Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


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O Clã do Comboio – Luz

Luz.
Não me venham com teorias, a luz é a luz.
Os dias estão muito maiores. Já não é preciso chegarem as 7:30 para haver luz. A essa hora o dia já é claro. Quer isto dizer que toda a viagem no interregional das 7:18 é iluminada pelas cores e pelos matizes que a luz empresta à paisagem. Como a lezíria é bonita! Há espelhos de água e há nessa água o reflexo alaranjado e suave da aurora e há o limite das nuvens avivado em riscos definidos de luz e há vegetação a traçar recortes no horizonte.
A primeira consequência da chegada da luz é essa. É a paisagem que emerge do breu adormecido da noite e ganha cor e vida.
A outra consequência vê-se nas pessoas. Dormem. Claro que dormem. Andam cansados das rotinas, do trabalho, das mulheres, dos maridos, dos filhos, das contas, das obrigações, dos impostos, e dormem. Mas não é o mesmo dormir que era em Novembro ou Dezembro. Há mais olhos despertos. Mais pessoas olhando pela vidraça à procura de vida ou pasmando com ela. E há gestos. A carruagem já não é uma amálgama inerte de cabeças cambaleadas e adormecidas. Agora que veio a luz, há um mexer pequenino, gestos por si só insignificantes, mas que em conjunto fazem uma serena sinfonia de não querer ou não conseguir dormir.
É engraçado como as pessoas dormem com a luz artificial e estridente do comboio a dar-lhes na cara sem que esta as incomode, mas se inquietam com o despontar distante de uma aurora rosada.
E hoje veio o astro-rei despontando em bola de fogo.
Ave!


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Bola de Fogo

Bola de Fogo

A bola laranja
Com o fogo a rebentar
Nasceu para me acordar
A esperança e o desejo.
Está prenhe e gorda,
Está farta e enchida,
E traz mais coisas do que calor,
Vê-se bem que vai parir a vida.

E aquece o corpo,
Que é o menos,
E traz luz a esta alma que temos,
E fecunda a terra e o chão,
Emprenha o engenho do Homem.
Enche de luz cada coração.

Estás aí, bola de fogo,
A provocar-me a consciência.
Começas e terminas o jogo
De fecundar e adormecer a existência.

Estavas rasteirinha, ainda agora
E teus laranjas floresceram em amarelo vivo
E em segundos foi-se a aurora
E vivemos, já, um dia de luz festivo.

jpv


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Palavras

Palavras

Não sei como se alivia a dor
Com palavras.
Não sei como se fortalece a alma
Com palavras.
Não sei como se ama um corpo
Com palavras.

Sei só que me resta
Esta vontade de curar-te,
Este impulso de fortalecer-te,
Este desejo de amar-te,
E palavras são só o que tenho.

Não sei.
E esta ignorância
É meu abismo
E minha ponte
E as palavras são meu fim
E minha fonte.
Não sei como faça
Sei só como diga,
Mas dizer-te não basta.

Tenho só estas palavras
Que me não chegam para tocar-te
E é com a impotência das palavras
Que cumprirei o Destino
E o Destino é amar-te.

jpv