Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."

Creta 2010 – Diário de Bordo – 20

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11/8/2010 – 21:45h. – Georgioupoli

Em 1866, a invasão da Grécia pelos turcos vivia momentos de grande confrontação em terras de Creta. A violência era desmedida, as baixas múltiplas de ambos os lados. Num mosteiro denominado Moni Arkadi, os monges resistiram dentro dos muros do mosteiro com a ajuda de populares. A ofensiva turca foi de tal forma violenta que conseguiram penetrar no mosteiro. As várias dezenas de pessoas que aí se encontravam refugiaram-se na adega onde guardavam a pólvora e, para não serem torturados nem morrerem às mãos do invasor, detonaram a pólvora. A abóboda da adega ficou completamente desfeita. Não houve sobreviventes. Também morreram muitos turcos na explosão. Hoje, estive nessa adega. O mosteiro é austero mas muito aprazível. A adega nunca foi reconstruída e continua sem abóboda como forma de lembrar os que se sacrificaram por Creta.

Depois visitámos Anogeia, uma terrinha junto ao Monte Idi que é o centro da produção artesanal de bordados. Foi aqui fundada a 1ª cooperativa de mulheres de Creta e quase toda a população trabalha em bordados.

Depois de almoço, dedicámos a tarde a visitar o Vale de Amari e as suas aldeias “entaladas” na serra. Começámos por Marguerites, uma aldeia onde toda a população se dedica à produção de objectos de cerâmica pintados em cores muito garridas. Depois fomos a Gerakari onde produz artesanalmente doce e licor de cereja e raki (aguardente típica). Entrei com o Iago numa taverna dessa aldeia serrana e pedimos dois rakis. A senhora trouxe dois cálices de raki, um pepino descascado e cortado aos bocadinhos e um prato com ameixas. Quando lhe pedi a conta, ela disse, com um sorriso nos lábios: “1 euro”. Eu bem digo que estes tipos não existem. Ela só cobrou o que eu pedi. O resto foi uma simpatia dela. Paguei-lhe 1€ e esqueci-me de uma moeda de 2 em cima da mesa.

Todo o vale de Amari é lindíssimo, nele visitámos duas capelas do Séc. XIII, Agia Ana e Agios Ioannis. A primeira ainda tem frescos. São os mais antigos frescos cristãos na ilha. A segunda está em ruínas mas, mesmo assim, colocaram lá um altar pequenino, improvisado em madeira e mantêm o culto vivo.

De todo o vale, gostei especialmente de Anogeia e Gerakari. O vale não é sobre comprido como estamos habituados a ver. Tem uma forma ovalada e é rodeado pela montanha em toda a volta.
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Nota rodoviária e não só: Eu, que sou professor, não consigo deixar de me interrogar como é que as crianças daqui vão para a escola. Seja porque as aldeias são em locais inóspitos, seja porque as estradas são terríveis. Muito íngremes, muitas curvas e muito estreitas. Uma distância de 10km pode levar entre 30 a 40 minutos a fazer.

Nota cultural nº1: desde que estou em Creta, tenho reparado em algo que não sabia se devia escrever e como escreveria se o fizesse. Penso que o melhor é ser claro. Os cretenses nutrem e não escondem uma clara insatisfação ou, se quisermos, uma clara repulsa pela Alemanha da senhora Merkl. Não é nada com os alemães em geral, é mesmo circunscrito ao corpo político. Lembrei-me de escrever isto porque eu ando a dizer, meio a brincar, meio a sério, que precisamos de outra revolução em Portugal e, um dia destes, um cretense disse a frase “Precisamos de uma revolução”. O contexto era o de uma reacção enérgica à pressão política colocada pelo governo de Merkl.

Nota rodoviária: não escrevi isto logo no primeiro dia em que conduzi na ilha porque nnão sabia se era uma coincidência ou um hábito. Escrevo agora porque já percebi que é um hábito. Os cretenses, nas estradas onde há bermas, inventam uma terceira faixa de rodagem. Os condutores mais lentos andam com metade do carro na berma e os outros circulam no centro da estrada. Numa estrada com duas faixas de rodagem, estão frequentemente 3 carros lado a lado e chegam a estar 4. Por isso é que escrevi há dois dias que eles conduziam de frente para mim, é que toda a gente pressupõe que quem vai devagar (menos de 100km/h.) segue pela berma. Ou seja, eles vinham de frente para mim porque eu, na minha mão, estava errado!

Moni Arkadi

Moni Arkadi

Moni Arkadi
Anogeia
Agia Ana
Agios Ioannis
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Autor: mailsparaaminhairma

Desenho ilusões com palavras. Sinto com palavras. Expresso com palavras. Escrevo. Sempre. O resto, ou é amor, ou é a vida a consumir-me! Há tão poucas coisas que valem a pena um momento de vida. Há tão poucas coisas por que morrer. Algumas pessoas. Outras tantas paixões. Umas quantas ilusões. E a escrita. Sempre as palavras... jpvideira https://mailsparaaminhairma.wordpress.com

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