Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."

O Clã do Comboio – Julieta, porque é que não fazemos amor?

2 comentários

Julieta, porque é que não fazemos amor?
Não é possível ninguém dizer com rigor qual é a sua canção preferida ou a sua música preferida. Quando nos fazem esse tipo de pergunta, em vez de dizermos uma, respondemos com uma imensa listagem. E isso é normal. Dependendo do momento que estamos a viver e da nossa disposição, referimos temas mais tranquilos ou mais exuberantes, géneros mais clássicos ou mais revolucionários. E acontece isto porque a música é uma expressão da nossa alma.
Há, no entanto, um critério que restringe um bocadinho as nossas preferências. É o das músicas e/ou canções que nos marcaram.

Tinha eu 17 anos, estava no auge dos amores, dos sentimentos arrebatados, das paixões, das descobertas, das leituras marcantes, das mulheres para além das roupas, das tristezas profundas, dos desgostos de amor, das saídas à noite, das amizades para sempre, das ideias, dos planos para mudar o mundo, das escolhas que iriam afectar a minha vida para sempre, das borbulhas na cara, das causas e da ideia de que algo no Universo seria diferente por minha causa, quando um amigo me estendeu um par de cassetes e disse:
– Toma, vendo-tas baratas. Isto é do melhor que há. Ouve um bocadinho.
Corri a um gravador e ouvi. Ouvi e apaixonei-me. Aquilo era diferente daquele som tecno e formatado que inundava os anos oitenta. Aquilo era genuíno. Tinha poucas palavras, mas os instrumentos, sobretudo a guitarra, pareciam falar. E aquilo soava como se tivesse uma história e acordava em mim coisas boas. Comprei-as. Era um álbum todo gravado num concerto o que quer dizer que, além da música, eu ouvia a multidão exultante e a sua interacção com os músicos. Aquela música marcou-me de tal forma que nunca mais a deixei de ouvir. As cassetes passaram tantas vezes que acabaram por, literalmente, gastar-se. Mais tarde comprei o vinil e depois, quando surgiu a tecnologia digital, acabei por comprar os CDs que entretanto estão riscados de tanto uso. Ouço-os em casa, no carro, no computador, onde quer que esteja e possa. Depois, quando o vídeo se tornou mais portátil e de melhor qualidade ofereceram-me o DVD do concerto. E mais recentemente com o surgimento dos sistemas de armazenamento de massa, vulgo pen drive, leitores mp3 e mp4, arranjei o ficheiro com o concerto coloquei-o no meu leitor mp3 e volvidos 26 anos continuo a ouvir esta música como se fosse a primeira vez e de cada vez que a oiço sinto esperança e força e fé e volto a querer mudar o mundo e a fazer coisas geniais e a fazer a diferença e a tocar o Universo de bondade. É a minha música da manhã, da tarde, da noite, do levantar e do deitar. É a minha música de rir e de chorar, de pensar e de reflectir e também de brincar.

O colega que me vendeu as cassetes chamava-se José Sioga, morreu dois meses mais tarde num acidente de automóvel, mas deixou-me esta herança de vida. E eu fui ser feliz, fui namorar, fui casar, fui ter um filho e criá-lo, fui tirar um curso, fui ser professor, fui ser outras coisas, fui fazer um mestrado, fui ver a minha irmã crescer, fui ver o meu pai morrer, fui ver o meu filho fazer-se homem, fui celebrar-lhe os aniversários, fui marcar as férias com a minha mulher, fui construir uma casa, fui traçar um caminho de vida e sempre, mesmo sempre, em momentos de exultação e acabrunhamento, o meu som de fundo esteve lá a acompanhar-me, a ajudar-me a fazer de mim o homem que sou.

Ia aqui no interregional das 7:18, com seis ou sete pessoas à minha volta com música nos ouvidos, e ia a pensar o que é que estariam a ouvir e porquê. E, de repente, pensei nas minhas próprias motivações e na minha própria música e, como tantas vezes na minha vida, escrevi ao som dela. Só que, desta vez, escrevi também sobre ela…

Este Natal quis homenagear o jovem que me apresentou esta música e faleceu tragicamente dois meses depois. Faleceu mas continuou vivo. É que o simples facto de me ter apresentado o concerto “Alchemy Live” dos Dire Straits mudou por completo a minha existência. Não sei como teria sido a minha vida, mas sei, com a certeza do meu crer, que teria sido algo completamente diferente, infinitamente mais pobre.
E queria homenagear o Mark Knopfler e os Dire Straits por me terem transmitido essa energia e essa força e por terem sido o meu canal de contacto e comunicação com a Divindade ao longo dos últimos 26 anos.

Eu não sei o que é que os outros passageiros do interregional das 7:18 vão a ouvir, embora sinta essa curiosidade. Eu cá vou escrevendo enquanto a guitarra chora, suave e doce, e o Mark entoa:
– Juliet, why don’t we make love?
Desconhecida's avatar

Autor: mailsparaaminhairma

Desenho ilusões com palavras. Sinto com palavras. Expresso com palavras. Escrevo. Sempre. O resto, ou é amor, ou é a vida a consumir-me! Há tão poucas coisas que valem a pena um momento de vida. Há tão poucas coisas por que morrer. Algumas pessoas. Outras tantas paixões. Umas quantas ilusões. E a escrita. Sempre as palavras... jpvideira https://mailsparaaminhairma.wordpress.com

2 thoughts on “O Clã do Comboio – Julieta, porque é que não fazemos amor?

  1. Desconhecida's avatar

    Ourinhos-São Paulo-Brasil-02:54am-Horário Verão x Tomar-Portugal-04:54am Horário Normal – 09/11/2012
    Já havia programado para hoje a leitura do cap.11 ao 20 para tecer meus comentários ao nobre amigo, ao Clã do Comboio, usuários e leitores.Jamais imaginei que ao encerrar minha leitura,iria me deparar como uma declaração de vida que muito nos assemelha. O gosto pela música desde a infância, sonhos e projetos, experiências,até fisico-facialmente falando,na forma arredondada da face,olhos pequenos e fundos, pele alva, de sorriso discreto e descontraido, diferenciando-nos um pouco os cabelos em seu volume “supra central”,onde os meus, ainda resistem um tico a mais,embora já prateados pelos efeitos das neves do tempo. A narração,sólidas amizades e em especial,a paixão pela escrita e a música. Se estendendo ainda mais,pelo seu estilo e intérpretes. Surpresa esta que muito me agrada meu amigo. Parece tratar-se de almas com um mesmo DNA, que como já pude observar por suas palvras, tem também muita semelhança na sensibilidade e caráter emocional. Portanto, este que vos dirige a palavra,que à partir de agosto de 2013, além do que já é, passará a ser ainda mais sexy , pois então será um Sex agenário, vem lhe agradecer a abertura das portas de seu espaço,de sua sala de visitas para o mundo, onde tenho sido recebido com respeito e afecto e desejar-lhe, infinitas alegrias, muita saúde, paz e realizações em todos os âmbitos, durante a sua longa existência.

    Abraço Transatlânticos
    azul, imenso, rico em vida
    por onde navegou e ainda navega
    nossos laços de consanguinidade
    eterna e salutar amizade

    Claudemir Geronazzo Mena
    Men@
    MeNiNoSeMJuIzO

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  2. Desconhecida's avatar

    Que bom recordar tempos idos em que se “vivia” naquela Escola, onde o Latim e o Grego eram as nossas grandes vitórias! Embora em anos diferentes, cada um, que estudava estas línguas, era uma “avis rara” aos olhos dos outros!

    Adorei a música!

    Desejos de um óptimo 2011 para ti, para a tua amada e para o teu filhote!

    Beijinhos mafaldinos de saudade
    da Célia Mafalda

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