastando. E ali estava, sozinho, no vazio, aquilo que fora em tempos um balde de tinta, agora com suspeitoso conteúdo e suspeitosa função.

Quando o Metro chegou, nem de propósito, uma porta parou de frente para o balde. Quem saiu, olhou desconfiado, desviou-se e foi à sua vida. Alguns olharam para trás. Nesse momento, surge do longo banco de pedra ao correr da plataforma uma senhora anafada que trazia na pele as cores e os calores de África, aproximou-se do balde junto à porta deserta, pegou-lhe, olhou para trás, encarou a multidão curiosa e desconfiada e, antes de mergulhar na carruagem, disse em sotaque tropical com ar de gozo, à laia de “já enganei mais um”:
– É peixe!

jpv


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Dama de Espadas – 2

Hoje, no comboio, concluí a leitura do romance. É divertido. É agradável. Zambujal tem melhor. Tem textos com mais espírito. Ainda assim, aconselho a leitura. Acho a tranquilidade do final surpreendente.
E aqui fica uma frase que o romance acaba por confirmar:
“As paixões arrebatadas são como o vinho das melhores castas: primeiro alegram, depois embriagam, um dia azedam.”

Mário Zambujal in A Dama de Espadas


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Curtas do Metro – O Significado

[Pensei muito se deveria, ou não, iniciar uma secção sobre as minhas viagens no Metro. Há mais de um mês que faço o percurso Santa Apolónia – 24 de Julho e volta em regime misto. Metade autocarro, metade Metro. Torna-se mais rápido, mais confortável e as mudanças de transporte obrigam-me a fazer exercício físico. Ora, acontece que, no Metro, quase não há histórias e a razão é simples: os percursos são muito rápidos, o tempo em trânsito é muito fugaz para que algo de significativo aconteça. Hoje, contudo, aconteceu uma breve e curta história que merece ser contada e é por isso que inicio esta secção. Chama-se “Curtas” porque as histórias serão forçosamente breves e chama-se “do Metro” por razões óbvias. Se nunca mais acontecer outra, paciência, ficamo-nos por esta. De resto, Mails para a minha Irmã só tem a ganhar com a diversidade de secções e motivos de publicação. Boas leituras e… vamos lá à primeira Curta do Metro.]

O Significado.

Entrei. Havia muita gente, mas não estava “à pinha”. Encostei as costas ao varão e virei-me de frente para o sentido em que o Metro ia avançar. Assim, o varão amparava-me as costas no momento do arranque. No último instante, já as portas estavam a apitar, entrou de salto uma mulher nos seus quarenta, não muito bonita nos meus critérios de beleza, mas bem arranjada. Calças de ganga justas, uma blusa encarnada e, por cima, um colete em pele de coelho ou imitação da dita. Cabelo arranjado. Quando entrou, abriu um desses jornais gratuitos, pôs-se a ler e não se agarrou a nenhum varão vertical, nem horizontal (por cima dos bancos), nem a uma pegadeira do tecto. Ficou de pé de frente para mim. A ler o jornal. Eu estranhei que não se agarrasse, mas pressupus que tivesse bom poder de “fixação”. Pressupus mal.

Quando o Metro arrancou, ela foi projectada pelo impulso para cima de mim, agarrou-se ao varão onde eu tinha as costas dando-me um forte e apertado abraço que me colou as costelas ao varão e me tirou, momentaneamente, o ar. Até aqui, isto é esquisito, mas acontece todos os dias no Metro. O que ela disse a seguir é que me intrigou. De tal forma que tive de responder-lhe.

Enquanto recuava e me soltava do seu apertado abraço, perguntou:
– Acha que este encontrão significa alguma coisa?
– Acho. Significa que tem de se agarrar!

jpv


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Quando vier a Primavera


Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

Alberto Caeiro, in “Poemas Inconjuntos”


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Natureza em Mudança

Natureza em Mudança

Cais forte e vigorosa
Dum céu negro
E fechado
Em manhã chuvosa.
És água
E és pedra
E fustigas a superfície
Da enorme e antiga serra.

E fecha-se a luz,
Banhado está o universo
Em tamanho breu
Que não cabe em verso
O medo que me deu.

E estavas assim,
Assustando-me o coração
Quando se abre
O brilhante astro
Como uma canção
À Primavera
À alegria, ao calor.

E agora já tenho tudo.
Só me falta
O meu amor.

jpv