Mails para a minha Irmã

"Era uma vez um jovem vigoroso, com a alma espantada todos os dias com cada dia."


Deixe um comentário

Creta 2010 – Diário de Bordo – 7

30/7/2010 – 20:16h. – Porto do Pireu, a bordo do LATO.

O dia foi interessante e intenso. Claro que me apetece escrever já sobre o barco onde estou agora traçando estas linhas. Não por ser extraordinário, mas porque me surpreendeu. Afinal de contas trata-se de uma simples travessia… de 8 horas! Mas o dia não começou assim.
Como já conhecíamos Atenas, pela manhã fomos simplesmente passear, misturarmo-nos com as pessoas. Beber um sumo de laranja. Desenferrujar o grego com empregados de mesa e comerciantes simpáticos. Este turismo sem agenda tem piada. ficamos um bocadinho menos turistas de ver as vistas e mais de conhecer as gentes. O almoço teve uma inevitável salada grega, azeitonas, pepino, pimento, tomate, queijo fetá, azeite e orégãos. Teve também uma coisa deliciosa chamada tzatziki. É uma espécie de iogurte muito fresco mas não doce, é avinagrado, tem pepino e alho migados e um pouco de azeite. E comemos souvlaki, uma espécie de espetadas com salada. E comemos moussaka que é como se fosse uma lasanha mas em vez de massa é feita com puré de batata, pão, beringelas, courgettes e cenouras, tudo cortado a fazer um empadão. Bebi cerveja grega. É mais leve e menos saborosa que a nossa. Não bebi café. O café bebe-se em casas específicas para o efeito. Beber café num restaurante é pouco prudente. Normalmente não presta.
À tarde visitámos o novo museu da Acrópole. Já não é na Acrópole mas fica no bairro com esse nome e tem os achados da cidade sagrada. Está extraordinário. Foi concebido para simular o Partenon. A informação é acessível e não exaustiva, logo, não cansa. Tem muito vidro, no chão e nas paredes, por isso é muito luminoso. O chão de vidro no rés-do-chão permite ver as ruínas sobre as quais o museu foi construído. O vidro nos pisos superiores permite ver as pernas das incautas…
Desenharam uma varanda com esplanada o que faz do museu um espaço de estar mais do que de passar. É um museu confortável onde se pode beber um café com gelo!
O barco partia às 21h. Check-in às 20h. Como tenho sempre medo de chegar atrasado aos transportes, chegámos às 19h. para levantar os bilhetes. A primeira coisa que descobri foi que o barco só partiria às 21:30h! As minhas expectativas eram baixas. Não sei porquê, ou sei, desconfio sempre um bocadinho dos mediterrânicos. Somos boa gente. Até a arranjar problemas. Tínhamos comprado os bilhetes pela Internet, mas devido à crise, eu desconfiava que a companhia já tivesse falido. Imaginava, por outras razões, próprias do meu imaginário, um quarto com vinte e quatro camas onde nós os três teríamos de passar a noite a levar com o suor dos outros e, claro, onde teríamos de partilhar a casa-de-banho. Isto se não tivessem colocado vinte e cinco passageiros num quarto para vinte e quatro.
Ora, o atraso de meia hora e a imensa fila de gente à porta de um barco que por fora parecia um gigantesco e velho cacilheiro, não me faziam esperar um navio composto e muitíssimo confortável. Mas foi isso que encontrámos. Nunca a expressão “as aparências iludem” fez tanto sentido. Ao contrário!
[22:30h.]
Fiz um intervalo na escrita para jantar. A esta hora já rolamos no alto mar. Por bilhetes relativamente baratos, as minhas expectativas foram excedidas e o meu receio de entrar num ambiente dickensiano dissipou-se. Deram-nos um quarto com camas para os três, completamente equipado e com casa-de-banho privativa onde a água quente jorra abundante do chuveiro. Toalhas à discrição e música ambiente. Tomámos duche, fomos jantar e conhecer a cidade sobre as ondas. Um restaurante com ementa, um self-service, dois restaurantes de grelhados, diversos bares, lojas, caixas multibanco, piscina, discoteca, áreas e lazer com e sem televisão, área de acesso à Internet, agora não, obrigado.
Normalmente, os navios têm isto tudo. Já tinha tido a experiência de viajar num. Mas lembro-me de ter pago bem mais e sobretudo, não me lembro de, por fora, parecer uma gigantesca lata velha. Há um enorme contraste entre o exterior e o interior do Lato.
————————–

Nota sociológica: reparei que no barco não há a mesma multiplicidade cultural da Praça Monastiraki. Aqui há sobretudo turistas europeus e gregos. E há gregos que vão trabalhar para a ilha. Mas há uma curiosa estratificação socio-financeira. Os que viajam e dormem em bancos de madeira no exterior, os que viajam e dormem em salas de estar onde se refugiam do exterior, os que trazem sacos-cama e dormem pelos corredores, os que viajam e dormem em bancos como os de avião que fazem cama ao recostarem, os que viajam em quartos interiores (nós), os que viajam em quartos com janelinha e os que viajam em quartos exteriores com varanda. Nós somos, de facto, todos iguais e sinto esta coisa estranha mas verdadeira que é não querer ter menos do que conquistei mas, ao mesmo tempo, não gostar que haja quem tenha menos.

Nota antes de dormir: estivemos um pedaço vendo e ouvindo o mar na noite. o branco da espuma cortando o breu. E o que me surpreendeu mais foi o vento da deslocação do barco que nos acariciava a face os corpos ser quente. Quente e acolhedor. Agora, enquanto escrevo e oiço uma musiquinha, sinto um suave balanço que embala mas não incomoda. Definitivamente, prefiro o barco ao avião! Isto é tão confortável que saí de casa há dois dias e só agora começo a relaxar. Acho que mereço. Amanhã acordamos em Creta. Boa noite.

Entrada do museu da Acrópole
Porto do Pireu
A chaminé do Lato


Deixe um comentário

Creta 2010 – Diário de Bordo – 6

30/7/2010 – 07:43h. Atenas

É um hotel de passagem. Limpo. Mas longe do luxo. contudo, foi um prémio acordar numa cama após uma noite bem dormida. De resto, acordar em Atenas é bom. É sempre bom.

Agora vamos ao pequeno-almoço, ou seja, queijo fetá, pimentos, pepino, tomates, ovos cozidos, café e sumo de laranja.

Temos um dia para estar na cidade dos deuses e o plano é simplesmente passear e usufruir. Às 21h. temos de apanhar o barco para o nosso destino: Creta.

Acrópole


Deixe um comentário

Creta 2010 – Diário de Bordo – 5

29/7/2010 – 20:03h. – Atenas

Praça Monastiraki. Este momento tem de ser registado. Cristalizado. Tem demasiadas coisas interessantes para que se perca na bruma da memória. O dia começou com pequeno-almoço em Lisboa. Teve almoço em Zurique. E termina com jantar em Atenas. Sandes de pataniscas de bacalhau confeccionadas na Zibreira são jantar em Atenas. Água, Coca-Cola, sumo de laranja. Sumo de laranja em grego é fácil de decorar. Diz-se “portucali”.
A Praça Monastiraki é o coração da cidade antiga. Está rodeada de ruas estreitinhas onde quase não se consegue passar por serem tantas as pessoas e por terem sido ocupadas pelos expositores dos comerciantes. Todas estas ruas e as gentes nelas desembocam na praça. Ouve-se falar português, espanhol, italiano, inglês, alemão, árabe, coisas que soam a nórdico e, sobretudo, ouve-se o doce e sibilino grego. Há brancos, pretos, amarelos, europeus, sul-americanos, indianos, africanos, libaneses, paquistaneses, cristãos católicos e ortodoxos e muçulmanos. Ainda agora passou aqui uma moça tão ocidental e europeia como qualquer rapariga de Torres Novas e atrás dela ia um homem antigo de barbas longas e longas vestes negras. A polícia ocupa o centro da praça e, num pacto tácito, retira-se e surgem os vendedores de lençol estendido no chão. Quando aqui chegámos, esbarrámos nas bancadas de fruta e comprámos uvas tintas e quentes como o ar de cá e jantámo-las com as sandes portuguesas.

E, num toque supremo da mais absoluta promiscuidade entre o religioso e o pagão, a praça tem, como o nome indica, um mosteiro ortodoxo vigiado lá do alto pelos deuses que habitam a Acrópole. Há músicas no ar e há, sobretudo, cheiros e odores diversos. Assim, de repente, cheira-me a kebab, a carne grelhada, a especiarias, a moussaka, a um intenso caril e a café. Peço um café grego que é aquecido num recipiente metálico com um cabo longo mergulhado em areia ardente. As pessoas sentam-se pelos muretes da praça e depois dispersam-se pelas esplanadas.
E penso em casa. E penso que às vezes dizemos ou ouvimos dizer que quem usa a Internet é um cidadão do mundo, um ser global e não posso deixar de pensar que estar na Praça Monastiraki num fim de tarde quente de Verão é que é, efectivamente, ser-se um cidadão do mundo. É ver, sentir, cheirar e provar a vida a sério, a vida que havia antes da mentira digital e aquela que continuará depois dela. A vida das pessoas de verdade.

Praça Monastiraki com Acrópole ao fundo
Praça Monastiraki

Cenas de violência em Atenas! – Praça Monastiraki

Praça Monastiraki

Ruas circundantes da Praça Monastiraki

Diverisdade étnica e cultural na Monastiraki

Diversidade étnica e cultural na Monastiraki

Estação do metro na Monastiraki


2 comentários

Creta 2010 – Diário de Bordo – 4

29/7/2010 – 14:09 – No avião (Zurique-Atenas)
Muito bem, é oficial. A tradição já não é o que era. Nem a precisão suíça. O avião partiu às 13:55h., ou seja, com uma hora de atraso. Ironia. partiu de Zurique e é um Air Bus da SwissAir.
Há outra coisa oficial. Estou receoso. Pronto, confesso, completamente acagaçado. O tipo do altifalante e comandante da lata, que há-de ser tão humano e falível quanto eu, disse no melhor inglês que conseguiu que íamos encontrar alguma turbulência. Ora, alguma turbulência, no meu limitado vocabulário de acagaçado, não inclui solavancos de fazer saltar na cadeira nem latas a bater por todo o lado. Espero, sinceramente, ter oportunidade de um dia mostrar estas linhas a alguém. Era bom sinal. Como é que consigo escrever durante o episódio? Simples, isto sai tudo torto mas ajuda a esquecer um tudo-nada a lata aos saltos no vácuo.
À medida que avançamos no tempo e na altitude, a coisa vai acalmando. Mas ainda não está sossegada. Outro distractor bem agradável: a mãe francesa de olho azul e cuequinha rendada aqui ao lado. Ainda bem que inventaram o cós baixo! O puto é que podia estar quieto. Já agora, Deus, se me ouves melhor porque estou mais perto, cala o cachopo grego que vai aqui à frente aos berros parece que o matam.
Cá em cima, o sol tomou conta das nuvens que ficam por baixo. E lembro-me da minha poderosa Serra D’Aire e do meu Bronco. Tão fiável. Mas agora não é hora disso. É hora SwissAir. Atrasada e tudo.
———————————
Dados da desgraça:
Altitude: 9600m.
Velocidade: 800km/hora.
Temperatura no exterior: -46ºC.
Mal por mal, cá dentro!
Nota 1: assim que acabou a turbulência o puto francês adormeceu e passaram doze, DOZE pessoas para a casa-de-banho.
Nota 2: Continuaram a passar pessoas para a casa-de-banho. Às tantas deixei de contar. Foi para aí um terço dos passageiros!
Nota 3: vantagens de ter um filho a estudar medicina: perguntei porque é que passava tanta gente para a casa-de-banho. Ele disse que o stress liberta uma hormona chamada cortizol que, entre outros efeitos, estimula a diurese. É por isso que as pessoas na fila para andar na montanha russa têm vontade de fazer xi-xi. Já valeu as propinas do ano passado!

Dados da desgraça: texto original manuscrito
Sim filho, havia de valer de muito!
Mãe francesa (com autorização da própria!)


Deixe um comentário

Creta 2010 – Diário de Bordo – 3

29/7/2010 – 12:44h. – Aeroporto de Zurique

Em Zurique estão 15ºC. Menos de metade do que em Lisboa. Não há sol e chove.

O vôo para Atenas está atrasado 20m. Nada de mais. Uma coca-cola e um café custaram 12€. Os avisos para os passageiros nem sempre são traduzidos, ao menos, para inglês. A esplanada está de frente para as portas do WC. As mulheres são altas e desajeitadas. Tudo isto me leva a perguntar “Afinal, quem é que quer viver nesta terra?” Eu sei, não se avalia uma nação pelo seu aeroporto. Acontece que até pode fazer-se esse exercício. É um bocadinho como conhecer a cozinha de uma casa.

Os sons no ar deste aeroporto são diferentes dos de Lisboa. Menos doces. Mais ásperos. As pessoas aqui não falam, cospem as palavras.

Estão a chamar-nos. É para já!

Aeroporto de Zurique


Deixe um comentário

Creta 2010 – Diário de Bordo – 2

29/7/2010 – 08:31h. – No avião (Lisboa-Zurique).

Quando escrevo estas linhas há uma pequena turbulência que me não preocupa mas relembra a impotência, a total impotência que é viajar de avião. Quando entrei, reparei que era um Air Bus A319 da TAP com o sugestivo nome de “Humberto Delgado”. Não viajo muitas vezes de avião mas o suficiente para dizer que, não sei bem porquê, viajar na TAP é diferente para melhor. Quase como se, no meio de tanta eficácia e tecnologia, houvesse um toque artesanal. Correndo tudo bem, esta coisa deve poisar daqui a duas horas e meia em Zurique.

Andar de avião gera-me um sentimento contraditório. Primeiro, uma confiança e um orgulho enormes na Humanidade que voa como os pássaros, muito acima dos pássaros, encurta distâncias e atravessa fronteiras a velocidades incríveis. Duas horas e meia para fazer 1726km! Por outro lado, uma quase epidérmica e inevitável desconfiança. Nesta lata que voa, onde me mostram um filme com umas cenas de desporto e me servem uma refeição, há milhares de cabos, quilómetros deles, o mesmo com tubos, há turbinas, geradores, combustíveis, tudo pressurizado dentro de uma cápsula metálica a que chamam avião. Não consigo deixar de imaginar um desses cabos a falhar, um furinho minúsculo num tubo, uma turbina que diz “Não me apetece mais”. E é por isso que vou confiante e desconfiante. Acima dos pássaros, mais perto de Deus, a caminho de Zurique.

Entre Lisboa e Zurique
O original do texto aqui transcrito


Deixe um comentário

Creta 2010 – Diário de Bordo – 1

29/7/2010 – 06:06h. – Aeroporto de Lisboa

Estar num aeroporto é sempre estranho. Desta vez, ainda mais estranha se tornou a sensação porque fizemos o ceck-in às 5:30h. e quando chegámos à zona comercial de acesso às portas de embarque, estava tudo fechado. Bem, não estava exactamente tudo fechado. O Harrods estava aberto. Juntámos sumo de laranja e café a uma sandes de queijo fresco em pão de cereais. Foi nesse momento que escrevi estas linhas. Estou confortavelmente sentado numa cadeira branca. À minha frente está um sinal dos tempos. Um homem que claramente não é português, a avaliar pelos traços e pela roupa, tem, junto aos despojos do pequeno-almoço, três computadores portáteis! Eu, que fujo agora de tudo isso, percebo a nossa escravidão. Nem come descansado. O trabalho vai consigo para todo o lado. É um escravo do conforto e das condições.

Aos poucos foi aumentando o ruído. Um restolhar de chávenas e pires. Um copo que se parte, as máquinas que acordam e exalam vapores, as luzes que se acendem, as pessoas que lutam contra a ruína da Babel expressando-se em português com e sem sotaque sul-americano, em inglês, em alemão, em francês, em espanhol. Acorda o monstro do seu sono breve e isto agora já parece um aeroporto. Ainda bem, o embarque é daqui a uma hora.

Aeroporto de Lisboa – Harrods


Deixe um comentário

Creta 2010 – Diário de Bordo – Introdução

Depois de alguns anos a pensar no assunto e a fazer umas poupanças, decidimos fazer umas férias em Creta. A ideia era, como sempre tentamos, conjugar o descanso, a paisagem natural e o aspecto cultural.

Nunca pensei escrever nada sobre as férias porque, para mim, seriam uma boas férias mas só mais umas.

Não foram. Tive o pressentimento de que poderiam não ser e, ainda no aeroporto de Lisboa, comecei a escrever um “Diário de Bordo”. Assim ao jeito de quem fotografa com as palavras. Esses textos ficariam para mim e mais nada. Acontece que as férias-visita revelaram-se de tal forma interessantes numa perspectiva cultural, gastronómica, paisagística, e outros que agora não me ocorrem que resolvi publicar aqui os textos antes de começar a postagem dos muitos capítulos que escrevi de “De Negro Vestida”.

Não há nesta publicação nenhuma espécie de vaidade. Há só a intenção de partilhar as coisas que vi e senti, as experiências por que passei. Sempre que as tiver juntarei imagens feitas por nós a acompanhar o texto.

“Gramvousa – Creta”