Era uma ave de arribação, ou seja, não tinha passe. Passageira pontual, muito provavelmente de ir ao médico. Fica desde já esclarecido que não vou gozar com a pessoa. Longe de mim. Só escrevo sobre ela porque me impressionou. Um destes dias, sentou-se à minha frente uma senhora pequenina, tão pequenina que, sentada no banco do comboio, mal chegava com os pés ao chão. Ao lado dela, a filha tomou também seu lugar. A senhora tinha o olhar meio revirado. Coloquei a música nos ouvidos e pensei: “Sem história”. Enganei-me.
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Passados uns minutos, ainda o cheiro a Entroncamento devia ocupar o ar, ela começou a comer. Pacotes de açúcar. Não contei porque não estava à espera do que iria seguir-se mas, pelo baixo, engavetou aí uns dez! Ao mesmo tempo foi bebendo água. Quando pensei que a senhora tinha reposto os níveis de açúcar e tinha dado por terminada a “refeição”, atacou uma sandes de queijo que parecia maior do que as suas mãos conseguiam abarcar. Pronto, é de muito alimento, pensei. Só não sabia que ela ainda não ia a meio. Que me lembre e tentando repeitar a sequência, a senhora pequenina que bebia muita água ainda conseguiu engolir mais meia dúzia de pacotes de açúcar, um iogurte líquido, outra sandes XL e um saquinho de plástico cheio de rebuçados, caramelos e chocolates.
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Não sei, sinceramente, não sei como é que uma pessoa que não chega com os pés ao chão no banco do comboio consegue enfiar tanta coisa goela abaixo. Logo pela manhã! Quando chegámos, a filha perguntou-lhe, Queres mais alguma coisa?
E eu pensei, Mas onde é que ela mete aquilo tudo?

